Opinião

Falta de critério objetivo para caracterizar nível de contato com agente insalubre

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10 de outubro de 2022, 6h32

Quando se fala de trabalho em condições insalubres, as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego são logo trazidas à baila, em especial a nº 15, que trata especificamente das "Atividades e operações insalubres", com seus 13 anexos que estabelecem, resumidamente, limites de tolerância para avaliações quantitativas e situações que por si só já podem ser enquadradas como insalubres, por meio de uma avaliação qualitativa.

Os anexos da NR-15 utilizam conceitos referentes à frequência do trabalho em condições insalubres, a exemplo do labor contínuo/permanente, intermitente e eventual, mas não especificam uma escala de tempo para distinguir um do outro, de forma que se abre margem para subjetivismos em cada caso apreciado pelo Judiciário Trabalhista.

O Ministério do Trabalho e Emprego editou, no ano de 1989, a Portaria nº 3.311/89, que em seu item 4.4 estabelecia o seguinte:

"4.4 – do tempo de exposição ao risco – a análise do tempo de exposição traduz a quantidade de exposições em tempo (horas, minutos, segundos) a determinado risco operacional sem proteção, multiplicado pelo número de vezes que esta exposição ocorre ao longo da jornada de trabalho. Assim, se o trabalhador ficar exposto durante cinco minutos, por exemplo, a vapores de amônia, e esta exposição se repete por cinco ou seis vezes durante a jornada de trabalho, então seu tempo de exposição é de 25 a 30 min/dia, o que traduz a eventualidade do fenômeno. Se, entretanto, ele se expõe ao mesmo agente durante 20 minutos e o ciclo se repete por 15 a 20 vezes, passa a exposição total a contar com 300 a 400 min/dia de trabalho, o que caracteriza uma situação de intermitência. Se, ainda, a exposição se processa durante quase todo ou todo o dia de trabalho, sem interrupção, diz-se que a exposição é de natureza continua."

Percebe-se que a referida norma ministerial definia parâmetros objetivos para categorizar se o contato era eventual — de 25 a 30 min/dia de trabalho, eventual  de 300 a 400 min/dia de trabalho, e permanente  acima de 400 min/dia de trabalho. Mas, ainda assim, existiam situações que poderiam causar dúvidas, a exemplo do profissional que em um mês de trabalho, trabalhasse quatro dias com exposição entre 300 a 400 min/dia, mas sem nenhum contato nos demais dias. Seria esse contato intermitente ou eventual? Dependendo da resposta, o funcionário poderia receber adicional de insalubridade.

De todo modo, a referida Portaria nº 3.311/89 foi revogada pela Portaria nº 546/2010 que, em seu turno, não dispôs sobre parâmetros objetivos para distinguir os níveis de frequência de exposição.

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, em meados dos anos 2000, já tentava criar critérios mais objetivos para os diferentes tipos de exposição:

"PERICULOSIDADE – CONTATO – EVENTUAL, INTERMITENTE OU PERMANENTE – QUANDO HÁ DIREITO AO ADICIONAL. Necessária se faz, para efeito de enquadramento da situação do empregado na norma concessiva do direito ao adicional de periculosidade, distinguir três hipóteses: a) contato eventual- aquele que pode se dar, ou não, pois o ingresso do empregado na área de risco não tem previsão de ocorrer, sendo esporádico; b) contrato intermitente- aquele que é previsto, mas não contínuo, pois se dá pelas constantes entradas e saídas do empregado na área de risco, onde não permanece todo o tempo em que labora; e c) contato permanente- aquele em que o empregado trabalha o tempo todo na área de risco, continuamente exposto aos agentes perigosos. A equiparação do contato intermitente com o permanente se justifica pelo fato de que, no último caso, apenas aumenta a probabilidade do empregado ser afetado por eventual sinistro, mas como este não tem hora para ocorrer, pode atingir também aquele que, necessariamente, deve fazer suas incursões periódicas na área de risco. Já no caso do contato eventual, o próprio §3º do artigo 2º do Decreto nº 93.412/86 descarta a possibilidade de percepção do adicional, pois a eventualidade é situação a que qualquer ser humano está sujeito em qualquer atividade. Revista conhecida e não provida" [1].

Dentro dessa definição do Colendo TST, pegando o mesmo exemplo dado anteriormente, ainda assim poderiam surgir dúvidas: o profissional que em um mês de trabalho, tivesse quatro dias com exposição entre 300 a 400 min/dia, mas sem nenhum contato nos demais dias e, além disso, sem qualquer tipo de contato nos dois meses seguintes, ainda que no terceiro mês subsequente tenha novamente contato com agentes insalubres em mesma quantidade que no primeiro mês, teria ou não direito ao recebimento do adicional de insalubridade?

Obviamente, nos exemplos dados não está sendo levada em consideração a utilização dos equipamentos de proteção individual para fins de neutralização da insalubridade. A análise é fria e tão somente sobre o tempo de exposição e as dúvidas que, por si só, já se originariam em decorrência da inexistência de parâmetros objetivos.

A necessidade do estabelecimento de tais critérios é importante, especialmente porque o TST equipara o contato intermitente com o permanente, fazendo incidir o adicional de insalubridade também para aquele contato, como se percebe da parte final do julgado acima colacionado, bem como do teor da Súmula nº 47 [2].

Em outras palavras, o único contato que afasta o percebimento do adicional de insalubridade é o eventual. Entretanto, o que é eventual para alguns, talvez não seja eventual para outros, exatamente porque não existem parâmetros legais para chegar a tal conclusão.

Não é intenção deste artigo afastar o livre convencimento motivado do magistrado e a discricionariedade que tal princípio lhe dá para decidir cada caso de acordo com as provas produzidas nos autos. O que se quer demonstrar aqui é que por muitas vezes a tarefa de enquadrar o labor com agentes insalubres numa escala de contato é mais difícil do que aparenta ser.

A revogada Portaria nº 3.311/89, por exemplo, tentou facilitar essa tarefa da forma mais correta que poderia haver: utilizando o critério de tempo de exposição. Eventual nova legislação pode repensar a quantidade de minutos estabelecida anteriormente na citada portaria, mas o caminho já foi traçado.

De toda forma, a criação de normas legais que estabeleçam métricas plausíveis sobre as diferenças entre contato eventual, intermitente e permanente com agentes insalubres é de demasiada importância, pois certamente auxiliaria peritos, advogados e principalmente o Poder Judiciário na boa prestação da tutela jurisdicional.

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[1] TST — RR: 4144053319985045555 414405-33.1998.5.04.5555, Relator: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 04/04/2001, 4ª Turma, Data de Publicação: DJ 24/05/2001.

[2] Súmula nº 47 do TST  O trabalho executado em condições insalubres, em caráter intermitente, não afasta, só por essa circunstância, o direito à percepção do respectivo adicional.

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