Opinião

Isentar PLR distribui renda e auxilia no enfrentamento dos tempos desafiadores

Autores

2 de outubro de 2022, 6h32

A figura jurídica dos programas de Participação nos Lucros e Resultados (PLR) foi introduzida pela Medida Provisória nº 794/1994, que foi reeditada 77 vezes até a MP nº 1.982-77/2000. Convertida finalmente na Lei nº 10.101/2000, a possibilidade de participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas tornou-se regulada e definitiva, mediante convenção, acordo coletivo ou comissão paritária.

O tema, em que pese regulado há pouco menos de três décadas, teve uma primeira tentativa de instituição ainda em 1919, quando o deputado Deodato Maia apresentou à Câmara um projeto de lei, que não obteve sucesso. Desde então, a integração entre trabalho e capital vem sendo objeto de diversas abordagens legais, com o intuito de incluir o empregado na vida e desenvolvimento da empresa, culminando na sua participação naquilo que é mais representativo do capitalismo: o lucro ou o resultado empresarial.

Enfatizar este tipo de relação é de suma importância para adentrarmos num ponto nevrálgico que paira sobre o pagamento de PLR: a tributação.

O artigo 7º, inciso XI, da Constituição Federal ("CF") desvinculou a natureza salarial do PLR, ao determinar que tal pagamento não deve se atrelar à remuneração, não impactando nenhuma outra verba, como 13º salário, aviso prévio, horas extras, ou as bases de cálculo da contribuição previdenciária ou do FGTS.

Entretanto, os valores pagos a título de PLR encontram-se sujeitos à tributação por imposto de renda retido na fonte ("IRRF"), em caráter exclusivo — ou seja, feita a retenção pela empresa, o trabalhador reportará esse rendimento em separado dos demais, como rendimento tributado exclusivamente na fonte. A tabela progressiva de tributação exclusiva na fonte do PLR é mais vantajosa que a tabela progressiva geral do IRPF, havendo, em 2022, isenção para valores anuais de PLR até R$ 6.677,55 e atingindo-se a alíquota máxima (27,5%) apenas acima de R$ 16.380,38 anuais. Há alíquotas intermediárias de 7,5%, 15% e 22,5%, o que torna o PLR uma ferramenta particularmente apta a beneficiar os trabalhadores nos escalões salariais menos elevados.

Contudo, essa tributação ligeiramente mais vantajosa nem sempre é percebida como um incentivo suficiente à adoção do PLR, especialmente por conta das formalidades e requisitos procedimentais para a implementação do mecanismo.

Nesse sentido, o Projeto de Lei nº 581/2019, de autoria do senador Álvaro Dias objetiva inserir um forte componente indutor para a utilização mais generalizada do PLR. O PL encontra-se em fase final de tramitação no Senado, de onde seguirá para a Câmara dos Deputados. Após concluída a análise e votação pela Câmara, o PL deverá, caso aprovado, seguir para sanção presidencial. Confirmada esta hipótese, em nossa opinião, o Executivo deverá providenciar sua promulgação da forma mais célere possível.

Os efeitos benéficos da maior harmonização das relações capital-trabalho promovida pelo PLR tornam seu incentivo, via desoneração fiscal, altamente desejável, por uma série de razões.

Ao aproximar atores econômicos em posições naturalmente conflitantes (jogo de soma-zero), o PLR objetiva alinhar interesses e incentivar a cooperação e o senso de pertencimento. Apesar do modismo — ou cinismo, como criticam alguns — da expressão "espírito de dono", fomentar o senso de responsabilidade pelos resultados, e compartilhar em certa medida os frutos obtidos, pode gerar efeitos econômicos, sociais e até culturais muito positivos.

Por qualquer ângulo econômico ou sociológico que se encare a relação entre capital e trabalho, não parece haver argumentos sólidos pela manutenção da tributação, cuja única linha de defesa resume-se ao cunho puramente arrecadatório, já que, sob o prisma da natureza salarial, o PLR não traz impacto algum. De fato, as várias correntes dedicadas à análise das relações de trabalho não parecem oferecer argumentos contra a desoneração de uma ferramenta de compartilhamento dos resultados empresariais (já tributados na esfera da pessoa jurídica) com os trabalhadores. Quer de um ponto de vista de economia comportamental, institucionalismo, análise econômica do direito, ou até de conflito de classes, o resultado em favor da desoneração é imutável.

A propósito, especialmente sob a ótica das falhas de governo, estas infelizmente se mostram exacerbadas no Estado brasileiro, assolado por frequentes desvios, ineficiência e má gestão. Assim, eliminar o IRRF sobre o PLR significa retirar recursos que seriam mal destinados a um ente estatal e aumentar a disponibilidade desses mesmos recursos para que sejam mais bem aproveitados nas mãos de agentes de mercado: empresas (produtores) e trabalhadores (consumidores). Afinal, foram esses agentes, num esforço mútuo, que geraram tal riqueza. Sua alocação ótima, sem transferência ao Estado, sem dúvida aumenta a eficiência e o bem-estar geral da sociedade.

Portanto, criar incentivos (nudges) para a utilização mais intensa do PLR, tais como a eliminação da tributação pelo IRRF, tem o mérito de desenvolver a produtividade, a eficiência e o bem-estar da força de trabalho. Embora evidentemente não estejam relacionados somente à remuneração, disponibilizar ao trabalhador, via programas de PLR bem desenhados, uma parcela maior dos lucros e resultados da atividade empresarial — decorrentes em boa medida de seus esforços — incrementa o senso de "justiça, confiança e reciprocidade" nas relações entre capital e trabalho. Tal providência enfatizaria os aspectos distributivos e de justiça social que devem, por determinação constitucional, informar tais relações.

Do ponto de vista macroeconômico, os efeitos da desoneração do PLR poderão ser sentidos na injeção direta de recursos na economia. O PLR já é, no formato atual, uma alternativa para distribuir recursos de forma mais favorável em comparação a outras figuras remuneratórias trabalhistas. "Turbiná-lo", eliminando a única tributação incidente sobre o PLR, aumentaria fortemente sua atratividade, tanto para as empresas quanto para os trabalhadores. Esse efeito é, por óbvio, extremamente recomendável e necessário em um contexto global em que recessão e crise se aprofundam. Destravar a utilização do PLR via desoneração tributária pode ser um vetor adicional no arranjo pela retomada da economia brasileira e sua atuação mais competitiva na arena internacional.

Do ponto de vista jurídico, também, é indiscutível que um incentivo mais contundente à utilização do PLR encontra respaldo constitucional e no arcabouço jurídico fiscal e trabalhista.

O artigo 170 da CF é claro ao estabelecer que a "ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (…)", observados alguns princípios, dentre eles a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego.

Evidente, portanto, a função do PLR em abrir uma frente de aproximação eficaz e pacífica entre empregador e empregado, oferecendo estímulo à atuação lucrativa da empresa no mercado e solidez às aspirações sociais e patrimoniais do colaborador.

Neste aspecto, o PL nº 581/2019 é de extrema importância para aproximar empregador e empregado no que tange às consequências de um mesmo fato gerador: a isenção da tributação do resultado (lucro) da empresa obtido pela combinação de capital e trabalho, tendo em vista que tal resultado já sofreu tributação na esfera da pessoa jurídica.

O PLR é uma ferramenta meritória por si mesma, à luz das razões apresentadas acima, e apresenta inúmeros benefícios na forma de efeitos multiplicadores na economia, gerando mais renda disponível para trabalhadores e reduzindo a tributação sobre uma forma altamente sinérgica de distribuição de resultados empresariais.

Como observou o senador Álvaro Dias na proposição do PL, considerando que os lucros e dividendos obtidos pelos sócios/acionistas são isentos de imposto de renda desde 1996, é injusto impor uma tributação mais gravosa às participações dos trabalhadores nesses mesmos lucros e resultados: "se o resultado da empresa (o lucro) é obtido pela combinação de capital e trabalho, e parte desse lucro está sendo destinado aos trabalhadores, parece claro que o tratamento tributário dessa destinação deve, necessariamente, ser igual ao tratamento dispensado à parcela do lucro destinado à remuneração do capital".

Assim, do ponto de vista fiscal, parece indiscutível que isentar esse mecanismo de qualquer forma de tributação constituirá medida providencial, já que 1) tornará a atratividade da instituição e manutenção de programas de PLR ainda maior, 2) incentivará a negocial sindical e a participação ativa deste importante agente social (sem aqui adentrar as controvérsias envolvendo o sistema sindical brasileiro) e 3) franqueará, a um universo cada vez mais amplo de beneficiários, as vantagens da integração capital-trabalho e de ações de incentivo à produtividade.

O PLR tem utilidade, ainda, como integrante de outras figuras modernas de atração e retenção de talentos. Por exemplo, a Receita Federal, por meio da Solução de Consulta Cosit nº 171, de 27 de setembro de 2021, já esclareceu ser possível utilizar programas de PLR para realizar pagamentos baseados em ações. Ou seja, como o PLR pode ser pago não apenas em dinheiro, mas também via programas de incentivo com instrumentos patrimoniais (equity incentive plans), agrega-se um elemento de flexibilidade ao PLR, potencializando sua utilização.

Por todos os motivos expostos, a tramitação do PL nº 581/2019 deveria ser prioritária, uma vez que seu objetivo basilar é tratar com equidade as parcelas do lucro apropriadas pelos proprietários dos meios de produção e pelos trabalhadores. Assim, como consta da sua justificação, a transformação do referido projeto em Lei não apenas fará justiça entre todos os que contribuíram para a formação do lucro, mas também incentivará maior aceitação e disseminação do instituto do PLR, distribuindo renda e auxiliando a enfrentar os tempos economicamente desafiadores que vivemos.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!