Opinião

O entendimento do STF quanto à simplificação do licenciamento ambiental

Autores

  • Talden Farias

    é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

  • Mateus Stallivieri da Costa

    é advogado doutorando em Direito e Desenvolvimento pelo PPGD da FGV-SP mestre em Direito Internacional e Sustentabilidade pelo PPGD da UFSC e especialista em Direitos e Negócios Imobiliários e em Direito Ambiental e Urbanístico pelo Ibmec-SP.

  • Jaqueline de Andrade

    é graduanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.

5 de setembro de 2022, 12h11

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente procedente a ADI 6.808/DF, ajuizada com o objetivo de questionar mudanças na Lei 11.598/2017, que regulamenta a concessão simplificada de alvarás e licenças por meio da Redesim. Com o fim do julgamento, e mesmo antes da disponibilização do acórdão, diferentes veículos de imprensa passaram a anunciar a decisão como a consolidação da impossibilidade de se instituir procedimentos simplificados de licenciamento ambiental.

Spacca
Acontece que esse não foi o primeiro momento em que o STF se debruçou sobre a possível inconstitucionalidade de dispositivos que visam simplificar procedimentos na esfera ambiental, debate que parece ainda estar longe de uma pacificação.

Considerando esse contexto, o presente artigo dará sequência a uma série de três publicações que objetivam analisar o posicionamento do STF em relação ao licenciamento ambiental. Enquanto o primeiro artigo tratou da dispensa e inexigibilidade, neste trabalho serão abordadas as decisões que trataram da possibilidade de simplificação desse tipo de processo.

Preliminarmente, o que é simplificar o licenciamento ambiental?
No âmbito federal, o procedimento de licenciamento ambiental é regulamentado pela Resolução 237/1997 do Conama, pelo Decreto 99.274/1990 e pela Lei Complementar 140/2011. Via de regra, será realizado mediante um procedimento trifásico, por meio do qual o Poder Público expedirá a Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação, de forma isolada ou sucessiva, haja vista o que dispõe o artigo 8º da resolução citada.

Além do procedimento padrão, há a possibilidade de o Conama definir, por força do artigo 9º da resolução, modalidades de licenças específicas, dadas as peculiaridades da atividade. Adicionalmente, conforme o artigo 12, §1º, também é possível que os conselhos estaduais e municipais de meio ambiente estabeleçam procedimentos simplificados para as atividades de pequeno potencial de impacto. Não se pode esquecer que, de acordo com o artigo 8º, I da Lei 6.938/1981, é função desse órgão estabelecer normas e critérios para o licenciamento ambiental.

Ou seja, considerando a complexidade do procedimento trifásico, a própria resolução permitiu a instituição de procedimentos diferenciados, buscando garantir uma maior adequação à realidade da atividade e uma maior celeridade de análise. Sendo assim, cabe verificar como essa possibilidade se enquadra dentro do conceito de simplificação.

A simplificação pode ser definida como o conjunto de medidas adotadas pela Administração Pública a fim de facilitar o desempenho de suas atividades e o cumprimento de seus objetivos. Visa-se com isso diminuir formalidades e burocracias, reduzir custos e conferir celeridade ao processo, racionalizando a atividade estatal sem que se resulte em prejuízos à qualidade do controle ambiental[4]. O fundamento da simplificação é a defesa do meio ambiente "mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação", consoante dispõe o artigo 170, VI da Constituição de 1988.

A simplificação do licenciamento pode ser analisada através de dois aspectos: o instrumental e o material. Enquanto o primeiro trata do procedimento em si, englobando a aglutinação das etapas ou a utilização de licenças específicas, o segundo aspecto aborda a modificação da própria forma e método de avaliação dos impactos ambientais. Para que a simplificação dentro do aspecto material ocorra, é necessário comprovação técnica de que naquela situação o controle ambiental não será comprometido ou fragilizado[5].

Sendo assim, a instauração do procedimento simplificado só pode ocorrer de forma fundamentada, por meio da ponderação de interesses, e respeitando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade de acordo com a realidade do caso concreto[6]. Não sendo obedecidas essas exigências, a simplificação poderá incorrer em inconstitucionalidade por violação do artigo 225, §1º, incisos IV e V, bem como do artigo 170, VI da Lei Fundamental.

Nos últimos anos, considerando as disposições citadas e a natureza concorrente da competência legislativa ambiental[7], Estados e Municípios têm tomado a iniciativa de propor modelos de simplificação. Atualmente, não são poucos os entes locais e estaduais que possuem algum procedimento simplificado de licenciamento, fato que passou a gerar questionamentos quanto à possibilidade de tais entes criarem novas modalidades de licença não previstas na Resolução 237/1997 ou em outras resoluções do Conama.

Até o momento, o STF já se debruçou sete vezes sobre ADIs que questionavam disposições que simplificavam o licenciamento ambiental, sendo uma delas realizada pela União e quatro por Estados. Resta agora analisar tais acórdãos.

ADI 5.547/DF
Proposta em 2016, a ADI 5547/DF foi julgada em 2020 de forma improcedente. A ação questionava a constitucionalidade da Resolução Conama 458 de 2013, que estabelecia procedimentos simplificados de licenciamento em assentamentos da reforma agrária. Analisando o impacto social da Resolução, o STF entendeu que a norma busca “adequar a proteção ambiental à justiça social”, não podendo tratar como potencialmente poluidor o assentamento em si, mas sim as atividades a serem desenvolvidas nele. Tais atividades, por sua vez, deveriam ser fiscalizadas pelos órgãos ambientais competentes e pelo Ministério Público. Na ocasião, a Corte não se debruçou sobre a competência do Conama para criar procedimentos simplificados, e tampouco debateu questões atinentes ao potencial degradador da atividade, concentrando a discussão no objeto social da Resolução. De toda forma, ao julgar improcedente a ADI, o STF considerou constitucional a simplificação do licenciamento ambiental prevista na citada resolução, não constatando afronta aos princípios da prevenção, da vedação de retrocesso ambiental, da proibição de proteção deficiente e da exigência de estudo de impacto ambiental para atividades potencialmente poluidoras.

ADI 5475/AP
Já na ADI 5475/AP, também proposta em 2016 e julgada em 2020, o STF analisou a criação de procedimentos simplificados pela Lei Complementar Estadual n. 05 de 1994 do Estado do Amapá. O artigo 12, IV, criou a modalidade de licenciamento por meio de Autorização ou Licença Ambiental Única, destinada às atividades artesanais ou empreendimentos de pequeno porte envolvendo o agronegócio, tal como agricultura, pecuária, avicultura, suinocultura, aquicultura, extrativismo e atividades agroindustriais. Ao analisar o dispositivo, o STF entendeu que a criação de licença ambiental única dispensava a necessidade de obtenção das demais, ofendendo a competência da União para editar normas gerais. Além disso, haveria também uma desobediência ao princípio da prevenção e do dever de proteção ao meio ambiente equilibrado. Dessa forma, a ADI foi julgada procedente, declarando a inconstitucionalidade formal e material do dispositivo questionado.

ADI 4.615/CE
Na ADI 4.615/CE, o STF analisou a constitucionalidade da Lei Estadual 14.882/2011, que "dispõe sobre procedimentos ambientais simplificados para implantação e operação de empreendimentos e/ou atividades de porte micro com potencial poluidor degradador baixo". A Corte entendeu que os Estados-membros podem estabelecer procedimentos simplificados para as atividades de menor potencial poluidor, o que teria fundamento no Texto Constitucional (artigo 24, VI, § 2º), na Lei 6.938/1981 (artigo 8º, I) e na Resolução 237/1997 do Conama (artigo 12, § 1º).

ADI 6.288/CE
Na ADI 6.288/CE, o STF  também analisou a criação, pela Resolução Coema nº 02 de 2019, de diferentes modalidades de licença, como a Licença Ambiental Única, Licença por Adesão e Compromisso e Licença Prévia e de Instalação. O julgado entendeu pela inconstitucionalidade da dispensa da exigência de licença ambiental no que diz respeito aos empreendimentos efetiva ou potencialmente poluidores, prevista no artigo 8º e Anexo III, e realizou a interpretação conforme do artigo 1º para reconhecer a autonomia municipal para tratar das atividades de interesse local predominante. Já o artigo 4º criou novos tipos de licenças ambientais, como a Licença de Instalação e Operação (LIO), a Licença de Instalação e Ampliação (LIAM), a Licença de Instalação e Ampliação para Readequação (LIAR), a Licença Ambiental Única (LAU), a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) e a Licença Prévia e de Instalação (LPI). Ao contrário do acórdão anterior, nessa ocasião o STF entendeu que o Estado agiu "dentro do federalismo cooperativo em matéria ambiental". Para a Corte, "O órgão ambiental estadual competente definiu procedimentos específicos, de acordo com as características da atividade ou do empreendimento", não existindo, no caso em tela, “[…] configuração de desproteção ambiental. "Em realidade, busca-se otimizar a atuação administrativa estadual." Assim, o STF julgou pela constitucionalidade de tais licenças no que diz respeito às atividades de pequeno potencial poluidor, de forma que a dispensa foi rechaçada e a simplificação aceita.

ADI 6.650/SC
Já em relação a ADI 6.650/SC, o STF analisou o artigo 29, parágrafos 1º, 2º e 3º do Código Estadual do Meio Ambiental de Santa Catarina, que descreviam os estudos necessários para o embasamento do licenciamento ambiental de lavras a céu aberto. Ao passo que o parágrafo 1º tratava da dispensa, os 2º e 3º tinham uma aplicação muito mais ampla e versavam sobre a simplificação do procedimento e do estudo. A Corte declarou os dispositivos inconstitucionais por entender que a simplificação ocorreu de forma a afrontar a Constituição, uma vez que tornavam menos eficiente a proteção do meio ambiente e não observavam o princípio da prevenção.

ADI 6672/RO
Por fim, a ADI 6672/RO questionou a Lei Estadual nº 1.453/2021, que instituiu "procedimentos e critérios específicos para o licenciamento ambiental de atividade de lavra garimpeira em Roraima"”, inclusive com uso de mercúrio. No entendimento do STF, "A possibilidade de complementação da legislação federal para o atendimento de interesse regional (artigo 24, § 2º, da CF) não permite que Estado-Membro simplifique o licenciamento ambiental para atividades de lavra garimpeira, esvaziando o procedimento previsto em legislação nacional". Além disso, foi ressaltada a competência privativa da União para legislar sobre "[…] jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia (artigo 22, XII, da CF)".

O entendimento da Corte foi pela inconstitucionalidade da simplificação, uma vez que não se poderia considerar como de baixo impacto ambiental a lavra garimpeira de até 200 hectares com a utilização de mercúrio.

E o que foi julgado na ADI 6808/DF?
Retornando à ADI 6808/DF, julgada como parte da denominada "Pauta Verde", o STF se debruçou sobre a constitucionalidade do artigo 6º-A e o artigo 11-A, III da Lei n. 11.598/2007.  O objetivo da lei é, através de uma rede nacional, facilitar o registro e a abertura de empresas consideradas como de médio risco ambiental. O ponto questionado pela ADI é quanto à possibilidade de emissão de alvarás e licenças de atividades de médio risco, de forma automática, sem a avaliação humana. A análise dos dispositivos indicam que a intenção do legislador não era incluir as licenças ambientais nessa possibilidade, tanto que modificação posterior ao protocolo da ADI acrescentou parágrafo deixando expresso que a aprovação automática não se aplicava ao licenciamento ambiental e nem à autorização de supressão de vegetação (artigo 6-A, §6º). Para o STF, aplicar o procedimento automático no licenciamento ambiental para atividade econômica de risco médio contraria o princípio da precaução ambiental. Em vista disso, a ADI foi julgada parcialmente procedente, no sentido de dar interpretação conforme, excluindo a aplicação dos artigos aos processos de licenciamento e autorização ambiental.

Considerações gerais e perspectivas futuras
A simplificação do licenciamento é bem-vinda porque desonera o órgão ambiental e os empreendedores, estando diretamente relacionada ao princípio constitucional da eficiência. A despeito disso, o limite dela é a qualidade do controle ambiental, uma vez que estão em jogo valores como proteção dos processos ecológicos essenciais, qualidade de vida, saúde etc. Isso desrespeitaria os artigos 225, §1º, incisos IV e V e 170, VI da Lei Fundamental, bem como os artigos 10 da Lei 6.938/1981 e 2º, II da Lei Complementar 140/2011.

O STF ainda não firmou uma posição uniforme e definitiva quanto à possibilidade de instituição de procedimentos simplificados no licenciamento, existindo, em um curto período de tempo, decisões com sentidos e fundamentos divergentes. Nesse contexto, ao passo que as ADIS 4.757, 4.615 e 6.288 entenderam pela possibilidade de flexibilização, as ADIs 5.475, 6.650, 6.672 e 6.808 entenderam pela sua impossibilidade.

Em relação à competência dos estados, é possível identificar uma tendência da Corte em compreender como inconstitucional a criação de procedimentos simplificados para atividades específicas, como a lavra a céu aberto (ADI 6.650/SC) e a atividade garimpeira (ADI 6.672/RO). Esse sim um entendimento relativamente consolidado, que não deixa de guardar relação com a presunção constitucional de maior impacto ambiental da atividade minerária (artigo 225, § 2º) e com a competência privativa da União para legislar sobre mineração (artigo 22, XII), embora somente este acórdão faça referência expressa a esse argumento.

Já em relação à criação de licenças sem o direcionamento para uma atividade específica, apesar de a Corte ter considerado inconstitucional tal possibilidade em um primeiro momento (ADI 5.475/AP), no ano seguinte o posicionamento foi revisto e passou a ser aceito (ADI 6.288/CE). Dessa maneira, atualmente pode-se afirmar que vigora o entendimento pela possibilidade de os Estados instituírem procedimentos simplificados de licenciamento ambiental de forma genérica.

A ADI 6.808 se diferencia das demais em razão de suas peculiaridades. A Lei 11.598/2017 não criava procedimentos simplificados de licenciamento, ou mesmo uma nova modalidade de licença, mas sim um procedimento mais amplo voltado para o registro de atividades empresariais. O acórdão não tratou exatamente da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), pois esta é uma nova modalidade de licença, com critérios de aplicação específicos. De toda forma, o julgado proíbe o procedimento automático e simplificado de emissão de alvará de funcionamento e licenças ambientais na Redesim para atividades de risco médio.

O Projeto de Lei Geral de Licenciamento Ambiental, já aprovado na Câmara dos Deputados e atualmente em tramitação no Senado, versa sobre o tema, inclusive instituindo, para além das 3 licenças clássicas, a Licença Ambiental Única (LAU), a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC) e a Licença de Operação Corretiva (LOC). Cuida-se de um debate urgente e necessário, pois a falta de uma uniformidade quanto ao assunto gera insegurança jurídica, considerando que a simplificação do licenciamento já é amplamente praticada no país, embora nem sempre da maneira correta. Todavia, enquanto essa padronização da simplificação não ocorre, o que se imagina é a retomada do tema em breve pelo STF, ainda mais considerando modificações recentes que regulamentaram no âmbito estadual procedimentos simplificados, como no caso de Goiás e Rio Grande do Sul[8].

[1] DAUDT D'OLIVEIRA, Rafael Lima. A simplificação do direito administrativo e Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.

[2] DAUDT D'OLIVEIRA, Rafael Lima; FARIAS, Talden. Simplificação do licenciamento ambiental: limites e possibilidades. In: MILARÉ, Édis. 40 anos da Política Nacional do Meio Ambiente. Belo Horizonte: D´Plácito, 2021, p. 776 e FARIAS, Talden. Licenciamento ambiental: limites às possibilidades de flexibilização. In: DIZ, Jamile Bergamaschine Mata; GAIO, Daniel. Desenvolvimento sustentável na contemporaneidade. Belo Horizonte: Arraes, 2019.

[3] Sobre razoabilidade e proporcionalidade nos processos administrativos ambientais: NIEBUHR, Pedro de Menezes. Processo Administrativo ambiental: teoria, modalidades e aspectos controvertidos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021, p. 100. 

[4] Sobre as normas de competência legislativa ambiental: TORRES, Marcos Abreu. Conflito de normas ambientais na Federação. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2016.

[5] A constitucionalidade da Lei 20.694/2019 de Goiás foi questionada por meio das ADIs 5533859-38.2020.8.09.0000 e 5533886-21.2020.8.09.0000 junto ao TJ/GO. Já em relação à Lei 15.434/2020 do Rio Grande do Sul, foi ajuizada no STF a ADI 6618.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!