Opinião

Penhora de conta corrente conjunta: limite da solidariedade no Direito Privado

Autor

  • Marcos Teixeira Junior

    é mestrando pelo Programa de Mestrado Profissional em Direito Regulação e Políticas Públicas da Universidade de Brasília (UnB) especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Fundação Ensino Superior de Rio Verde (Fesurv) e é analista judiciário do Superior Tribunal de Justiça (assessor de ministro).

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7 de outubro de 2022, 18h08

Os recursos especiais interpostos nos autos de execução fiscal são julgados, em regra, pelas turmas de direito público do Superior Tribunal de Justiça, as quais há muito pacificaram orientação no sentido de que, na hipótese de conta corrente conjunta, há solidariedade em relação ao respectivo numerário, razão pela qual é possível que a penhora alcance todo o valor depositado (REsp 1.229.329/SP, 2T, 2011; AgInt nos EDcl no REsp n. 1.937.525/RJ, 1T, 2021).

Na linha do primeiro acórdão citado, "a solidariedade, nesse caso, se estabelece pela própria vontade das partes, no instante em que optam por essa modalidade de depósito bancário". Cabe registrar que a própria 1ª Seção do STJ (que reúne as duas turmas de direito público) pacificou orientação no sentido de que "a solidariedade não se presume (artigo 265 do CC/2002), sobretudo em sede de direito tributário" (EREsp 834.044/RS, 2010).

Evidencia-se que a possibilidade de penhora da totalidade do numerário depositado em conta conjunta pressupõe a existência de solidariedade passiva entre os titulares da conta e terceiros que figurem na condição de credores desses titulares. No entanto, o contrato bancário firmado entre os titulares da conta e o banco depositário não abarca, evidentemente, terceiros estranhos à avença.

Existe solidariedade quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda, resultante a solidariedade da lei ou da vontade das partes, vedada a decorrente de presunção (artigos 264 e 265 do CC).

Nesse cenário, em se tratando de credor apenas de um dos cotitulares da conta-corrente conjunta, não é possível seja beneficiado da solidariedade resultante do contrato firmado entre as partes e o banco depositário. Por outro lado, a relação existente entre o credor e um dos cotitulares da conta conjunta não pode prejudicar o outro titular, que é estranho a essa relação. Assim, se não há nem previsão legal específica nem ato volitivo firmado entre o credor e o outro titular da conta conjunta (que não figura na condição de devedor), não há falar em solidariedade e, consequentemente, não é possível que a penhora abarque todo o numerário depositado em conta-corrente conjunta.

Essa linha de entendimento é adotada no âmbito das turmas de direito privado do STJ. Admite-se a existência de "solidariedade ativa e passiva entre os correntistas apenas em relação à instituição financeira mantenedora da conta corrente, de forma que os atos praticados por qualquer dos titulares não afeta os demais correntistas em suas relações com terceiros" (REsp 1.510.310/RS, 3T, 2017). É possível que o titular da conta-corrente conjunta — que não figura na condição de devedor — comprove qual a parte do numerário de cada um. Ausente essa comprovação, presume-se a divisão do numerário em partes iguais, podendo a penhora incidir sobre a montante pertencente ao devedor.

Considerando essa flagrante divergência, em maio/2021, o REsp 1.610.844/BA (Rel. Min. Luis Felipe Salomão) foi submetido ao procedimento do incidente de assunção de competência (IAC), delimitada a controvérsia nos seguintes termos: "possibilidade ou não de penhora integral de valores depositados em conta bancária conjunta, na hipótese de apenas um dos titulares ser sujeito passivo de processo executivo".

Em se tratando de questão processual, não se mostra coerente que o Tribunal possua entendimentos diversos acerca da forma que a penhora incide sobre valores depositados em conta-corrente conjunta. Nesse contexto, impõe-se reconhecer a relevância da pacificação do tema no âmbito do STJ.

O julgamento do recurso especial mencionado ocorreu em junho/2022. Aqueles que esperavam um julgamento apertado, com votos em defesa das duas posições, surpreenderam-se com a posição unânime da Corte Especial. O voto condutor bem delimitou a solidariedade ativa e passiva à relação jurídica estabelecida entre os cotitulares da conta conjunta e a instituição financeira depositária, porquanto resultante "diretamente das obrigações encartadas no contrato de conta-corrente, em consonância com a regra estabelecida no artigo 265 do Código Civil". Não é possível ampliar os efeitos da solidariedade a terceiros estranhos a essa relação contratual.

Assim, para fins de constrição em procedimento executivo, o numerário existente em conta conjunta constitui bem divisível. O regime de cotitularidade sujeita-se às regras do condomínio, especialmente ao disposto no artigo 1.315, parágrafo único, do CC. Esse dispositivo estabelece que se presumem iguais as partes ideais dos condôminos. Destarte, não havendo prova em sentido contrário, "o saldo da conta poupança é bem divisível e presume-se repartido em partes iguais entre os titulares" (REsp 819.327/SP, 3T, 2006). Essa presunção de distribuição proporcional ao número de coproprietários baseia-se no princípio concursu partes fiunt. O disposto no artigo 257 do CC ajuda a elucidar esse princípio: "Art. 257. Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível, esta presume-se dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os credores ou devedores". Outro aspecto relevante que pode ser extraído do acórdão proferido no REsp 819.327/SP é a referência ao artigo 1.420, § 2º, do CC, o qual veda que a coisa comum seja dada em garantia, na sua totalidade, sem o consentimento de todos os proprietários, sendo possível, no entanto, que cada cotitular ofereça como garantia a respectiva parte. Cabe esclarecer que, nos respectivos autos, a discussão era acerca da existência (ou não) de solidariedade passiva dos cotitulares da conta conjunta em relação ao banco credor, tendo em vista que um deles ofereceu o saldo da conta conjunta a título de penhor. O penhor constitui direito real de garantia (art. 1.225, VIII, do CC), e não se confunde com a penhora (instituto de direito processual civil). No caso, entendeu a 3ª Turma que o penhor constituído por um dos cotitulares da conta conjunta com o banco, não faz o outro devedor solidário. Sem embargo do que foi esclarecido, as regras extraídas desse acórdão são aplicáveis, mutatis mutandis, à hipótese de constrição (penhora) de numerário existente em conta conjunta nos autos de procedimento executivo, inclusive ele é citado no acórdão proferido pela Corte Especial nos autos do REsp 1.610.844/BA.

A presunção de divisão em partes iguais conforme o número de cotitulares da conta conjunta é meramente relativa. É possível que o credor-exequente demonstre que a totalidade do numerário pertence ao cotitular que figura como devedor-executado. Por outro lado, é possível que o cotitular que não é devedor comprove a extensão efetiva da sua parte. Havendo comprovação específica em um ou outro sentido, ficará afastada a presunção relativa.

Esses parâmetros — todos extraídos do voto condutor proferido no REsp 1.610.844/BA — foram sintetizados nas teses jurídicas fixadas no julgamento: "a) É presumido, em regra, o rateio em partes iguais do numerário mantido em conta corrente conjunta solidária quando inexistente previsão legal ou contratual de responsabilidade solidária dos correntistas pelo pagamento de dívida imputada a um deles. b) Não será possível a penhora da integralidade do saldo existente em conta conjunta solidária no âmbito de execução movida por pessoa (física ou jurídica) distinta da instituição financeira mantenedora, sendo franqueada aos cotitulares e ao exequente a oportunidade de demonstrar os valores que integram o patrimônio de cada um, a fim de afastar a presunção relativa de rateio."

Não há dúvida de que essas teses devem ser aplicadas em sede de execução fiscal. A submissão do caso concreto ao procedimento do IAC teve como expressa finalidade a solução da divergência existente entre o entendimento das Turmas que integram a 1ª e a 2ª Seções do STJ, levando-se em consideração o disposto no artigo 947, § 4º, do CPC — viabilidade do instituto (IAC) para prevenir ou solucionar divergência entre órgãos fracionários do tribunal.

Revela-se coerente a Corte Especial/STJ adotar, no caso, o entendimento prevalente no âmbito da 2ª Seção/STJ, a qual de forma precisa estabeleceu os limites da solidariedade para fins de penhora de numerário existente em conta corrente conjunta.

Autores

  • é mestrando pelo Programa de Mestrado Profissional em Direito, Regulação e Políticas Públicas da UnB (Universidade de Brasília). Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Fundação Ensino Superior de Rio Verde-Fesurv/Univ. de Rio Verde (GO). Graduado em Direito pela UnB. Atualmente é analista judiciário do Superior Tribunal de Justiça (assessor de ministro).

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