Observatório constitucional

Supremo fortalece competência municipal em matéria ambiental

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22 de outubro de 2022, 11h00

No julgamento do Tema 970 (RE 732.686) da sistemática da repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal reforçou a competência dos municípios para legislar em matéria de proteção ambiental, ao declarar a constitucionalidade de leis municipais que proíbem o uso de sacolas plásticas pelo comércio local. A Corte fixou a tese segundo a qual “É constitucional, formal e materialmente, lei municipal que obriga a substituição de sacos e sacolas plásticas por sacos e sacolas biodegradáveis”.

O recente julgado é mais um exemplo do fortalecimento das competências estaduais e locais pela jurisprudência da Suprema Corte.

Beatriz Horbach, em artigo escrito para esta coluna em 2017, registrou os primeiros sinais de mudança nas decisões do STF em matéria de legislação concorrente, até então muito centralizadora na União. Ao explicar o federalismo cooperativo sob a perspectiva alemã, a autora destaca que o Ministro Edson Fachin, em seus votos sobre distribuição de competências, vinha encorajando a exploração de todas as inovações previstas na Constituição de 88, inclusive o federalismo cooperativo, ao defender que ‘que a legislação federal abstenha-se de intervir desproporcionalmente nas competências locais, como também que, no exercício das competências concorrentes, a interferência das legislações locais na regulamentação federal não desnature a restrição claramente imposta por ela (ADI 5356, Rel. Min. Edson Fachin, Red. p/acórdão Min. Marco Aurélio, julg. em 3.8.2016.)’.

Ainda em 2017, ao julgar a ADPF 109, o Ministro Edson Fachin, relator, votou pela constitucionalidade da Lei 13.113/2001 do Município de São Paulo, que proíbe o uso de materiais, elementos construtivos e equipamentos da construção civil constituídos de amianto, tese que restou vencedora, por maioria (ADPF 109, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30 de novembro de 2017).

Ao explicar a controvérsia constitucional posta em exame, destacou o relator que a dificuldade “consiste em saber se os Municípios podem, por meio de legislação específica, instituir regras que, não obstante em uma primeira mirada aparentem versar sobre produção e consumo, estejam, em realidade, vocacionadas à consecução das promessas constitucionais de manutenção da higidez ambiental e à tutela do direito fundamental a saúde, suplementado a legislação federal e estadual com base na existência de interesse local passível de regulamentação (art.. 30, II e I, CRFB, respectivamente), tal qual a escolha política de desenvolvimento econômico do município”.

Em seu voto, o Ministro Fachin ressaltou que a Constituição de 1988 determina a maximização do exercício das competências para que o Estado cumpra seu papel de pacificação social. Desse modo, a Constituição busca “(i) a otimização da cooperação entre os entes federados; (ii) a maximização do conteúdo normativo dos direitos fundamentais; (iii) o respeito e efetividade do pluralismo com marca característica de um Estado Federado”.

Aplicando o princípio da subsidiariedade ao caso da legislação paulistana que proíbe o amianto, o Ministro Fachin conclui que: “mito embora seja concorrente a competência para a produção, consumo, proteção do meio ambiente e proteção e defesa da saúde, seria simplesmente inconstitucional que o efeito da legislação geral editada pela União, pudesse aniquilar totalmente as competências dos Estados e Municípios da Federação. Apenas se a legislação federal viesse a dispor, de forma clara e cogente – indicando as razões pelas quais é o ente federal o mais bem preparado para fazê-lo – que, no que aqui interessa, os Municípios sobre ela não podem legislar, seria possível afastar a competência municipal para impor restrições ao uso do amianto/abesto.”

A partir da aplicação do princípio da subsidiariedade, portanto, a inconstitucionalidade formal de leis estaduais, distritais ou municipais, por usurpação de competência da União, só ocorrerá se a lei impugnada legislar de forma autônoma sobre matéria idêntica. Se a competência decorrer de coordenação (art. 24) ou cooperação (art. 23), a inconstitucionalidade formal só será verificada se ocorrer ofensa à subsidiariedade.

Importante precedente a permitir a viragem jurisprudencial em comento foi o julgamento da ADI 4060, de relatoria do Ministro Luiz Fux, em 25/02/2015, quando o Tribunal, por unanimidade, julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade, entendendo que lei local pode fixar o número máximo de alunos em sala de aula. Naquela oportunidade, o Ministro Luiz Fux destacou que a excessiva centralização de competências na União, a inviabilizar a própria autonomia dos entes federados. Na oportunidade, o Ministro Gilmar Mendes, citando o jurista Konrad Hesse, chamou atenção para que a União, ao legislar sobre normas gerais, não o faça de forma exaustiva, devendo deixar espaço para o Estado-membro também exercer sua competência.

Desde então, os precedentes da Corte reconhecendo a constitucionalidade de legislações estaduais e municipais só fazem aumentar.

Especificamente em matéria de competência municipal para legislar sobre meio ambiente, o Ministro Edson Fachin, de forma monocrática, aplicando os fundamentos das decisões da Corte na ADI 4060 e na ADPF 109, julgou procedente o RE 730721 interposto pelo Município de Mogi das Cruzes, pelo Ministério Público do Estado de São Paulo e pela Câmara Municipal de Mogi das Cruzes contra o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que, em controle concentrado de constitucionalidade, declarou a inconstitucionalidade da lei municipal que regulamenta o uso de embalagens biodegradáveis em estabelecimentos comerciais no município de Mogi das Cruzes.

Ao entender pela constitucionalidade da legislação municipal que limite o uso de sacolas plásticas pelo comércio, destacou que:

“À luz exclusivamente do disposto no art. 23, VI, da Constituição (‘proteger o meio ambiente e combates a poluição em qualquer de suas formas’), parece não haver dúvidas, tal como aduzem os recorrentes, que a competência é municipal. De fato, sendo assunto de seu interesse local, e tendo, também, competência para suplementar a legislação sobre esse tema (art. 24, VI, § 1º, § 2º, e 3º, combinado com o art. 30, I, e II, da Constituição), parece ser de interesse a restrição do uso de sacolas plásticas.

(…)

Assim, muito embora seja concorrente e comum a competência para a preservação do meio ambiente, seria simplesmente inconstitucional que o efeito da legislação geral, quer a da União, quer a do Estado-membro, pudesse impor níveis de tolerância à poluição incompatíveis com a saúde da população local. É fato notório que um dos principais impactos ambientais nas cidades é causado pelos resíduos sólidos. Porque é um problema essencialmente ligado ao meio ambiente local, apenas se a legislação federal ou estadual viesse a dispor, de forma clara e cogente – indicando as razões pelas quais é o ente federal o mais bem preparado para fazê-lo -, que os Municípios sobre ela não podem legislar, seria possível afastar a competência municipal para impor limites restrições ao uso de sacolas plásticas.”

O mesmo entendimento, agora de forma colegiada, foi adotado pela Corte no julgamento desta semana. Em sede de repercussão geral, os Ministros entenderam que a norma municipal que determine a substituição de sacolas plásticas não viola os princípios da livre iniciativa ou da proporcionalidade, apenas compatibiliza a proteção ao meio ambiente com os demais princípios constitucionais.

O Recurso Extraordinário foi interposto pelo Procurador-Geral de Justiça de São Paulo contra a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que, em sede de controle de constitucionalidade estadual, declarou a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 7.281/2011 de Marília, que obriga a substituição de sacos e sacolas plásticas por sacos e sacolas biodegradáveis, por vício de iniciativa.

Ao reconhecer a repercussão geral da questão constitucional suscitada no RE 732686, o Ministro Luiz Fux, relator, assinalou a necessidade de manifestação quanto às alegações de inconstitucionalidade material por ofensa aos princípios da defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente, bem como do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no tocante ao controle da produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e ao meio ambiente (170, V e VI, e 225, § 1º, V, da CF/88).

No julgamento do mérito, o Ministro relator destacou que os municípios possuem competência suplementar para editar leis tratando de proteção ambiental. Observou, também, que a matéria se relaciona ao gerenciamento de resíduos sólidos, interesse predominantemente municipal. Além disso, ponderou que a norma municipal não se opõe à lei estadual sobre o assunto, sendo apenas mais protetiva. Entendeu, inclusive, que o dispositivo municipal apenas normatizou para o plano local a diretriz da política nacional de resíduos sólidos gerados, o que é autorizado pela Lei Federal 12.305/10.

O voto do relator foi acompanhado por todos os Ministros da Corte, indicando, assim, que o fortalecimento das competências municipais tende a se consolidar.

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