Defesa da Concorrência

Regulação de investimentos estrangeiros diretos

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10 de outubro de 2022, 8h00

Os investimentos estrangeiros diretos já retornaram a patamares pré-pandemia, estando o Brasil na sétima posição dentre os países que mais receberam esse tipo de aporte financeiro em 2021, segundo relatório da Unctad [1]. Tais investimentos movimentaram cerca de US$ 1,58 trilhão no mundo, principalmente em razão do aumento de operações de M&A, aquecimento de projetos financeiros devido a pacotes de estímulos a infraestrutura e anúncios de projetos greenfield em países em desenvolvimento. Mas esses investidores encontraram um mundo bem diferente, resultado dos traumas da pandemia, que envolveram dificuldades de acesso a insumos essenciais por países que dependiam de fornecimento externo, e a incertezas geopolíticas, como a guerra da Ucrânia, que colocaram em xeque conceitos e alianças com as quais diversas nações contavam.

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Nesse contexto, regulações de monitoramento de investimentos estrangeiros por diferentes jurisdições ganharam grande força e notoriedade. De uma perspectiva jurídica, um sintoma interessante desse fenômeno é o surgimento e especialização de bancas de advocacia mundo afora para auxiliar empresas que realizam investimentos em outros países e que precisam estar atentas à necessidade de um número crescente de requisitos e procedimentos.

Investimentos estrangeiros diretos são aqueles que contam com aporte de capital realizado em um país por um investidor estrangeiro, com intenção de longa permanência em uma empresa nacional, fora dos mercados de balcão e bolsas de valores [2].

Cada vez mais leis e regulamentações vêm sendo criadas para monitorar essas atividades e, em algumas jurisdições, as sujeitam à aprovação regulatória, como nos Estados Unidos, Comissão Europeia, China e vários outros países.

Regulação do monitoramento de investimentos estrangeiros diretos em outros países
Nos Estados Unidos, país que registrou o maior volume de investimentos estrangeiros diretos recebidos no mundo em 2021, segundo o relatório da Unctad, o Committee on Foreign Investments in the United States (CFIUS), liderado pelo Departamento de Justiça e composto por agências de economia e segurança nacional, é responsável por analisar os investimentos estrangeiros diretos realizados no país, por meio do Foreign Investment Risk Review Modernization Act (Firrma) [3]. Em vigência desde 2018, o Firrma trata da jurisdição do CFIUS e dos tipos de investimentos sujeitos à análise, em especial aqueles envolvendo tecnologias críticas (como as relacionadas a equipamentos nucleares, armas e mísseis, entre outros), ativos de infraestrutura essencial ou relacionados à manutenção e coleta de dados pessoais de cidadãos estadunidenses (negócios estes conhecidos como TID US businesses). A análise empreendida pelo CFIUS concentra-se especialmente no aspecto de segurança nacional.

O Firrma determina que investimentos estrangeiros diretos devem ser obrigatoriamente submetidos à análise da autoridade americana a partir de certos patamares, quando ocorrem em TID US business. Não obstante, a autoridade tem discricionaridade para analisar também operações que não preencham os critérios de notificação obrigatória.

Na Europa, a EU Screening Regulation [4] entrou em vigor em outubro de 2020 e tem como objetivo intensificar a coordenação e interação da Comissão Europeia e Estados membros acerca desses investimentos e possíveis preocupações relacionadas, permitindo que a comissão emita pareceres não-vinculativos quando houver ameaças à segurança ou à ordem pública em mais de um Estado membro.

Mesmo com a nova regulação, os Estados membros ainda devem realizar uma análise independente desses investimentos e são os responsáveis pelo enforcement e imposição de eventuais sanções quando necessário. A regulação também indica alguns requisitos essenciais que um regime de análise de investimentos estrangeiros indiretos deva preencher, como ser limitado àqueles relacionados à segurança e ordem pública, envolverem setores e tecnologias específicos, como infraestrutura crítica (por exemplo, água, transporte, comunicação), ou quando um governo estrangeiro detiver participação no investidor, similarmente como determinado na regulação estadunidense.

Apesar de a nova regulação da Comissão não impor que os Estados membros estabeleçam processos de análise e revisão dos investimentos estrangeiros diretos, muitos países têm criado suas próprias legislações, como é o caso, dentre outros, da Holanda, Dinamarca, Irlanda e Alemanha [5], que recentemente atualizou sua legislação para indicar os critérios necessários para notificação de operações de investimento estrangeiros diretos.

De forma mais rigorosa, por sua vez, a China tem adotado um regime mais restrito e intervencionista com relação aos investimentos estrangeiros diretos no país. Com a promulgação da PRC Foreign Investment Law (FIL) [6], a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China  — em inglês, China's National Development and Reform Commission (NDRC) — e o Conselho de Estado e o Ministério do Comércio — em inglês, State Council and the Ministry of Commerce (Mofcom) — passaram a expandir o escopo de captura de investimentos realizados entre empresas estrangeiras e chinesas ou que envolvam interesses do país.

Operações que estejam relacionadas aos setores de segurança e defesa nacional, ou outros setores críticos, como os que envolvem energia, tecnologia, serviços financeiros, devem obrigatoriamente ser analisadas pelas agências chinesas.

Além disso, o Mofcom promulgou, em setembro de 2020, regulação específica que lista empresas consideradas "pouco confiáveis" e que possuem restrições ou que estão banidas de fazerem negócios na China, as chamadas Unreliable Entity List (UEL), considerando fatores como possíveis danos à soberania nacional, segurança nacional e interesses do país.

Brasil
O Brasil registrou o seu maior recebimento de investimentos estrangeiros diretos entre 2009 e 2011, seguido de uma desaceleração ao longo dos anos seguintes. Em 2020, em razão da pandemia da Covid-19, os investimentos tiveram uma redução significativa, por conta, em especial, da paralisação dos projetos de infraestrutura [7]. Apesar disso, em 2021, o país foi o sétimo que mais recebeu investimentos estrangeiros diretos, segundo a Unctad.

O Brasil se destaca principalmente pelos extensos recursos naturais disponíveis, localização geográfica estratégica, economia diversificada e setores voltados a exportação, o que naturalmente tende a atrair investimentos estrangeiros diretos ao país, apesar de normas burocráticas, custos altos de produção e riscos regulatórios. Projetos greenfield de energia renovável, por exemplo, representam um importante setor de atração de investimentos estrangeiros, como apontado pela Unctad em seu relatório.

Diferentemente de outros países em que o assunto é intensamente debatido, o Brasil ainda não possui uma regulação específica sobre o tema ou uma agência dedicada a analisar esse tipo de investimento. Como regra geral, os investimentos estrangeiros diretos devem obrigatoriamente ser registrados, antes da entrada de recursos no país, no Sistema Registro Declaratório Eletrônico, no módulo Investimento Estrangeiro Direto (RDE-IED), do Banco Central do Brasil (Bacen), e são monitorados também pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

No entanto, não há um sistema de análise ou notificação obrigatória aplicável aos investimentos estrangeiros diretos ou similares, havendo apenas restrições específicas a depender do setor envolvido, como serviços financeiros, atividades rurais, resseguradoras, energia nuclear, serviços postais, indústria aeroespacial, óleo e gás e serviços de comunicação. Por exemplo, serviços financeiros devem ser apresentados ao Bacen. Investimentos envolvendo atividades de óleo e gás, por sua vez, devem ser apresentados para aprovação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Nota-se que o Brasil tem adotado uma postura mais liberal quanto aos investimentos estrangeiros diretos no país, buscando não criar barreiras para entrada de agentes externos no mercado nacional. A ausência de grandes sensibilidades de segurança nacional em face de contrapartes estrangeiras também parece contribuir para isso. Nessa toada, recentemente, em fevereiro de 2022, a CVM editou uma nova resolução que dispensa o investidor não residente no Brasil (exclusivamente para pessoas naturais) da necessidade de obtenção de registro específico de investimento, bastando informar seus dados no sistema da comissão, como forma de colaborar com o desenvolvimento do mercado brasileiro [8].

O mesmo movimento ocorreu para investimentos no setor de comunicação. Originalmente, havia uma restrição de que os investimentos estrangeiros em companhias deste setor deveriam ser limitados a até 30% do capital social e votante e de forma indireta, via entidade brasileira com sede no país. Recentemente, no entanto, a Lei nº 14.195/2021 passou a simplificar este processo, permitindo que os investimentos estrangeiros no setor possam ser feitos de forma direta, sem necessidade de constituição de holding com sede no país [9]. A nova legislação busca desburocratização e atração de investimentos estrangeiros para o setor. Novos projetos de privatização também podem levar a aumentos na participação de empresas estrangeiras no país.

A ver se a intensificação do monitoramento de investimentos estrangeiros por autoridades de outros países é um resultado momentâneo, derivado de uma inflexão do movimento de globalização, e se nos próximos anos será intensificado ou aliviado. Para empresas e juristas, é relevante ter em mente os novos arcabouços legais e requisitos para investir no exterior, além de ser importante observar se o Brasil manterá sua postura de abertura ou se sofrerá influências de outras jurisdições.

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[1] World Investment Report 2022, UNCTAD. Disponível em: https://unctad.org/webflyer/world-investment-report-2022

[2] Serviços e Informações do Brasil – Registro de Investimento Estrangeiro Direto. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/servicos/realizar-o-registro-declaratorio-eletronico-de-investimento-estrangeiro-direto

[3] H.R.5841 – Foreign Investment Risk Review Modernization Act of 2018. Disponível em: https://www.congress.gov/bill/115th-congress/house-bill/5841/text

[4] Regulation (EU) 2019/452 of the European Parliament and of the Council of 19 March 2019, establishing a framework for the screening of foreign direct investments into the Union. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/HTML/?uri=CELEX:32019R0452&from=EN

[5] BOEWE, Marius. KATTWINKEL, Kristin. Germany. Overview: investment screening. Regulatory framework and recent developments, Global Competition Review, 10 de dezembro de 2021. Disponível em: https://globalcompetitionreview.com/guide/foreign-direct-investment-regulation-guide/first-edition/article/germany

[6] Foreign Investment Law of the People's Republic of China, publicada em 15 de março de 2019 e última atualização realizada em 24 de fevereiro de 2021. Disponível em: https://en.ndrc.gov.cn/policies/202105/t20210527_1281403.html

[7] FDI in Figures, Brazil. Disponível em: https://santandertrade.com/en/portal/establish-overseas/brazil/foreign-investment

[8] Resolução CVM 64, de 07 de fevereiro de 20220. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol064.html

[9] Lei nº 14.195, de 26 de agosto de 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.195-de-26-de-agosto-de-2021-341049135

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