Opinião

Regulamentação da telemedicina no Brasil

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2 de setembro de 2022, 11h06

Os debates sobre a utilização dos recursos de telemedicina no país não são novidade e remontam ao início dos anos 2000. Naquela oportunidade, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Resolução nº 1.643/2002, por meio da qual regulamentava, ainda de forma genérica, a sua prática no país.

É certo que esse debate amadureceu consideravelmente, inclusive com a publicação, e posterior revogação, da Resolução nº 2.227/2018, que trazia previsões mais específicas referentes à implementação dos recursos em larga escala.

Contudo, foi apenas a partir da pandemia da Covid-19, em 2020, que a questão se tornou efetivamente parte do cotidiano dos hospitais e profissionais de saúde no país. Devido ao isolamento forçado, o governo federal publicou a Lei nº 13.989/2020, que autorizava, em caráter excepcional e durante o período de emergência em saúde pública, a prática da telemedicina.

Vale mencionar que, apesar de a legislação ter sido publicada após a promulgação da Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados  LGPD), não houve qualquer menção específica com relação à necessidade de observância à lei ou abordagem expressa de suas diretrizes.

Entre a publicação da Lei nº 13.989/2020 e o dia 22 de abril de 2022, quando foi publicada a Portaria GM/MS Nº 913 pelo Ministério da Saúde, decretando o fim do período de Emergência em Saúde, inúmeras iniciativas foram desenvolvidas para a aplicação em larga escala da telemedicina.

Uma quantia considerável de tempo e recursos financeiros foi empenhada não apenas para a implementação da telemedicina em larga escala, mas para suportar a revolução que a aplicação de ferramentas tecnológicas proporcionou ao atendimento de saúde de maneira geral.

E, nesse contexto, embora o encerramento do período de emergência tenha implicado na suspensão de publicações efetuadas em caráter excepcional, entre elas aquelas relacionadas à legalidade da prática da telemedicina, essa desaceleração nos avanços regulatórios não teve o condão de retirar da telemedicina o caráter de atuar como caminho sem volta, como é possível constatar por meio de pesquisas de satisfação de pacientes e pelo número de consulta realizadas nesse período. O tema, inclusive, já foi alvo de debates sobre sua permanência em outras oportunidades.

Em decorrência disso, o CFM, se adiantando às possíveis implicações negativas que o encerramento do exercício da telemedicina poderia gerar à saúde no país, publicou, em 5 de maio de 2022, a Resolução nº 2.314/2022 ("Resolução"), que, finalmente, estabeleceu os limites para essa atividade no país.

A norma, que ainda define o atendimento presencial como o "padrão ouro" para a prática de consultas médicas, além de considerar a telemedicina um ato complementar, também estabelece que é facultativo, cabendo ao profissional médico a autonomia pela sua utilização.

Especificamente sobre os aspectos técnicos, a Resolução nº 2.314/2022 também foi assertiva ao determinar que as disposições da LGPD deverão ser observadas. Sobre essa previsão, é importante ressaltar o disposto no artigo 15, onde fica estabelecido que o paciente ou seu representante legal deverá autorizar o atendimento por telemedicina, bem como a transmissão de imagens e dados por meio de termo de consentimento livre e esclarecido.

Nesse sentido, cabe considerar que essa previsão diz respeito aos termos de consentimento livre e esclarecido (TCLE) contidos no Código de Ética Médica, que não se confunde com a base legal prevista pela LGPD e, por essa razão, não restringe o tratamento de dados pessoais  sensíveis ou não   à obtenção do consentimento.

Quanto aos requisitos de segurança, a Resolução também trouxe considerações interessantes para a manutenção da confidencialidade, integridade e disponibilidade dos dados gerados durante a consulta. Ao ter como base padrões já desenvolvidos para a criação de Sistema de Registro Eletrônico em Saúde (RES), estabelece que o Nível de Garantia e Segurança 2 (NGS2), no padrão de infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) ou outro padrão legalmente aceito, seja incorporado.

Com relação aos dados do paciente, anamnese, exames, evolução e demais informações, a Resolução adequadamente apenas reiterou a necessidade de observância das normas aplicáveis ao tema. Em especial, chamamos atenção à Lei nº 13.787/2018, que regulamentou a prática da digitalização e da utilização de sistemas informatizados para a guarda, armazenamento e manuseio de prontuários eletrônicos. Portanto, permanecem inalterados os prazos de guardas já estabelecidos e outras práticas também já previstas nesse sentido.

É necessário, ainda, pontuar que, diferentemente do que se possa imaginar, embora os atendimentos aconteçam em meio digital, continua sendo permitido ao profissional médico o registro em prontuário físico ou eletrônico, de acordo com sua preferência. Outro ponto interessante também trazido pela Resolução, que, inclusive, afeta diretamente a responsabilidade dos profissionais envolvidos, é a figura da teleinterconsulta, que trata-se da troca de informações entre médicos para auxílio em diagnósticos ou providências terapêuticas, clínicas ou cirúrgicas.

Embora a teleinterconsulta possa ocorrer com ou sem a presença do paciente, é importante esclarecer que o médico assistente responsável será, obrigatoriamente, o profissional responsável pelo acompanhamento presencial, respondendo aos demais envolvidos exclusivamente por seus atos. Essa previsão traz maiores responsabilidades aos profissionais diretamente relacionados ao paciente, potencialmente controladores dos dados tratados. Portanto, reforça as determinações contidas na LGPD referentes à guarda das informações e ao compartilhamento adequado.

Finalmente, a Resolução estabelece que as pessoas jurídicas que prestarem esses serviços, bem como as plataformas de comunicação e arquivamento de dados envolvidos, deverão ter sede estabelecida no território brasileiro e ser vinculadas aos respectivos Conselhos Regionais de Medicina. Consequentemente, devem estar também sujeitas às definições da LGPD.

Como visto, a Resolução 2.314/2022 representa, certamente, grande passo dado pelo CFM para a derradeira regulamentação do tema no país, de acordo com as principais definições não apenas da técnica médica e do anseio da comunidade dos profissionais de saúde brasileiros, mas diante das mais modernas determinações referentes à proteção de dados pessoais.

Parece-nos, portanto, a mais adequada e completa normativa até então já desenvolvida para a prática da telemedicina no Brasil, caminhando bem na garantia da atenção à saúde dos cidadãos, bem como na proteção de seus direitos fundamentais à privacidade e à proteção de dados pessoais. Para tanto, se aprofundou em questões ainda não trazidas nas normativas e legislações antecedentes, o que a torna um marco na saúde do país.

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