Opinião

STJ reforça a eficácia social e econômica dos seguros

Autor

  • Ernesto Tzirulnik

    é advogado doutor em Direito pela Universidade de São Paulo(USP) é presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro e da Comissão de Direito do Seguro (IBDS) e resseguro da OAB-SP.

7 de outubro de 2022, 21h26

Estes últimos dias foram de boas notícias para o aperfeiçoamento do direito do seguro.

A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial 1.999.624-PR, reafirmou o texto da Súmula STJ 620, ratificando que não é perdido o direito ao seguro de vida quando a morte é causada pela embriaguez do segurado, durante a condução de veículo. Prevaleceu, no caso, voto divergente do ministro Raul Araújo, acompanhado pelos ministros Isabel Gallotti, Marco Aurélio Bellizze, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino. A decisão afasta a insegurança e a litigiosidade prejudiciais ao seguro de vida.

Além disso, a mesma 2ª Seção do STJ após afetar os Recursos Especiais 1.936.665-SP e 1.937.399-SP, ambos de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, estabeleceu por unanimidade, respectivamente, que o seguro DPVAT garante sinistros que também caracterizem acidentes do trabalho e b) garante danos pessoais causados por veículos agrícolas e seus equipamentos. Assim, estabiliza-se entendimento sobre questões que traziam insegurança e litigiosidade perversas para a compreensividade que inspirou a criação do seguro obrigatório.

No passado, algumas decisões judiciais retiravam a garantia dos seguros de vida e acidentes pessoais quando a embriaguez do segurado fosse a causa da sua morte ou invalidez, em detrimento da proteção securitária e sem razão técnica ou atuarial alguma  embora isto fosse decantado. Também havia decisões e certa doutrina sustentando ausência de direito ao seguro DPVAT em caso de acidentes com veículos estacionados, como o estouro do pneu que arremessa a calota e lesiona o pedestre na calçada, ou quando a causa estivesse ligada a implementos dos automotores rurais, como reboques ou carretinhas, facas, arados, subsoladores, pulverizadores etc.

O seguro é, necessariamente, contrato celebrado por adesão que deve garantir, salvo exclusões com relevância técnica, expressas, claras e inequívocas, os riscos predeterminados no contrato (CCB, artigo 757). A regra de taxatividade ou restritividade da cobertura foi rejeitada pelo legislador de 2002 e o sistema não comporta técnicas contratuais capazes de reduzir a eficácia do seguro (Dlei 73/66, artigo 13).

Essas decisões, entre tantas outras que vêm sendo adotadas no STJ, têm o mérito de resgatar a funcionalidade dos seguros tão prejudicada nos últimos anos pelo alarme falso de ameaça ao equilíbrio atuarial, entre outros argumentos  de ordem moralista, sensacionalista ou que a pretexto de respeito à visão econômica do fenômeno jurídico utilizam-se estatísticas alarmistas e infundadas, bem como se valem da impensada profusão de cláusulas predispostas sem nenhuma racionalidade técnica, ou por meio do alargamento da ideia de agravamento do risco no contrato de seguro, um fenômeno tupiniquim que retira a segurança jurídica em todos os tipos de produtos de seguro de massa e vultosos.

Em 2023, a Corte será chamada a examinar decisões sobre os seguros D&O inspiradas na operação Lava Jato e importantes discussões sobre o conceito e os limites da agravação do risco, certamente a mais perigosa técnica de extração de segurança jurídica no campo dos seguros.

Muitas dessas falsas questões que deprimem a imagem e a função social dos seguros poderiam ser evitadas caso o Senado priorizasse a tramitação do Projeto de Lei de Contrato de Seguro, PLC 29/2017, onde  encontram-se regras cogentes da compreensividade das garantias, por exemplo o artigo 14 estabelecendo que "o contrato cobre os riscos relativos à espécie de seguro contratada" e seu parágrafo primeiro determinando que "os riscos excluídos e os interesses não indenizáveis devem ser descritos de forma clara e inequívoca". Já o parágrafo sexto do artigo 18 estabelece que "nos seguros sobre a vida ou integridade física a seguradora poderá cobrar a diferença de prêmio, em caso de agravamento voluntário do risco", mandamento que exclui a possibilidade de se evitar o pagamento do capital contratado ao segurado ou seus beneficiários e, ao mesmo tempo, preserva a seguradora quando a diferença de risco for realmente substancial.

Autores

  • é advogado, doutor em Direito Econômico pela USP, coordenou a elaboração dos anteprojetos de Lei de Contrato de Seguro (PL 3.555/2004 a PLC 29/2017) e preside o IBDS – Instituto Brasileiro de Direito do Seguro.

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