Processo Tributário

Subtemas derivados dos julgamentos sobre a coisa julgada tributária

Autor

  • Fernanda Camano

    é advogada pós-doutora pela Faculdade de Direito da USP professora do curso de Especialização do Ibet professora do curso de extensão Processo Tributário Analítico do Ibet e pesquisador do grupo de estudos Processo Tributário Analítico do Ibet.

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30 de outubro de 2022, 8h00

Iniciados os julgamentos dos leading cases (Recursos Extraordinários 949.297/CE e 955.227/BA) em que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá acerca dos impactos de seus precedentes sobre os efeitos futuros da coisa julgada tributária nas relações jurídicas de trato continuado, é possível afirmar que, ao menos, três subtemas emergiram a partir da leitura dos votos já prolatados.

O primeiro deles, refere-se à possibilidade de precedente do STF, formado após o trânsito em julgado das sentenças definitivas tributárias, impactar seus efeitos futuros de modo imediato e automático, sem necessidade de ação rescisória ou revisional, acolhido pela maioria (6 votos [1]).

No que diz respeito ao veículo a ser utilizado capaz de impactar a coisa julgada, há maioria (6 votos) no sentido de que as decisões definitivas prolatadas pelo Pleno do STF em controle abstrato e concentrado de constitucionalidade e no controle incidental e difuso com repercussão geral, contrárias ao estatuído nas sentenças, fazem cessar automaticamente os efeitos prospectivos da coisa julgada. No entanto, há um voto [2] em que se afirmou que não só aquelas, mas as súmulas vinculantes e as decisões de inconstitucionalidade exaradas no controle difuso, sem repercussão geral, quando acompanhadas de resolução senatorial, afetam a coisa julgada. E outro voto [3] compreendeu que qualquer decisão proferida pelo Pleno do STF estanca a eficácia da coisa julgada.

O segundo subtema refere-se à observância, em matéria tributária, dos princípios da irretroatividade e da anterioridade anual e nonagesimal (artigo 150, III, "a", "b" e "c" e artigo 195, § 6º da Constituição da República). Segundo os votos dos ministros Edson Fachin e Roberto Barroso, uma vez que os precedentes teriam o condão de cessar os efeitos da coisa julgada tributária a partir da publicação da ata de julgamento das decisões exaradas nos instrumentos antes mencionados, a exigência do tributo deveria respeitar os referidos princípios.

Os votos dos ministros Fachin e Barroso afirmaram que as decisões proferidas no controle concentrado ou em repercussão geral equivalem à instituição de norma jurídica nova, cuja vigência depende da aplicabilidade do princípio da anterioridade, equiparado a uma "vacatio legis", quando se tratar de (re)instituição ou majoração de tributo (acompanhados pela ministra Rosa Weber). Nessa medida, entendemos que a observância da anterioridade só ocorre na hipótese de precedente confirmatório da constitucionalidade da lei instituidora da exação.

Por sua vez, o ministro Dias Toffoli não se refere à instituição de norma jurídica inaugural. Assevera que o precedente toca no plano dos efeitos da lei tida por (in)constitucional e não na "sua validade". Todavia, na conclusão, acolhe ser necessária a obediência da anterioridade (anual e/ou nonagesimal) a partir da publicação da ata de julgamento da decisão em controle abstrato e concentrado de constitucionalidade (no caso concreto, a ADI 15-2).

O ministro Alexandre de Moraes também não equipara o precedente à edição de norma jurídica nova, muito embora, na linha do voto do ministro Toffoli, compreenda ser necessária a observância das "garantias constitucionais tributárias relativas às anterioridades anual e mitigada".

Por fim, o ministro Gilmar Mendes não teceu considerações sobre a conceituação do precedente como lei nova ou modificativa de direito, mas afirmou que a coisa julgada deve ceder à força normativa da Constituição e ao papel do STF ao exercer a jurisdição constitucional (nada afirmou sobre a aplicabilidade das regras de anterioridade tributária).

Infere-se, portanto, que tal subtema, não com relação aos fundamentos, mas pelas conclusões, conta com cinco votos.

O terceiro subtema diz respeito ao termo inicial da produção de efeitos das decisões proferidas nestes julgamentos (nos leading cases 949.297/CE e 955.227/BA), em que se registrou, até o momento, cinco votos.

Da leitura dos votos exarados pelos ministros relatores (Edson Fachin e Roberto Barroso), observa-se que compreenderam, em nome da "segurança jurídica", que as "teses" propostas deverão surtir seus efeitos a partir da publicação das atas de julgamento dos respectivos acórdãos, considerando os períodos de anterioridade anual e nonagesimal, a depender da espécie tributária.

A determinação de que se considere a anterioridade a partir do julgamento dos mencionados leading cases faz surgir um ponto de dúvida.

Considerando-se os fundamentos dos votos dos relatores, uma das interpretações possíveis é a de que a necessidade de observância da anterioridade (anual/nonagesimal) decorre justamente da instituição de uma nova norma jurídica. Ainda que os demais ministros (Dias Toffoli e Alexandre de Moraes) não tenham assim qualificado o impacto do precedente na coisa julgada, concluíram que ele representa alteração do estado de direito, em função de sua eficácia erga omnes e vinculante, afetando a conduta dos contribuintes. A nosso ver, em ambas as situações, é necessário que ocorra a (re)instituição ou a majoração do tributo.

A partir das fundamentações, portanto, o que se observa é que os precedentes — ao menos aqueles decorrentes do controle abstrato e concentrado ou incidental e difuso com repercussão geral — seja por configurarem norma jurídica inaugural, seja por caracterizarem norma jurídica modificativa, ao instituírem e/ou majorarem tributo para os sujeitos que possuem coisa julgada em sentido oposto ao entendimento manifestado pelo STF, devem se ater aos comandos da irretroatividade e da anterioridade.

Ocorre que, quando finalizados os julgamentos dos leading cases, não serão as decisões neles exaradas que (re)instituirão a cobrança da CSL (espécie tributária objeto dos casos analisados), mas sim aquela proferida na ADI 15-2 o que, de acordo com os votos, atrairia a anterioridade nonagesimal. Desse modo, contados 90 dias da publicação da ata de julgamento da ADI 15-2, ocorrida em 2007, a contribuição poderia ser exigida.

Todavia, como os casos concretos dizem respeito a situações há muito consolidadas e, ainda, como esta é a primeira vez que o STF decide a respeito da cessação dos efeitos das sentenças transitadas em julgado em matéria tributária de modo contrário ao entendimento da corte, os Relatores compreenderam que a "tese" a ser fixada é aplicável a partir dos julgamentos presentes, considerando a anterioridade.

Parece-nos que não haveria necessidade de se obedecer, após a publicação das atas dos julgamentos em questão, o período da anterioridade porque, reitere-se, a decisão na ADI 15-2 é a que (re)instituiu o tributo (CSL) para quem tem coisa julgada em processo individual.

Em termos práticos, como estamos diante da exigência da CSL, a obediência ou não da anterioridade após o julgamento dos mencionados leading cases não faria significativa diferença financeira para as companhias. O importante é a preservação dos fatos geradores ocorridos até a conclusão dos julgamentos.

Então, qual a razão deste texto? A sua importância, pensamos, diz respeito à construção do diálogo sobre a natureza jurídica do precedente e como a regra constitucional da anterioridade tributária interfere no início de sua vigência, em relação aos casos transitados em julgado em sentido distinto à manifestação do STF. Já que nossa premissa é a de que o processo é instrumento para resolução do direito material, e não um fim em si mesmo [4].

Independente de qual seja a interpretação que se atribua ao termo inicial de vigência das "teses" fixadas nos leading cases, não se vê como possível pretender que tal demarcação deva contar com o quórum qualificado previsto no artigo 23 da Lei 9.868/99. Isso porque, os acórdãos não declararam a constitucionalidade da regra-matriz de incidência tributária (no caso, da Lei 7.689/88 que exigiu a CSL) porque isso foi feito, segundo os votos até esse momento prolatados, com a decisão da ADI 15-2.

Como antes mencionado, é a primeira vez que o STF decide a respeito do impacto do precedente sobre a coisa julgada tributária e isso basta para que, pelo quórum da maioria simples, se decidida por proteger as relações jurídicas formalizadas no passado, até a final deliberação da corte.

 


[1] Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes.

[2] Ministro Dias Toffoli.

[3] Ministro Gilmar Mendes.

Autores

  • é advogada, pós-doutora pela Faculdade de Direito da USP, professora do curso de especialização do Ibet, professora do curso de extensão Processo Tributário Analítico do Ibet, pesquisador do grupo de estudos Processo Tributário Analítico do Ibet.

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