As implicações jurídicas do workation, período que mistura descanso e trabalho
14 de fevereiro de 2022, 20h41
"One happy workation" ("um workation feliz") é a frase que abre o site de turismo da ilha de Aruba, no Caribe. A frase é acompanhada de uma cadeira de praia à frente de um mar azul típico caribenho, onde se lê também "a cadeira do seu escritório" [1].
O site mostra a inteligente estratégia de atrair americanos para que gastem na ilha enquanto praticam essa nova fórmula de relação de trabalho com afastamento físico do trabalhador da empresa, que mistura períodos de descanso e trabalho com redução obrigacional.
Em tempos de Covid-19, visando à contenção do alcance da pandemia, o trabalho a distância, remoto, foi medida que se impôs. O mundo corporativo rapidamente percebeu os benefícios que o regime de trabalho a distância oferece em termos de produtividade e redução de gastos com mobiliário, luz, aluguel e outras despesas administrativas, assim como teletrabalhadores perceberam as vantagens do modelo na aproximação com o núcleo familiar e ganho do tempo usualmente utilizado para o deslocamento.
Passado um primeiro momento, em que cerca de oito milhões de brasileiros foram jogados a uma condição de trabalho a distância de forma precária, as coisas parecem caminhar para um movimento de trabalho híbrido, ou seja, parte dele presencial e parte em regime de teletrabalho.
O workation, ou workholiday (ou ainda workoliday), é um movimento surgido na pandemia, aproveitando as possibilidades do trabalho remoto, no qual os trabalhadores podem se afastar fisicamente da empresa por um tempo realizando trabalho a distância que se diferencia do trabalho com limitações de interações e condições combinadas mais benéficas entre as partes.
Muitas empresas já estão atentas a esse novo fenômeno. A Marriott Bonvoy, empresa hoteleira, divulgou planos para expandir seu portfólio de marcas para estadias de longo prazo, todas equipadas com cozinhas completas e espaços amplos, reconhecendo a necessidade de atender a esse novo público, que busca mais espaço para trabalhar e relaxar, sendo que esses novos empreendimentos pretendem permitir que os hóspedes reproduzam perfeitamente sua rotina diária nesses locais.
De acordo com uma pesquisa do McKinsey Global Institute, que analisou duas mil tarefas de 800 funções em nove países, bancários, agentes de seguros, programadores e engenheiros poderiam trabalhar remotamente na grande maioria do tempo, sem perda de produtividade. Esse é o caso da maioria dos empregos baseados em tarefas feitas no computador, que representam cerca de um terço dos empregos nos Estados Unidos.
O fenômeno também encontra paralelo no que alguns estão chamando de bleisure. O termo é uma mistura das palavras inglesas business (negócios) e leisure (lazer) e marca uma mudança nos padrões de viagem para um setor que tinha claras divisões entre viagens a trabalho e a lazer. Esse tipo de viagem cresceu muito na pandemia e ajudou a compensar o tráfego perdido com as viagens a trabalho que deixaram de ser feitas.
Trazendo o workation a uma realidade brasileira, a primeira questão que se deve ressaltar é que, apesar de combinar afastamento físico ao local de trabalho e lazer, não se trata de um período de férias, previsto, inclusive, na Constituição Federal, e com este não pode ser confundido, já que o trabalhador permanece trabalhando e sendo demandado. O direito ao descanso é direito fundamental do trabalhador, no qual este deve se dedicar a outras atividades diferentes do trabalho profissional e que lhe facilitem convívio familiar, entretenimento, estudos, prática desportiva, leitura e passeios.
E, ainda que se trate de novidade na relação do trabalho que decorre eminentemente da possibilidade da instituição do trabalho remoto, os períodos de workation se diferenciam dos períodos de um contrato de teletrabalho simples, previstos no artigo 75 da CLT, pois a teia obrigacional de deveres que o trabalhador tem com a empresa tornar-se-á menos robusta.
Nesse caso, o workation tem como característica o fato de que determinadas atividades sejam suprimidas, dependendo do acerto individual, em especial aquelas que demandem presença física, como reuniões ocasionais ou mesmo compromissos que demandem a qualidade contínua da internet, que pode não ser disponível no local escolhido para fruição do workation, como por exemplo audiências online para advogados contratados.
O workation não depende, portanto, do período aquisitivo, não há suspensão do contrato, nem interrupção do trabalho ou obrigação da empresa em se abster de exigi-lo.
Não há qualquer previsão legal sobre o tema no Brasil. Trata-se de arranjo contratual, fruto das transformações no mundo das relações de trabalho, que apresenta benefícios ao trabalhador e também à empresa e possibilita, por exemplo, que o mesmo acompanhe a viagem de férias da esposa, da família, durante as férias escolares dos filhos, um tratamento médico de um parente próximo ou simplesmente estabeleça uma condição benéfica de poder se afastar do local físico do trabalho com redução das incumbências profissionais diárias que o possibilite intercalar também períodos de descanso e lazer.
Para Arnaldo Sussekind e Mozart Victor Russomano, os fundamentos do instituto das férias seriam: o fisiológico, para recuperar o corpo e a mente; o econômico, para aumentar a produção; o psicológico, para relaxamento com o equilíbrio mental; o cultural, para o espírito do trabalhador, em momentos de descontração; o político, como mecanismo de equilíbrio da relação entre empregador e trabalhador; e o social, no sentido de estimular o convívio familiar.
Todos esses fundamentos, em menor grau, também podem ser encontrados nos períodos de workation, não se negando, portanto, tratar-se de benefício trabalhista.
Períodos de workation com utilização de trabalho remoto para trabalhadores de alto desempenho também podem servir como política, por exemplo, de retenção de empregados ou benefício a ser cedido no estímulo ao atingimento de metas.
Por se tratar de período normal de trabalho, a manutenção da remuneração é condição, assim como os demais recolhimentos.
A negociação coletiva deve cumprir papel predominante nesses ajustes contratuais, estabelecendo limites mínimos e máximos de intensidade das demandas para esse período, observando também o permissivo legal presente no artigo 611-A da CLT.
Nesse sentido, além dessas características, cumpre também definir, seja pelo contrato individual de trabalho ou pela norma coletiva: existência ou não de controle de jornada; manutenção do pagamento do valor referente ao adicional de periculosidade ou insalubridade pagos habitualmente; redefinição (ou não) das metas e pagamentos de salário variável; responsabilização por atos acontecidos ao empregado fora da vigilância do empregador; obrigações e deveres sobre o dispositivo utilizado para o trabalho remoto; questões sobre transferência de dados (LGPD) e outras.
Ou seja, muito mais do que um simples arranjo contratual de parte do período de trabalho a ser aproveitado de forma remota intercalado com períodos de lazer, os períodos de workation também requerem grande atenção no ajuste, preferencialmente através de aditivo na forma escrita.
Isso porque o teletrabalho, ainda precariamente legislado, é ambiente legislativo inseguro e hostil para as empresas, o que pode ser mitigado através dos cuidados apontados.
O workation é, portanto, um arranjo contratual típico das novas relações surgidas com a popularização da internet e do trabalho a distância e que, se bem ajustado, traz vantagens tanto para trabalhadores quando para empresas.
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