A natureza em poesia

Massami Uyeda expõe seus hai-ga:
haicais ilustrados com fotografias

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26 de novembro de 2022, 10h13

Massami Uyeda, advogado e ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, expõe pela primeira vez os seus haicais ilustrados com fotografias, composição a que chama de hai-ga, referência que descobriu ao ler o curitibano Paulo Leminski (1944-1989) – grande poeta e haicaísta brasileiro.

Massami Uyeda
Hai-ga de Massami Uyeda que integra a exposição

A exposição também trará fotografias de autoria do advogado Bruno Silvestre feitas durante duas viagens ao Japão. Silvestre é deficiente visual com baixa visão e usa a câmera fotográfica como uma ferramenta para enxergar o mundo. Tem 40 anos e é um estudioso da sociedade e da cultura japonesa. Integra a Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB-RJ e atua nos tribunais superiores, em Brasília.

Bruno Silvestre
Fotografia de Bruno Silvestre que faz parte da exposição

A exposição itinerante “O Direito à Arte: Dois Juristas e o Pensamento sobre o Japão” aconteceu nesta sexta-feira (25/11) no Instituto Cultural Brasil-Japão, no Rio de Janeiro, apenas para convidados. Mas estará aberta ao público em fevereiro de 2023 no Consulado do Japão no Rio de Janeiro e de lá pretende percorrer escolas públicas e centros culturais. Ao todo, compõem a exposição 14 hai-ga (8 deles ilustrados com fotos de autoria de Massami Uyeda e 6 com fotógrafas convidadas) e 10 fotografias feitas por Bruno Silvestre.

Haicais nasceram no Japão, no século XVI, e os primeiros são atribuídos ao poeta Matsuo Bashô (1644-1694). Uma forma poética graciosa de linguagem simples e de teor contemplativo, descreve um instante da realidade. A palavra japonesa haicai junta “hai”, gracejo, com “cai”, harmonia.

Tradicionalmente, o haicai é composto de três versos, de 5, 7 e 5 sílabas poéticas, um total de 17. Hoje em dia, há quem não siga esse padrão de sílabas, mas apenas os dois versos curtos e um mais longo.

Massami Uyeda
Autumn in New York
Why it does so inviting
As Diana sings

(*Diana Krall) Massami Uyeda

Já os hai-ga nada mais são do que haicais inspirados por uma arte visual. No caso de Massami Uyeda, fotografias. Com essa exposição, o advogado pretende desabrochar nos visitantes um sentimento poético. Diz que a sua inspiração para escrever é a vida e suas andanças e viagens. Esteve em Nova York recentemente para acompanhar os debates do Lide Brazil Conference, que teve a presença de ministros do Supremo Tribunal Federal. Caminhando pelas ruas da cidade, se inspirou em uma árvore, que fotografou, e escreveu o haicai ao lado (este não estará na exposição).

Uyeda é filho de mãe e pai japoneses. A família de sua mãe, Sizue Uyeda, completou 105 anos de imigração no Brasil. Vieram de Saga, no Sul do Japão. A família de seu pai, Ichiro Uyeda, veio de Hyogo há 95 anos. Massami completa 80 anos de idade na próxima segunda-feira, 28 de novembro.

Tomou gosto pela fotografia ainda na infância, incentivado pelo pai. Nascido no interior de São Paulo, na cidade de Lins, gostava de fotografar plantas, árvores. Ainda gosta, mas hoje usa o seu Iphone.

Gabriela Aparecida Sadoco
Foto: Gabriela Aparecida Sadoco

A poesia chegou em sua vida no colegial, o ensino médio de hoje. E teve a vontade de se tornar professor de latim. Já na Faculdade de Direito da USP, decidiu também estudar Letras. Direito pela manhã, trabalho à tarde, Letras à noite. Rotina intensa, mas não desistiu das Letras Clássicas por cansaço. O real motivo foram as aulas diárias de grego e as duas avaliações semanais na língua. “Parei de estudar porque tinha muitas provas de grego. Foi a minha sorte. Imagine hoje eu como professor de latim”, ri.

Em 2017, Uyeda recebeu a Ordem do Sol Nascente — Estrela de Ouro e Prata, condecoração criada pelo Imperador Meiji, do Japão, em 1875. A homenagem foi outorgada no outono de 2016 pelo Imperador Naruhito e recebida na Embaixada do Japão, em Brasília, em janeiro de 2017. Foi o primeiro descendente de japonês a integrar uma corte superior brasileira. Atuou no STJ de 2006 a 2012, ano em que completou 70 anos — à época, idade para a aposentadoria compulsória.

O haicai de que Uyeda mais se orgulha é o seguinte:
O Amor é Prana
Que dá Vida a tudo
Você é Prana

Foi apresentado em um espelho durante a exposição. Prana é uma palavra de origem sânscrita, que significa “princípio da vida”, “energia vital”. Uyeda explica que, com esta poesia, “quis dizer que o amor de Deus dá vida a tudo. Todos abrigamos em nosso espírito a centelha divina, o que nos faz sermos filhos de Deus. Eu, você, todos nós constituímos uma irmandade”. De acordo com o princípio budista da impermanência, afirma, a única coisa que permanece é a energia divina.

Ellen Uyeda Ogawa
Depois da faina
Repouso e beleza
Com muitas flores!

(Fotografia de Ellen Uyeda Ogawa, neta de Massami Uyeda, feita quando ela tinha 11 anos)

O advogado é batizado na igreja católica, mas acredita também no budismo e se reconhece como “espiritualista”. “Tenho os santos que me protegem. Tenho meu anjo da guarda.”

A parceria com o advogado Bruno Silvestre nasceu de forma inusitada. Depois de um seminário jurídico online, nos momentos de quarentena exigidos pela covid-19, Bruno procurou Massami e contou de todo o seu interesse pela cultura japonesa. Lê, escreve e canta em japonês, além de tocar o típico instrumento nipônico shamisen. Recebeu alguns hai-ga de Massami e enviou fotografias que fez durante duas viagens ao Japão. Pensaram em montar uma exposição juntos. Conheceram-se pessoalmente há pouco tempo, quando se encontraram para trocar o material para a exposição.

Bruno Silvestre
Bruno Silvestre

 

 

 

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