Opinião

Medidas cautelares patrimoniais na Lei de Lavagem de Dinheiro

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5 de setembro de 2022, 9h13

As distintas espécies de medidas assecuratórias estão previstas no Capítulo VI, do Título VI, do Código de Processo Penal (artigo 125 e seguintes) e têm por objetivo assegurar a garantia e a eficácia de um provimento jurisdicional a ser proferido (definitivamente) na ação penal [1]. Assim, as tutelas cautelares servem como ferramentas para preservar a segurança do processo, isto é, quando verificada a presença de risco extrínseco à persecução penal decorrente da alta probabilidade de dano irreparável na futura satisfação do direito [2].

No contexto do emprego de medidas assecuratórias ao âmbito da criminalidade econômico-empresarial, o tipo legal do crime de lavagem de dinheiro se destaca em virtude da sua complexidade e do seu impacto na economia. Por essas e outras razões, a lavagem tornou-se um delito de recorrente presença em grandes operações policiais e casos penais de repercussão nacional, gerando a produção de elevada quantidade de julgados e alavancando os debates e as preocupações em torno de diversos de seus aspectos.

O tema das medidas assecuratórias no contexto da Lei nº 9.613/98 ganha cada vez mais espaço considerando esse cenário, inclusive dando azo ao perigoso movimento de "patrimonialização" da repressão criminal [3]. É sobre a devida aplicação das medidas cautelares patrimoniais no âmbito da Lei de Lavagem de Dinheiro a partir das suas previsões específicas que propomos esta breve e necessária reflexão.

Medidas assecutórias previstas na lei
Da necessária interpretação sistemática para sua decretação

A Lei nº 9.613/98 prevê a instrumentalização das medidas assecuratórias patrimoniais especificamente quanto aos crimes de lavagem de dinheiro (artigo 4º e parágrafos). O intuito da legislação especial é o de isolar economicamente o agente delitivo, para que seja impedido de usufruir do acúmulo financeiro e dos ganhos de proveniência ilícita [4]. Assim, as particularidades deste texto legal devem ser coadunadas com as medidas ordinariamente previstas no Código de Processo Penal, permitindo uma melhor compreensão do seu alcance e dos seus fundamentos.

Com a alteração trazida pela Lei 12.683/12, a redação atual do texto legal ampliou as medidas cabíveis e excluiu a referência nominal às modalidades, utilizando-se de expressões genéricas como "medidas assecuratórias" e "constrição". O caput dispõe sobre a possibilidade de decretação de medidas assecuratórias para a constrição de "bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes". Ou seja, medida destinada a bens de origem ilícita, o que remete à figura do sequestro e, consequentemente, à finalidade de perdimento, nos termos do artigo 7º, caput, I da Lei nº 9.613/98. Como requisito, o dispositivo determina que haja indícios suficientes da infração penal.

Em última análise, a Lei de Lavagem de Dinheiro assenta a ideia de que, sendo o bem de origem ilícita, é de menor importância a titularidade, uma vez que a medida recai diretamente sobre a coisa, independentemente de quem a possua. Dessa forma, a medida estende-se não só ao acusado, mas também a terceiros ("interpostas pessoas"). Trata-se de impedir o enriquecimento ilícito e o incremento patrimonial indevido.

Por outro lado, os parágrafos 2º e 4º do artigo 4º preveem medidas correspondentes ao arresto e à especialização de hipoteca, destinadas à constrição de bens de origem lícita capazes de assegurar a reparação do dano, seja este referente ao delito de lavagem ou ao antecedente, e o pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas. Isto é, tais medidas buscam garantir obrigações futuras decorrentes de eventual condenação. Por assim ser, é incoerente que alcancem bens de terceiros, pois não se justifica a satisfação dos efeitos de uma sentença que não lhes será imposta [5].

Não obstante, em decorrência da própria amplitude da redação da norma, a devida interpretação dos dispositivos supracitados da Lei nº 9.613/98 é imprescindível. O texto legal induz ao emprego das medidas assecuratórias independentemente de sua individualização, como se fossem equivalentes, legitimando a sua decretação desordenada.

Ao utilizar referências genéricas e imprecisas quanto às medidas cautelares patrimoniais, a legislação favorece a confusão entre as suas modalidades e a propagação de "constrições" e "bloqueios" indeterminados que não se amoldam às espécies previstas. Por esta razão, é essencial a interpretação sistemática destes dispositivos com as previsões do Código de Processo Penal, observando-se a lógica dos seus objetos e das suas finalidades.

Embora haja inúmeros julgados que tratam do tema de forma acertada, são preocupantes os casos que evidenciam justamente o cenário acima denunciado, porque perpetuam a incorreta aplicação das medidas assecuratórias patrimoniais no contexto dos crimes de lavagem de dinheiro, albergados pela falta de clareza do texto legal. Destaca-se a necessidade de cautela, sobretudo porque a abrangência do alcance das medidas ao patrimônio de terceiros, por exemplo, extrapola os objetos e as finalidade de algumas de suas espécies.

A comum utilização de termos genéricos e pouco assertivos quando da requisição e/ou da decretação de medidas assecuratórias, torna impossível a determinação da pertinência (adequação, necessidade e proporcionalidade) da medida imposta.

No que tange ao sequestro (artigo 126 do CPP), consoante pontuado, não é necessária a demonstração da autoria para que a medida seja levada a efeito. Por este motivo, em sendo verificada a existência de bem ilícito em circulação, independentemente de quem o tenha em posse, a medida pode, em tese, ser autorizada. Por esta razão, o patrimônio de terceiros, incluindo-se de pessoas jurídicas, é circunscrito pelo limite do sequestro, ainda que não sejam partes na investigação ou na ação penal, uma vez que a finalidade da medida é assegurar a futura declaração de perdimento dos bens ilicitamente auferidos.

No entanto, em muitos casos não é devidamente observada a necessária delimitação dos objetos e das finalidades das medidas assecuratórias, de forma a permitir a sua aplicação coerente e correta. Em vista disso, é urgente o estabelecimento de balizas para orientar a resolução de problemas dessa ordem, os quais tomam conta da pauta diária da prática forense.

Conclusão
O caput do artigo 4º da Lei de Lavagem requer a verificação de indícios suficientes da prática de infração penal como bastante para a decretação de medida assecuratória para acautelar o instrumento, produto ou proveito dos crimes. Trata-se de medida correspondente ao sequestro. Por outro lado, os parágrafos 2º e 4º do mesmo artigo 4º autorizam o bloqueio de bens lícitos para o fim de assegurar a reparação do dano, a multa e as custas processuais. É dizer: tais medidas são hipóteses de arresto e hipoteca legal.

É imprescindível a realização dessa interpretação sistemática dos dispositivos supracitados da Lei nº 9.613/98 com as previsões legais do Código de Processo Penal, sempre considerando a finalidade das medidas assecuratórias e a natureza dos bens objeto de constrição como ponto inicial para sua adequada decretação.

Tal construção não é meramente formal, a repercussão da questão é extremamente prática e relevante para resguardar o direito de defesa dos jurisdicionados, sobretudo no que diz respeito à necessidade de verificação do vínculo do sujeito (pessoa física ou jurídica) sobre o qual recairá a medida com a infração penal cujos indícios amparam a requisição. Isso para garantir que terceiros não sejam alcançados pelas medidas indevidamente, inclusive em observância ao princípio da individualização da pena.

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Referências
[1] BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. 4. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2019. p. 354.

[2] RAMOS, João Gualberto Garcez. A tutela de urgência no processo penal brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 73.

[3] LUCCHESI, Guilherme Brenner; ZONTA, Ivan Navarro. Sequestro dos proventos do crime: limites à solidariedade na decretação de medidas assecuratórias. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 6, n. 2, p. 735-764b, maio/ago. 2020.

[4] ACCIOLY, Maria Francisca dos Santos. As medidas cautelares patrimoniais na lei de lavagem de dinheiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 105.

[5] BOTTINI, Pierpaolo Cruz. O bloqueio de bens de empresas em crimes de lavagem de dinheiro. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-ago-05/direito-defesa-bloqueio-bens-empresas-crimes-lavagem-dinheiro. Acesso em: 25 abr. 2022.

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