Opinião

"Chover no molhado": as leis locais sobre cannabis medicinal

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28 de novembro de 2022, 20h35

No decorrer de 2020 a 2022, alguns estados e o Distrito Federal publicaram leis locais de direitos da cannabis medicinal [1]. Ainda que muito comemoradas pela sociedade, a realidade é outra: as leis locais são ausentes de novidades. Em outras palavras, as disposições contidas são repetidas, de pontos e conclusões que já foram instituídas e sedimentas no Direito brasileiro há algum tempo. É o "chover no molhado".

As leis locais possuem, basicamente, cinco pilares: (1) garantir o direito à saúde; (2) produzir e disseminar o conhecimento científico; (3) fomentar pesquisas; (4) combater a desinformação; e (5) reafirmar a excepcionalidade do plantio da planta cannabis (via autorização sanitária ou judicial). Algum desses pontos é novo para você, leitor? (reflita, especialmente, desassociando os temas à cannabis medicinal).

Os estados e o Distrito Federal possuem competência concorrente à União para legislar sobre defesa da saúde (artigo 24, XII, da Constituição Federal). Uma vez tratando de uso de Cannabis medicinal (em saúde), as leis locais se encaixariam no tema maior, saúde, resultando na competência dos entes federativos. Ou seja, estados e Distrito Federal podem (e devem) legislar em matérias de saúde omissas de regulamentação pela União. Até que ponto as leis locais teriam a base de omissão?

Uma vez autorizados a legislar, os entes federativos não inovam no conteúdo, seja sob a perspectiva de "copiar e colar" entre as leis locais, seja sob a perspectiva de o que as leis locais determinam já foi (era) determinado anteriormente pelo ordenamento jurídico.

Retomando os pilares acima: (1) saúde é direito de todos e dever do Estado — até que ponto era necessário reafirmar a famosa frase, especificamente no viés da cannabis medicinal?; (2) conhecimento científico — a produção e a disseminação do conhecimento científico é interesse de todos, envolvendo ou não a cannabis; (3) fomento de pesquisas — relacionado diretamente à evolução do conhecimento científico; pesquisas são o core da sociedade atual, sociedade de risco, bioética e biodireito trabalhando cada vez mais e a mil por hora; (4) desinformação — em uma sociedade sujeita a diversas formas e fontes de informação, indispensável separar o "joio do trigo" e não só combater a desinformação, mas combater também informações erradas, incorretas; (5) excepcionalidade de plantio, cultura e colheita de vegetais que podem originar drogas — ponto entabulado na Lei de Drogas (Lei 11.343/06), conhecida "recitalmente" na área criminal.

Em outras palavras, as leis locais não trazem questões, pontos, conclusões inovadoras, mas aspectos que já foram disseminados e assentados no Direito brasileiro. Ora, então qual a necessidade (?) de reafirmar os aspectos? PRÉ-julgamento; PRÉ-conceito; dos produtos à base de Cannabis, ainda que no viés medicinal? Quais as finalidades, então, das leis locais?

Os pontos das leis locais não são novos. Omissão da União? Formalmente, no sentido de não existir lei / regulamento, pode até ser. Contudo, haveria a necessidade de abordar os mencionados pontos pelas leis locais? Não parece ser o caso. Ausente novidade e necessidade, a finalidade das leis locais parece ser combater o PRÉ-julgamento e o PRÉ-conceito. Até quando haverá a necessidade disso? Consideremos o que a ciência descobre diariamente (e já descobriu) de benefícios da cannabis medicinal versus o tempo em que se discute a aceitação da cannabis medicinal pela sociedade. Não se está falando em, amanhã e irresponsavelmente, a União aceitar todo e qualquer pedido para cultivo e plantio (há aspectos importantes ainda a serem discutidos para tanto), mas que discutir a aceitação da cannabis medicinal é coisa do passado. Levemos outras discussões adiante. Chover no molhado não está na moda, tampouco é efetivo. Represas outras estão sedentas por chuva; então, foquemos em novos territórios, regulando o que é necessário e aceitando o que já é comprovado cientificamente.

 


[1] São elas: Lei do estado do Rio de Janeiro 8.872/20; Lei do Distrito Federal 6.839/21; Lei do estado da Paraíba 11.972/21 e Lei do estado do Rio Grande do Norte 11.055/22.

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