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A importância do contrato coletivo pós-reforma trabalhista

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25 de outubro de 2022, 8h26

Durante a formalização de um contrato coletivo de trabalho, muitos não imaginam o quão desgastante e longo é esse processo. Ao contrário do direito individual do trabalho, onde o Estado tem um interesse particular em tutelar essa relação, de forma a proteger o hipossuficiente — no caso o trabalhador —, no campo do direito coletivo o mesmo não acontece. O motivo é que, neste caso, as partes envolvidas encontram-se em igualdade de condições e iniciam o processo negocial. Trata-se não do trabalhador, enquanto pessoa física; ou o empregador, pessoa física ou jurídica: mas sim suas respectivas entidades de classe.

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O advogado Carlos Américo Freitas Pinho
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A negociação coletiva é uma das formas de resolução de conflitos que se faz pela autocomposição. Os sindicatos de forma autônoma buscam atender os interesses de seus representados da melhor forma, através de concessões recíprocas, para chegar a um denominador comum.

Normalmente, ela se dá entre as duas partes, mas, por vezes, um terceiro é chamado para ajudar na resolução do conflito, como no caso da mediação ou mesmo da jurisdição.

É imperioso destacar que, uma vez provocadas a negociar, as entidades sindicais não podem se recusar, conforme determina o artigo 616, da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Caso uma das partes se recuse, é facultado à outra a instauração de dissídio coletivo. Entretanto, é fundamental esclarecer que nenhum dissídio de natureza econômica poderá ser instaurado sem antes se esgotarem as medidas relativas à formalização da convenção ou do acordo correspondente — aí se incluindo os procedimentos prévios de negociação.

Convenção, acordo ou contrato são vocábulos que se equiparam em termos jurídicos, tanto que o legislador de 1916 consagrou a sinonímia no artigo 135 do Código Civil, quando tratou das "obrigações convencionais". Ele as atribuiu o mesmo caráter de um contrato, fato sem dispositivo correspondente no Código de 2002, segundo as lições do renomado professor Caio Mario da Silva Pereira[1].

Por definição legal, porém, no âmbito do direito trabalhista, Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo. É por ela que dois ou mais sindicatos representativos das categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis.

Por sua vez, o Acordo Coletivo de Trabalho envolve o sindicato da categoria profissional e uma ou mais empresas.

Historicamente, o contrato como conhecemos hoje vem desde o Direito Romano, mas há uma diferença entre o que eles classificavam como Convenção e como Contrato.

Os romanos entendiam que a convenção, por si só, não tinha o poder de criar obrigações. Também não acreditavam que o contrato pudesse existir sem a presença do elemento material: uma exteriorização da forma, rudimento indispensável na origem da própria obligatio.

Além do contrato, os jurisconsultos romanos também criaram outra figura jurídica a qual denominaram pactum (pacto). Enquanto o contrato gerava obrigações, observados os preceitos formais, e assegurava ao credor o direito a uma ação (actio), o pactum não concedia às partes uma ação, apenas uma exceção (exceptio).

O exceptio não tinha esse poder de coerção, somente uma defesa, como hoje a exceção de contrato não cumprido. A partir de Savigny, um dos mais consagrados romanistas modernos, porém, a distinção entre pacto e contrato deixou de existir.

Com o tempo os romanos, já com melhor nível de conhecimento jurídico, deixaram de lado o rigor das formas e desenvolveram outros critérios para a celebração dos contratos. Seus arquétipos, com poucas alterações, compõem a estrutura de tão numerosos contratos que ajudam na complexidade da vida econômica ocidental, conforme leciona o inesquecível professor Caio Mario da Silva Pereira[2].

No atual contexto, a Lei nº 13.467/2017 introduziu a Reforma Trabalhista, refletindo mudanças na sociedade não só no direito individual do trabalho, como também no direito coletivo – bem como a necessidade de se buscar meios para a sobrevivência de empresas e a manutenção de postos de trabalho.

Apesar da restrição da contribuição sindical e de outras formas pelas quais os sindicatos procuravam reforçar economicamente suas representações, no aspecto negocial, as entidades sindicais saíram fortalecidas.

Este aspecto é claro devido à prevalência do convencionado sobre o legislado, que veio com a reforma. Esta nova realidade impôs a necessidade de entendimento entre as entidades, pois passou-se a vislumbrar que nem sempre manter o texto legal estaria adequado àquela realidade laborativa — tanto para os empregadores quanto para seus respectivos trabalhadores.

A bem da verdade, o espírito do legislador ordinário foi o de reforçar aquilo que a própria Constituição já determinava por meio do artigo 7º, XXVI. No exame da convenção coletiva ou do acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.

Para a formalização de um contrato coletivo de trabalho, as deliberações definidas em assembleia passaram a ser soberanas. Agora, qualquer pleito sobre nulidade das cláusulas contidas em um instrumento coletivo deve, necessariamente, violar ou disposições constitucionais ou aquelas do artigo 611-B, da CLT.

Aqui, se revela a natureza jurídica privada de um contrato coletivo de trabalho. Mesmo que o Estado tenha mecanismos para judicialização e questionamento sobre a legalidade de cláusulas, o princípio de autonomia da vontade coletiva define como privado o caráter de um acordo ou uma convenção coletiva de trabalho.

A vedação à interferência ou intervenção na organização sindical reforçam e reiteram essa natureza privada do contrato coletivo.

Não se discute mais se a convenção e o acordo coletivo de trabalho são contratos, cuja força obrigatória é seu corolário. A sua construção se baseia em um acordo de vontades capaz de criar obrigações entre as partes, o que torna indispensável o princípio ético que deve nortear a manifestação da vontade das partes contratantes.

Amparados pela força asseguradora que a ordem jurídica coloca à disposição dos indivíduos, estes, com a liberdade de contratar, têm a capacidade de criar direitos. Assim, estabelecem o princípio da força obrigatória (pacta sunt servanda) no instrumento coletivo que vier a ser assinado. Deste princípio, valer-se-ão tanto os trabalhadores quanto a classe patronal, de forma a regular suas relações e evitar possíveis conflitos.

Em suas origens tal instrumento cingia-se, todo ele, na questão salarial, com objetivo exclusivo ou prevalente de fixar níveis retributivos mínimos. Com o passar do tempo, foi agregando temas e questões que perpassam a disputa pura e simples do pagamento, estendendo-se à condição complexa do trabalhador na empresa ou mesmo fora dela. Até por isso, é firmado com prazo de validade quase sempre de um ano, podendo, no máximo, de dois anos.

Todos esses aspectos revelam a importância que a reforma trabalhista trouxe para a formulação de um contrato coletivo de trabalho. Por vezes, pode parecer interessante para uma das partes envolvidas manter a legislação ordinária em detrimento de se criar uma norma autônoma que regule as relações de trabalho para essa ou aquela categoria. Contudo, é a negociação coletiva o meio pelo qual as partes poderão fazer concessões mútuas, estabelecendo cláusulas que impactem positivamente os envolvidos, as quais poderão ser renegociadas ou mantidas ao final de cada período de vigência.

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(1). Caio Mario da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, cit. V. II, p. 2

[2] (2). Caio Mario da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, cit. V. II, p. 4

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