Opinião

Desburocratização das políticas culturais como instrumento democrático

Autor

  • Cecilia Rabêlo

    é advogada mestre em Direito e especialista em Gestão e Políticas Culturais e presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult).

11 de outubro de 2022, 16h06

Neste ano, o XI Encontro Internacional de Direitos Culturais (EIDC) tem como tema central "o agir democrático no âmbito dos direitos culturais". Promovido há 11 anos pelo programa de pós-graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza (Unifor), por meio do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais (GEPDC), e apoiado pelo Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult), o evento é uma referência no país.

Ao participar de uma das mesas, fui instigada a pensar em como o exercício da democracia pode se dar na seara dos direitos culturais, especialmente na temática do fomento à cultura, objeto da minha participação no evento. A provocação me fez pensar no quanto o principal instrumento de exercício da política cultural de fomento no país, o edital, pode ser, ao mesmo tempo, democrático em aparência e excludente na prática.

Isto porque, enquanto é uma ferramenta aberta à participação de qualquer pessoa, preenchidos os requisitos previamente estabelecidos, o edital também é um documento jurídico complexo, cheio de regras, direitos e obrigações que, muitas vezes, são de difícil compreensão até mesmo para quem é do âmbito jurídico.

A utilização de linguagem rebuscada, em páginas e páginas de regras sem fim, afasta o público-alvo dessa política, criando um abismo entre o instrumento de fomento e seu principal beneficiário. Claro que a técnica jurídica exige a utilização de determinados termos, até para fins de segurança da seleção, mas isso não significa que o edital não pode ser acessível e compreensível para a maioria das pessoas. O uso de linguagem simples e o próprio legal design estão aí para nos provar isso.

Também afeta a participação democrática nos direitos culturais o excesso de burocratização das políticas públicas de cultura. Na ausência de normas claras e específicas, a gestão pública de cultura se vale de regras estranhas, feitas para outras finalidades, objetivando fazer chegar o recurso para a classe artística-cultural.

Pelo princípio da legalidade, o poder público precisa de normas que lhe regulamentem a atuação. Como as leis de fomento à cultura não costumam ser precisas, não apresentando regras claras e objetivas de repasse e prestação de contas, a gestão pública utiliza normas "emprestadas" de outros setores, ou mesmo cria as regras da seleção no próprio edital, causando problemas tanto a quem participa da seleção quanto para o próprio gestor, afundado em regras inadequadas e pouco efetivas.

É preciso compreender que o Direito Administrativo precisa se adequar aos direitos culturais, e não o contrário, pois estes são direitos fundamentais que demandam efetivação por regras — adivinhem — de Direito Administrativo, especialmente quando falamos de fomento público. Ele é instrumento, não um fim em si mesmo, e, por isso, deve ser adequado à dinâmica do setor.

O agir democrático no âmbito dos direitos culturais, sob a ótica do fomento, passa pela simplificação das regras de repasse, controle e devida prestação de contas dos recursos públicos que chegam ao setor cultural. Sem isso, o aspecto democrático dos direitos culturais resta prejudicado, bem como a própria efetivação dos direitos culturais.

Autores

  • é advogada, mestre em Direito e especialista em Gestão e Políticas Culturais e presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult).

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