Processo Familiar

Os avanços da longevidade, os novos idosos e o Direito

Autor

  • Jones Figueirêdo Alves

    é desembargador emérito do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ-PE) mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito de Lisboa membro da Academia Brasileira de Direito Civil e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) membro fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont) advogado consultor e parecerista.

27 de novembro de 2022, 12h46

Em sua obra A short history of living longer (Longevidade, 2021) o escritor inglês Samuel Johnson conduz-nos aos avanços da ciência moderna, a influenciar as nossas vidas, revelando que o adiamento do envelhecimento decorre não apenas de descobertas médicas, mas de políticas públicas de cooperação nas pesquisas.

De mesmo efeito, a velhice adiada carecerá também de políticas de apoiamento aos longevos, com implicações jurídicas protetivas de longo prazo e que se apresentam urgentes. A velhice deixa de ser inevitável enquanto protraída no tempo, e a garantia de uma vida saudável dependerá sempre do controle continuado da saúde sob a égide da prevenção e da imunidade.

O direito defronta-se, portanto, com o desafio de responder com devida satisfatividade a tutela integral das pessoas idosas, quando já temos, v.g., a Lei 13.466/2017, que introduziu em nosso sistema jurídico a faixa dos octogenários, sem que, entretanto, haja o implemento das condições adequadas dos cuidados diferenciados aos mais idosos.

Com a metodologia da transdiferenciação (onde uma célula adulta poderá ser convertida diretamente em outra célula também madura); a nova engenharia de tecidos, as células-tronco placentárias ou as neurais e outras importantes inovações, a tecnologia revoluciona a neurociência, a genética e a medicina, construindo a longevidade, Mas esse manuseio cientifico por uma “longa vida adulta saudável”, a não envelhecermos antes do tempo, significa, de imediato, a necessidade em massa dos diagnósticos exatos e precisos, preventivos e continuados ao invés de diagnósticos simplesmente intermitentes ou emergenciais.

Sanjiv Gambhir, de Stanford (EUA), defende o monitoramento contínuo da saúde, afirmando que “antecipar e prevenir doenças deve ter prioridade sobre novos tratamentos sem fim. O futuro é todo sobre sermos capazes de interceptar e prevenir doenças”. (01) Nessa lógica, acentua-se fundamental o emprego de mais recursos na “investigação dos métodos de diagnóstico precoce e prevenção das doenças”, de onde se sobressai, de consequência, a medicina preventiva e mais além, a medicina personalizada.

Quando a predição, diagnóstico e prevenção de doenças, importa mais que a medicina meramente curativa, a revolução da longevidade padece, a um só tempo, de políticas públicas e de arcabouços jurídicos estruturantes para melhor adequá-la aos seus próprios fins.

No quadro geral de tabelas de vida, a medição de expectativas de vida impõe não apenas trabalhos estatísticos mais sofisticados. Sobre eles, o senso crítico de um planejamento econômico de suporte aos novos contingentes populacionais de maior idade e para eles uma dinâmica legal de proteção permanente. (02).

O que dizer aos que passam fome, nos infortúnios da incapacidade ao trabalho, sobre as benesses de uma longevidade que os desconsideram? Atente-se ao disposto no artigo 230, parágrafo 1º, da Constituição Federal, segundo o qual, “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

Em ser assim, coloque-se, em prioridade de interesse jurídico-social a denominada “longevidade sustentável”, termo referido pela psicóloga Ana Fraiman, constituindo-se em um novo direito fundamental.

Assegurar tempos de qualidade de vida, nesse tempo etário, em família e na sociedade, com convivência plena e independência individual, compreende reclamos por uma ordem jurídica capacitada a tratar das novas configurações econômicas no tema, potencializando seus resultados e benefícios.

Vejamos, a exemplo:

(i) Economia dos custos. Consabido que nas próximas décadas o país contará com cerca de setenta milhões de idosos, quando no mesmo curso temporal também aumentarão as expectativas de vida (03), certo é saber que os custos da vida dos longevos são, inevitavelmente, maiores que os custos de vida, economicamente consideráveis. É que o idoso há de comprometer significativos percentuais de suas rendas, com planos e seguro saúde, medicamentos e despesas para uma vida saudável. Segundo os índices da Fundação Getúlio Vargas aferindo os gastos financeiros das faixas etárias, o custo da vida dos idosos subiu bastante para eles, importando praticamente o dobro da média da população mais jovem.

Diante de tal constatação, o acesso gratuito dos idosos aos serviços de saúde e aos medicamentos, por garantias legais e políticas públicas, constituirão resposta adequada à atual revolução da longevidade. Precisamente para um envelhecimento qualificado, observado em seus quatro vieses: (i) saudável: (ii) ativo; (iii) integrativo; Iv) autonomia social. Quando se aproxima, de forma inexorável, a inversão da pirâmide etária, os efeitos dessa inversão devem ser melhor administrados pelo Estado e pela sociedade.

(ii) Economia da longevidade. No objetivo de proteção aos novos idosos, institutos jurídicos despontam aplicáveis, a exemplo do modelo norte-americano reverse mortgage ou do produto semelhante e desenvolvido, no Reino Unido (1965), o home income plans. A hipoteca reversa de bem imóvel como nova modalidade de garantia real é objeto do PLS 52/2018, de autoria do senador Paulo Bauer. Altera a Lei 9.514/1997, sem que esse tipo contratual seja privativo das entidades do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI). Segundo o projeto, pendente designação de relator, o contrato de hipoteca reversa estabelece:

“um acordo vitalício entre o dono da casa e uma instituição financeira. Com base no valor da propriedade e no cálculo da expectativa de vida do proprietário seriam fixados o período de pagamento e o valor mensal até o final de sua vida. O aposentado continuará morando em sua casa até
morrer, e quando isso vier a ocorrer a instituição financeira se torna proprietária do imóvel, devendo levá-lo a venda em leilão para se ressarcir da quantia entregue ao beneficiário”. (04)

Na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei n. 3096/2019, do deputado Vinicius Farah, também institui o sistema de hipoteca reversa para as pessoas idosas, merecendo ser contextualizado com o projeto senatorial (05).

No tema, assinala-se, ainda, o primoroso estudo de Claire Bernard, Sanaa Hallal e Jean-Paul Nicolaï (2013) Eles propõem uma substituição da hipoteca tradicional pela venda parcial do imóvel de pessoas com mais de 65 anos a um agente financeiro. Este agente dividiria a propriedade do imóvel até a morte do dono original. Os herdeiros, após a morte do proprietário, teriam a prioridade de recompra da parte vendida em vida. O objetivo da proposta é ampliar o poder de compra dos idosos, oferecendo-lhes liquidez sem criar endividamentos. O idoso francês, que tem patrimônio (70% da população idosa é proprietária de imóvel), não possui, entretanto, maior liquidez, ou seja, uma renda suficiente para aumentar seu consumo. (06)

(ii) Economia do Coliving. A experiencia de moradias comuns, em tendencia urbana de compartilhamento de habitações (cohousing), sob o conceito pioneiro comunitário levado a efeito na Dinamarca (1972), foi empreendida por Charles Durrett, arquiteto norte-americano que otimizou o convívio compartilhado incentivando a prática do coliving (1988) (07). Esses espaços imobiliários de uso e de economia compartilhados, não apenas sugerem empreendimentos de cocriação, atendendo interesses de uma sociedade sustentável e harmônica, como demandam uma regulação especifica no trato de novas relações de locação como nas de propriedade comunitária.

Reflitamos, assim, pequenos clãs de convivência etária que, substituindo a vida deficitária em abrigos, suprirão as conveniências das pessoas longevas, garantindo-lhes uma melhor qualidade de vida como elemento integrante de dignidade. No ponto, essa situação nova colocada dentro do rol de direitos fundamentais de terceira geração, fulcrada em interesses difusos, exigirá efetividade no plano dos valores dos idosos. Em fomento de combater o isolamento e a solidão sob os auspícios do poder público e/ou da iniciativa privada.

(iii) Economia da Empregabilidade. A necessidade de adequação tecnológica da população idosa deve ser atendida não apenas pelo segmento empresarial, incentivando a inclusão digital dos mais velhos, a contribuir para o seu reingresso no mercado de trabalho, bem como por processos de sensibilização junto aos próprios grupos etários avançados. Tem sido afirmado, aliás, que “a elevação da empregabilidade dos seniors passa a ser vista não como uma ação em nome do bem-estar e do conceito de envelhecimento ativo, mas como estratégia indispensável para o desenvolvimento econômico”. Iniludível que sim. (08)

No caso, estudos de antropologia social, destacados os de Miriam Goldemberg (UFRJ) (09) poderão estimular diretivas jurídicos-sociais, para a maior visibilidade da velhice em suas necessidades de melhoria e transformação. Ganha maior relevo uma adequada política pública quando projetada no país para 2025, taxa de idosos fora do mercado de trabalho em torno de 40%, quando nada obstante são eles “também responsáveis por uma movimentação ativa no mercado”.

Pois bem. O tema da democratização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) é recorrente, designadamente a oportunizar o acesso das pessoas, dentre elas as mais desafortunadas de poder aquisitivo, as portadoras de deficiências (motoras ou audiovisuais), as vulneráveis e as pessoas idosas, sob o fomento da inclusão social em sua plenitude. Assim, a pauta da ONU em promoção dos bens públicos digitais destinados a todos é a meta de 2030 para uma conectividade universal, em criação de um mundo mais equitativo.

Estudos de inclusão digital dos idosos estão em conta da longevidade avançada, valendo referir os de Raquel Casado-Muñoz, Fernando Lezcano-Barbero e Maria José Rodriguez-Conde, na Espanha (2015) (10) e os desenvolvidos pela jurista brasileira Thereza Christina Nahas, em sede de estudos propositivos, inclusive laborais, para rede internacional de pesquisas

(iv) Economia protetiva etária. Com o acentuado envelhecimento demográfico, tem sido defendida na União Europeia e nas Américas a construção de um regime jurídico de proteção vocacionado a prevenir os abusos financeiros das pessoas idosas. A Declaração de Toronto (2002) serve a constituir diploma paradigmático a concitar um esforço normativo que consolide a inibição de determinadas práticas abusivas. (10)

Destaque-se, inclusive, o papel do sistema bancário em matéria de prevenção, a exemplo dos contratos de empréstimo consignado pelos consumidores idosos em face de seus proventos e pensões. Em abordagem etária, a prevenção e o tratamento do superendividamento ante a Lei 14.181/2021 foi, aliás, objeto de importante obra, de autoria de Juliane Caravieri Martins (Ed. Thoth, 2022). A vulnerabilidade econômica dos idosos exige uma tutela jurídica ativa nos contratos bancários de empréstimo consignado, não se permitindo, ademais, sejam extraídos dos benefícios sociais, que vulneram a renda mínima.

O segmento dos chamados idosos-mais-velhos, certo que “a idade cronológica deixa de ser um marcador absoluto para as mudanças que escoltam o envelhecimento” (Sara Barros, 2021), tem sido mais avaliado diante do “crédito sênior” e o que ele representa, tudo reclamando maior interferência do direito. Quando a taxa de risco de pobreza aumenta entre as pessoas idosas e as necessidades de crédito sênior implicam em uma inevitável submissão dos mutuários idosos a abusos financeiros, pelo objetivo da maximização do lucro para as condições de crédito ditados por instituições financeiras, torna-se urgentes que novos produtos e serviços sejam postos às referidas operações, com deveres de adequação por “abordagem centrada na vulnerabilidade”.

Obra recente, lançada em Portugal, Os novos idosos. Envelhecimento ativo e Direito, (Almedina, 12/2021), com estudos coordenados por Joana Silva Aroso, incentiva o sentido de repensar o envelhecimento, conjugado à longevidade saudável, numa lógica de promoção dos direitos dos mais velhos e numa cultura positiva da velhice que arregimenta novos olhares.

Bem de ver que esses olhares, também serão os dos novos idosos, buscando eles enxergarem o próprio futuro que enriquece, em projetos de vida continuada, o presente de cada um. São olhares de plenitude, olhares mais assertivos. Esse elemento de continuidade empresta-lhes, por certo, maior autoestima e autonomia.

Os idosos longevos, de envelhecimentos protraídos, com direitos de terceira e quarta idade, todos direitos fundamentais, são os destinatários de uma permanente construção de um estado de direito integrativo. Inequívoco a situar uma sociedade envelhecida postergada, com parâmetros jurídicos de vanguarda, começando a partir da sociedade formada nas comunidades familiares.

Referências:

AMBRÓSIO, Cláudio. E se você viver mais de 100 anos? São Paulo: Ed. Gente, 2019, p. 175.

As tábuas completas de mortalidade (Censo 2010) indicaram em 2011, um ganho de expectativa ao nascer, na década passada de 03,8 anos para os homens e 03,4 para as mulheres (Jornal do Commercio – Recife, 30.11.2012, p. 8)

Em 2018, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicou cerca de 28 milhões de idosos no país.

Web: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7635226&ts=1630427338914&disposition=inline

Web: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/01/31/projeto-cria-hipoteca-reversa-para-idosos

Web: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node0kyhkmhv66uzuwcjrc9zsp96g1679672.node0?codteor=1751536&filename=PL+3096/2019

BERNARD, C.; HALLAL, S.; NICOLAÏ, J. P. La silver économie, une
opportunité de croissance pour la France. Paris: CGSP, 2013. Web: https://solidarites-sante.gouv.fr/IMG/pdf/Rapport-CGSP_Silver_Economie_dec2013-.pdf

https://www.cohousingco.com/

JORGE FELIZ, O Idoso e o Mercado de Trabalho. Web: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9092/1/O%20Idoso%20e%20o%20mercado.pdf

Conferir: GUILLEMARD, A. M. Les défis du viellissement, âge, emploi, retraite,perspectives internationales. 2. ed. Paris: Armand Colin, 2010, p. 39.

(09) GOLDENBERG, Miriam. A Invenção de uma Bela Velhice, Ed. Record, 2021, 160 pgs.

(10) CASADO-MUÑOZ, Raquel. LEZCANO, Fernando. RODRIGUEZ-CONDE, M-José. Envejecimiento activo y acceso a las tecnologías: Un estudio empírico evolutivo. Web: https://www.scipedia.com/wd/images/6/6f/Draft_Content_101900801-36815_ov.pdf

(11) The Toronto Declaration on the Global Prevention of Elder Abuse. Web: https://eapon.ca/wp-content/uploads/2021/09/toronto_declaration_en.pdf

Autores

  • é desembargador emérito do Tribunal de Justiça de Pernambuco, mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), integrante da Academia Brasileira de Direito Civil, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e membro fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont).

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