Opinião

Admissibilidade de REsp, relevância das questões de direito federal e acesso à Justiça

Autor

  • Elias Cabral de Souza Lima

    é assessor de desembargador do Tribunal de Justiça de Rondônia e aluno do curso de pós-graduação lato sensu em Direito Ambiental da Escola da Magistratura do Estado de Rondônia.

16 de outubro de 2022, 6h07

Muito já se escreveu e disse sobre a necessidade de racionalização da atuação dos Tribunais Superiores, STJ e STF, tendo em vista, principalmente, a quantidade elevada de recursos que lá aportam anualmente. Nestas linhas, exponho o que entendo como mais uma tentativa de buscar esse objetivo e como isso pode refletir no direito do cidadão de ter acesso à justiça, cujo foco será a mais recente alteração constitucional específica do tema.

É cediço que o elevado número de recursos interpostos para as Cortes Superiores levou à ideia de adoção de filtros legais e não apenas os jurisprudenciais (súmulas impeditivas de recursos já sobejamente conhecidas no meio jurídico), o que resultou na edição da Emenda Constitucional nº 45/2004, que, dentre outros assuntos, inseriu o §3º, no artigo 105, da Constituição (repercussão geral das questões constitucionais) e, mais recentemente, da Emenda Constitucional n. 125/2022, que inseriu os §§2º e 3º, no artigo 102, da Constituição (relevância das questões de direito federal infraconstitucional).

No que toca ao Superior Tribunal de Justiça, o painel de estatísticas do Conselho Nacional de Justiça indicava, em 31/7/2022, um acervo de processos pendentes de 309.410, apontando que até então haviam entrado 229.857 processos em 2022 e julgados outros 257.751 casos.

Outrossim, digno de registro que o relatório Justiça em Números de 2022 do CNJ indica, no âmbito do STJ, uma produtividade média de 11.670 por magistrado (Figura 70  p. 121), o que demonstra que a Corte Superior julga cerca de 385 mil processos por ano.

Nesse recorte podemos ver que, com o instrumental jurídico já existente, o STJ, com todas as dificuldades que o elevado volume de serviço representa, está conseguindo vencer o estoque de processos que ali tramitam.

Lembremos que o STJ atua como o norte da interpretação da legislação federal infraconstitucional no país e, discordando ou não de suas interpretações sobre os mais variados temas, a ideia é que suas conclusões passem a servir de parâmetro para as instâncias inferiores, racionalizando todo o sistema.

Ademais, importante consignar que, nos termos do artigo 926, do Código de Processo Civil, "Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente". e a adoção do instituto da "relevância das questões de direito federal infraconstitucional" vem, em última análise, colaborar com tal desiderato, na medida em que o STJ, ao colocar o carimbo de "relevância" em alguns casos, sinalizará aos demais Tribunais que o direito federal vigente é interpretado desta ou daquela forma, reforçando os caracteres de uniformidade e buscando manter estável, íntegra e coerente suas interpretações.

Conquanto se reconheça que tal filtro possa, em uma leitura mais apressada, indicar uma certa limitação do acesso à justiça, entendemos que isto na prática não ser opera, pois a arguição de relevância da questão federal, feita nos termos da lei e posta em análise, somente poderá ser rejeitada por manifestação de 2/3 dos membros do órgão competente para o julgamento do respectivo recurso, registrando-se a existência, inclusive, da figura da relevância presumida, inserta no §3º, do artigo 105, da Constituição Federal.

O acesso à justiça é garantido pelas disposições do artigo 5º, XXXV, da CF/88, no sentido de que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", ao passo que o instituto da relevância, a exemplo da repercussão geral, está em sintonia com tal disposição constitucional, pois premia a definição jurisprudencial da interpretação a ser dada ao ordenamento jurídico infraconstitucional vigente, concordemos ou não com ela, indicando se e quando o direito foi violado segundo a visão jurídica vigente, o que acaba por remeter a uma ideia de estabilidade jurídica.

Entendemos que ao sinalizar para a comunidade jurídica, e sociedade em geral, qual questão é relevante para a pacificação social e que recebeu esta ou aquela interpretação, a Corte Superior franqueia ao cidadão o direito de buscar em juízo a violação do seu direito segundo uma baliza legal e jurisprudencial mais segura, com um entendimento, em tese, mais solidificado e de prévio conhecimento.

É cediço ser difícil conseguir a análise da questão de fundo trazida em recursos especiais para o STJ, dado ao grande número de óbices sumulares já estabelecidos pela jurisprudência, porém é preciso racionalizar o sistema e não nos parece equivocado estabelecer um filtro de relevância para as questões levadas à tal Corte, as discussões mais acaloradas, por certo, ficarão para o debate do que pode ser considerado relevante, para quem seria relevante, qual o grau de subjetivismo adotado na conclusão da existência de relevância ou não, o que, por si só, não pode impedir que abracemos o instituto e trabalhemos para seu aprimoramento.

Assim, nestas breves considerações, apontamos que o Superior Tribunal Justiça atua com elevado volume de processos, que é o órgão responsável pela unificação da interpretação da legislação infraconstitucional vigente e que, além de outros elementos de caráter técnico, passa a contar com mais um instrumento de atuação visando a racionalização do sistema jurídico pátrio, o que se faz em busca de uma jurisprudência uniforme, estável, íntegra e coerente, consistente na arguição de "relevância das questões de direito federal infraconstitucional", sem que isto implique, no nosso modesto juízo, em limitação ao direito de acesso à justiça.

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