Opinião

O cerceamento de defesa e a sustentação oral nos agravos regimentais criminais

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2 de setembro de 2022, 6h05

A recente Lei nº 14.365/2022 alterou importantes dispositivos do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei n.º 8.906/1994), acrescentando em sua sistemática processual a hipótese de o "advogado realizar a sustentação oral no recurso interposto contra a decisão monocrática de relator que julgar o mérito ou não conhecer" de recurso de apelação, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, embargos de divergência, ação rescisória, mandado de segurança, reclamação, Habeas Corpus e outras ações de competência originária.

O legislador buscou dar efetivo cumprimento à justa e antiga reivindicação da advocacia, que há tempos alerta para o excesso de decisões monocráticas dos tribunais, que, mesmo recorríveis por meio de agravos regimentais, devido à ausência de previsão de legal para sustentação oral nestes casos, impediam o pleno exercício do direito de defesa.

Assim, diante da citada alteração legislativa, o Superior Tribunal de Justiça editou a Resolução STJ/GP nº 19, de 7 de junho de 2022, cujo artigo 3º dispõe que "nos feitos criminais, até que seja regulamentado o tema no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (artigo 160), o tempo de sustentação oral em sede de agravo regimental será de até cinco minutos".

Tal prazo, entretanto, além de extremamente reduzido para qualquer sustentação oral, não guarda proporcionalidade com o tempo de 15 minutos previsto em outros recursos ou ações originárias, consoante o artigo 160, caput, do Regimento Interno/STJ.

Ademais, não há dúvidas de que o dispositivo inserido pela Lei nº 14.365/2022 constitui norma de natureza processual e, portanto, além de deter aplicabilidade imediata, está subordinada não só aos ditames constitucionais, mas também às regras contidas na legislação ordinária.

Muito embora o Código de Processo Penal não estipule prazo para sustentação oral em Agravos Regimentais, o seu artigo 3º expressamente dispõe que "a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito". Em outras palavras, é o próprio Código de Processo Penal que, diante de uma lacuna, traz a possibilidade de aplicação subsidiária, inclusive do Código de Processo Civil, efetivada por meio de interpretação sistemática, extensiva e analógica.

Nesse diapasão, tem-se que o artigo 937, do CPC, assim prevê:

"Art. 937. Na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses, nos termos da parte final do caput do art. 1.021:
I – no recurso de apelação;
II – no recurso ordinário;
III – no recurso especial;
IV – no recurso extraordinário;
V – nos embargos de divergência;
VI – na ação rescisória, no mandado de segurança e na reclamação;
VII – (VETADO);
VIII – no agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência;
IX – em outras hipóteses previstas em lei ou no regimento interno do tribunal."

Despiciendos maiores esforços interpretativos para se concluir que já existe lei ordinária prevendo o prazo de 15 minutos para a realização de sustentação oral dos advogados, não só nos casos elencados no citado artigo 937 do CPC, mas também em outras hipóteses nas quais a intervenção do advogado for permitida por lei ou por regra regimental — exatamente a hipótese que ora se discute.

Dessa forma, não se mostra razoável que o Superior Tribunal de Justiça, por meio de resolução ou, quiçá, futuramente, por uma norma regimental — regras de estatura hierárquica inferior —, limite a menor tempo a sustentação oral nas hipóteses trazidas pelo novo artigo 7º, § 2º-B, da Lei nº 8.906/94.

Note-se que não há justificativa plausível para se restringir o tempo de sustentação oral do advogado nos feitos criminais, quando em julgamento de recursos cíveis — em que se discutem bens jurídicos muito menos caros do que a liberdade do indivíduo —, a lei prevê o prazo de 15 minutos.

Rememora-se, em uma perspectiva democrática, que as normas que compõem o processo penal não devem ser interpretadas apenas como uma cerimônia protocolar, um ritual litúrgico que antecede a imposição de uma pena [1]. Revestem-se, na realidade, de verdadeira função garantidora, de tutela dos direitos fundamentais frente ao arbítrio do poder punitivo [2].

É com base nesta premissa, de função instrumental constitucional do processo penal, que se deve conferir ampla aplicabilidade à garantia da ampla defesa, não só em sua vertente defesa pessoal, mas, sobretudo, na defesa técnica, à qual é inerente o direito de sustentar oralmente, em tempo razoável, as razões de reforma de decisão impugnada, privilegiando, outrossim, o princípio da oralidade, característica essencial do sistema acusatório [3].

A efetiva proteção dos direitos fundamentais, tarefa também outorgada à advocacia, eis que indispensável à administração da Justiça segundo os ditames constitucionais, perpassa pelo pleno exercício do direito de defesa, no qual se inclui a possibilidade de contribuir oralmente para o provimento judicial, matriz participativa do princípio do contraditório [4].

Em suma, tratando-se de julgamento sob a égide da oralidade, cujas razões de decidir, apesar de previamente escritas, devem ser, em regra, expostas oralmente ao colegiado, ao membro do Ministério Público, aos advogados das partes e, sobretudo, à sociedade — caráter público do processo —, não há como tolher do advogado o direito de sustentar oralmente, em prazo suficiente e razoável, as razões de convencimento dos julgadores, ainda mais na seara criminal, que tutela bem jurídicos de envergadura sensivelmente mais caros, como a liberdade, sob pena de incorrer em proteção deficiente.

Por mais compreensível que seja a preocupação com a duração das sessões de julgamento no Superior Tribunal de Justiça, onde sabidamente desaguam milhares de recursos e ações autônomas de impugnação todos os anos — em grande parte por culpa de equivocada sanha punitivista do órgão acusador e de gritantes ilegalidades nas decisões recorridas —, não se pode admitir que a racionalização dos julgamentos se dê às custas do direito de defesa do cidadão, sobretudo quando cerceado por resolução em descompasso com o disposto tanto na Constituição como em lei ordinária plenamente vigentes.

Sendo assim, conclui-se que a Resolução STJ/GP nº 19, de 7 de junho de 2022, reveste-se de manifesta ilegalidade, por contrariar lei ordinária que prevê o tempo de 15 minutos para sustentação oral em julgamentos, quando prevista em lei, ao mesmo tempo que também se mostra inconstitucional ao cercear, de forma injustificada, o direito à ampla defesa no julgamento de questões criminais.


[1] PRADO, Geraldo. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeira de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. Monografias Jurídicas. 1ª ed. São Paulo: Marcial Pons, 2014, pg. 17.

[2] LOPES JR., Aury. Fundamentos do Processo Penal: introdução crítica. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 23-24.

[3] BINDER, Alberto. Fundamentos para a reforma da justiça penal. GOSTINSKI, Aline; PRADO, Geraldo; POSTIGO, Leonel González (Orgs.). Tradução de Augusto Jobim do Amaral. Coleção Reflexões sobre a reforma da justiça penal – volume 1. Florianópolis: Empório do Direito, 2017, p. 32.

[4] BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. 3. ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 53-54.

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