Opinião

Novo Marco Cambial e seus impactos em contratos de tecnologia

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30 de novembro de 2022, 18h18

Atualmente é necessária a averbação de contratos de licença de uso de direitos de propriedade industrial (marcas, patentes, desenhos industriais e topografia de circuitos integrados), fornecimento de tecnologia, serviços de assistência técnica e científica e franquia perante o Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) para as seguintes finalidades:

1) Legitimar remessas de divisas do Brasil ao exterior como pagamento pela tecnologia licenciada/fornecida;

2) Permitir a dedutibilidade fiscal dos valores pagos pela empresa brasileira receptora da tecnologia como contraprestação ao licenciamento/fornecimento; e

3) Produzir efeitos perante terceiros.

Exige-se que as referidas modalidades de contratos sejam registradas/averbadas perante o Inpi e, posteriormente, perante o Banco Central do Brasil, para que sejam autorizadas as remessas de divisas do Brasil ao exterior a título de pagamento pelo direito de uso e exploração da tecnologia licenciada/fornecida, e para que a empresa brasileira possa realizar a dedutibilidade fiscal das importâncias pagas (com base em interpretação do artigo 9 da Lei nº 4.131/62 e artigo 50 da Lei nº 8.383/1991).

Além disso, proíbe-se a remessa de royalties ao exterior decorrentes dessas modalidades contratuais, entre empresas com relação de controle societário (controladora estrangeira e controlada brasileira), no que exceder o limite de dedutibilidade fiscal previsto pela Portaria nº 436/58 do Ministério da Fazenda (interpretação baseada no artigo 14 da Lei nº 4.131/62 c/c com o artigo 50, parágrafo único, da Lei nº 8.383/91).

No entanto, as referidas matérias sofrerão alterações significativas com a entrada em vigor do novo Marco Cambial. Trata-se da Lei nº 14.286/2021, publicada em 29/12/2021, que dispõe sobre o mercado de câmbio brasileiro, o capital brasileiro no exterior, o capital estrangeiro no País e a prestação de informações ao Banco Central, e entrará em vigor a partir de 30/12/2022.

Dentre as principais alterações, especula-se que a exigência de averbação das modalidades de contratos acima mencionadas perante o Inpi e o BC, para viabilizar a remessa de divisas ao exterior, poderá deixar de existir. Isto porque os artigos 22 e 24 do novo Marco Cambial, que alteram o artigo 9 da Lei nº 4.131/62 e o artigo 50 da Lei nº 8.383/1991, não mencionam a obrigatoriedade de apresentação dos documentos relativos à operação no Bacen para fins de remessa, como era previsto na redação dos dispositivos das leis anteriores. De acordo com a redação prevista pela nova lei, a única exigência será a apresentação de prova do pagamento do imposto de renda, se for o caso.

Assim, acredita-se que a remessa de divisas ao exterior será permitida independentemente de qualquer averbação/registro do respectivo contrato perante o Inpi e o BC. Tal registro seria então necessário apenas para fins de dedutibilidade fiscal das importâncias pagas pela empresa brasileira.

Além disso, o novo Marco Cambial prevê a revogação do artigo 14 da Lei nº 4.131/62 e do parágrafo único, do artigo 50, da Lei nº 8.383/91, cuja interpretação conjunta limita a remessa de royalties entre empresas com controle societário aos limites máximos de dedutibilidade fiscal estabelecidos na Portaria 436/58.

Desse modo, passará a ser permitida a remessa de royalties entre uma subsidiária brasileira e sua matriz no exterior em valor excedente aos limites de dedutibilidade fiscal, e as partes ficarão livres para negociar e acordar os percentuais de royalties que julgarem pertinentes de acordo com as práticas do mercado. Os limites máximos estabelecidos na Portaria 436/58 persistirão apenas para fins de dedutibilidade fiscal, mas não para fins de viabilidade de remessas ao exterior.

É importante mencionar que o novo Marco Cambial ainda está pendente de regulamentação em diversos pontos e que o BC fez recentemente uma consulta pública contendo propostas de atos normativos relacionados ao mercado de câmbio de brasileiro, que visam a regulamentar o novo Marco Cambial.

Até o presente o momento, tanto o Inpi quanto o Banco Central ainda não se posicionaram oficialmente sobre a dispensa da necessidade de averbação/registro dos contratos de tecnologia para fins de remessa de royalties ao exterior. Embora a referida dispensa seja esperada considerando-se o teor e a finalidade do novo Marco Cambial, que busca conferir maior agilidade, simplicidade e transparência às operações do mercado de câmbio, melhorando o ambiente de negócios no Brasil, ainda será preciso maior definição quanto à matéria para a sua efetiva implementação.

De todo modo, o novo Marco Cambial evidencia a intenção do legislador de desburocratizar a remessa de royalties ao exterior e facilitar a transferência de tecnologia entre o Brasil e outros países, reduzindo o intervencionismo estatal e privilegiando a liberdade contratual das partes.

Vale mencionar que, em 2017, o Inpi já tinha dado o primeiro passo quanto à redução do intervencionismo estatal nos contratos de tecnologia ao implementar a Instrução Normativa 70/2017 e a Resolução 199/2017, e determinar que o referido Instituto não mais analisaria e interviria nos contratos submetidos à averbação/registro sob a perspectiva da legislação fiscal, tributária e de remessa de capitais. 

No entanto, a referida mudança de posicionamento do Inpi não foi acompanhada de atualização da legislação fiscal, tributária e de remessa de capitais aplicável aos contratos de tecnologia, proporcionando insegurança jurídica às partes contratantes quanto aos limites da sua liberdade de contratar.

O novo Marco Cambial parece seguir a mesma linha da mudança feita pelo Inpi em 2017 e poderá conferir maior agilidade à negociação e celebração de contratos de tecnologia entre empresas brasileiras e estrangeiras, incentivando novas parcerias internacionais para o intercâmbio de conhecimentos e tecnologias, e contribuindo para o desenvolvimento tecnológico e científico do Brasil.

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