Opinião

Inovações no Poder Judiciário e a garantia do acesso à justiça

Autor

  • Acácia Regina Soares de Sá

    é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) coordenadora do grupo temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT integrante do grupo de pesquisa de Hermenêutica Administrativa do UniCeub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura (Enfam).

24 de outubro de 2022, 9h03

A Constituição garante a todos o acesso à justiça, isentando do pagamento de custas e emolumentos as pessoas que não possuíam condições de arcar com as custas de um processo sem prejuízo do seu sustento.

De igual modo, instituiu a obrigatoriedade da instituição das defensorias públicas pelos estados e pela união;

Nesse sentido, desde 2004 com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/04 se objetivou o aprimoramento do Poder Judiciário, com o intuito de "buscar que enfrentam diretamente as causas, e não apenas os efeitos", nas palavras de Kazuo Watanabe (p. 30)

Ainda para o referido autor: "A função do Judiciário, que já vinha ampliando por força da mudança na própria concepção das funções do Estado Moderno, foi definitivamente modificada com essas alterações das leis material e processual. O Judiciário passou a solucionar não somente os conflitos intersubjetivos de interesses, segundo o modelo liberal individualista, como também a atuar como órgão calibrador de tensões sociais, solucionado conflitos de conteúdo social, político e jurídico, e também implementando o conteúdo promocional do Direito, como o contido nas normas constitucionais e nas leis que consagram os direitos sociais e protegem o meio ambiente, o consumidor e outros interesses difusos e coletivos" (WATANABE, 2019, p. 47).

O Poder Judiciário já evolui muito para garantir o acesso à justiça. Um passo importante no delineamento do novo papel do Poder Judiciário foi tomado com a edição da Resolução nº 125/20 do Conselho Nacional de Justiça [1] que tratou da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, a qual, segundo Kazuo Watanabe, buscou garantir o acesso à ordem jurídica justa [2] e ainda "procura enfrentar a crise de morosidade da justiça, atacando suas causas, e não seus efeitos" (p. 101).

Passado dez anos, veio a pandemia de Covid-19 que obrigou o Poder Judiciário a dar outro grande salto. Tal inovação veio por meio da aceleração da digitalização da justiça, hoje em na maioria dos tribunais brasileiros os processos quase completamente digitalizados, a criação dos balcões virtuais, a realização das audiências por videoconferências.

Tais inovações trouxeram também alguns questionamentos, entre eles, um dos mais debatidos se refere à realização das audiências por videoconferências, de um lado há que defenda que a ausência do contato próximo prejudica o julgamento e, por outro lado, muitos sustentam que ampliou o acesso à justiça, isso porque possibilita que qualquer seja ouvido em qualquer lugar, desde que tenha um aparelho celular com a cesso à internet.

Nesse sentido, cabe o questionamento, a distância diminui a sensibilidade do julgador? Impede que se reconheça o conflito e, com base nas provas produzidas, julgue da melhor forma possível?

Ao contrário de alguns argumentos, a distância física não impossibilita que o julgador analise os fatos e as provas que os casos requerem, não impedem de sentir a verdade de cada pessoa nas audiências de conciliação, de decidir de acordo com o melhor interesse da criança, entre outras coisas. Ao contrário, permite que pessoas que se encontrem nos mais longínquos locais do nosso país continental participem ativamente dos seus processos, em muitos casos, dos processos de suas vidas, o que antes somente era possível por meio de cartas precatórios, sem que partes pudessem estar "frente a frente" na defesa dos seus interesses.

O que refletiu na economicidade por parte dos tribunais e na celeridade processual, garantia constitucional do indivíduo.

De igual modo, também garante que pessoas que dispõem de escassos recursos financeiros possam participar ativamente dos processos dos quais sejam partes, isso porque dispensa o deslocamento de grandes distâncias, em alguns casos, até de uma cidade para outra, fato que, diversas vezes, impossibilitava a participação das partes de forma mais efetiva nos processos, já que tinham que escolher entre sacrificar seu sustento e estar presencialmente nos atos processuais.

Ainda nesse sentido, cabem aos tribunais, papel que já vem sendo cumprido, a garantia de acesso aos meios tecnológicos para participação efetiva aos que não possuem condições par tanto, por meio das salas passivas, entre outros mecanismos.

É importante se ter claro que garantir o acesso à justiça, não se resume a garantir o acesso formal ao processo, mas sim permitir de todas as formas possíveis que a parte participe efetivamente de um processo que em, vários casos, pode determinar os rumos da vida do indivíduo, tenha voz e seja ouvido e, dentro desse contexto, as audiências por videoconferência estão desempenhando um papel importante na garantia desse direito fundamental.

Dessa forma, ampliou o acesso à justiça, pois permite que qualquer pessoa, de qualquer parte do mundo esteja presente na defesa dos seus interesses, garantindo o cumprimento desse preceito constitucional.

 


[2] "O direito de obter atendimento e orientação, não somente em situações de conflitos de interesses, como também em seus problemas jurídicos, em situações de dúvida e de desorientação. E, se é direito dos jurisdicionados ter a oferta desses serviços, o Estado tem, inquestionavelmente, a obrigação de organizá-lo de forma adequada" (p.100).

Autores

  • é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub), coordenadora do grupo temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT, integrante do grupo de pesquisa de Hermenêutica Administrativa do UniCeub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência, Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura (Enfam).

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