Opinião

Segurança de investimentos em concessões: um panorama da lógica atual

Autor

26 de novembro de 2022, 9h14

A segurança jurídica relativa aos investimentos em concessões de serviços públicos, especialmente envolvendo infraestrutura, é ambivalente. Por um lado, há a necessidade de segurança para o setor público, que busca proteger o interesse público dos usuários na prestação de serviços essenciais. Por outro lado, há a necessidade de segurança em relação ao setor privado, que alocará recursos de acordo com as perspectivas de retorno sobre o investimento.

O problema é que, nas concessões, o aumento da segurança jurídica para o Poder Público tende a gerar mais insegurança para os investidores privados. E o inverso também pode ser verdadeiro.

Os contratos de concessão têm uma lógica própria, que não pode ser aquela mesma dos contratos administrativos em geral. Contratar material de escritório para a Administração Pública não é o mesmo que modelar e contratar uma concessão que durará décadas.

A concessão não gera apenas uma relação jurídica entre concedente e concessionário. Há ainda as relações com agências reguladoras e com usuários. Pelo lado do concessionário, há investidores, bancos, seguradoras e outros contratados para serviços principais ou acessórios em relação à concessão. Somado a isso, também podem interferir nas relações jurídicas expostas o Poder Legislativo, os Tribunais de Contas, o Ministério Público e o Poder Judiciário.

Dessa forma, é preciso compreender essa lógica específica para que a legislação e as cláusulas contratuais possam ser racionalizadas para o atendimento de seus objetivos.

Uma simples analogia pode servir para elucidar o panorama atual das concessões em geral.

Imaginemos que eu seja dono de uma casa e queira escolher alguém para construir o portão dela. O escolhido, além de construir o portão, terá o direito de explorar a entrada e a saída daqueles que visitam minha casa, cobrando uma tarifa pela operação do portão pelo prazo de 30 anos.

A princípio, o investimento pode ser interessante pelos seguintes aspectos: o portão terá longa vida útil; não há concorrência, já que esse será o único portão da casa; por ser o único portão, todos deverão utilizá-lo, o que torna a demanda relativamente inelástica e previsível; após a instalação, os custos de operação serão bastante reduzidos; a atualização das tarifas tende a acompanhar a inflação, o que ajuda na atratividade do investimento.

Entretanto, alguns detalhes a mais precisam ser acrescentados. Primeiro, o projeto do portão será realizado por minha filha, que não é especialista somente em portões, mas tem um bom conhecimento. Entretanto, o projeto é de cinco anos atrás (acabei atrasando um pouco na seleção), de modo que não há certeza de que a tecnologia projetada ainda é a mais atual.

Além disso, eu, como dono da casa e do portão, não farei nenhum investimento inicial. Na verdade, o escolhido vai construir o portão e pagar a mim um valor a título de outorga. Esse investimento no portão também será vultuoso, o que demandará o convencimento de investidores externos por parte do escolhido, já que ninguém conseguiria realizar o projeto por conta própria.

Também é importante acrescentar que minha esposa será a responsável por regular o serviço prestado. Ela é quem vai cuidar para que os nossos visitantes não fiquem insatisfeitos e vai realizar os cálculos necessários para os reajustes das tarifas. Nesse ponto, vale até ressaltar que eu resolvi isentar alguns amigos próximos da tarifa, então deles nada poderá ser cobrado. Ainda, somado a tudo isso, eu poderei alterar o contrato unilateralmente e obrigar o escolhido a aceitar as alterações.

Por fim, um último e não menos importante detalhe: a exploração durará 30 anos, mas em alguns anos minha família e eu estaremos de mudança. Os próximos donos da casa também ficarão apenas temporariamente. Assim, o escolhido vai precisar ter boas relações com todos eles.

Depois de tudo isso, o investimento ainda parece muito atrativo? Dificilmente a resposta será positiva.

O panorama é complexo. Por um lado, o dono da casa em nossa analogia pode ter uma certa sensação de segurança. No entanto, tanta segurança gera um outro risco relevante: o risco de seleção adversa. Ou seja, os entraves podem ser tão grandes que somente os empreendedores que desconheçam o panorama ou que o ignorem deliberadamente é que demonstrarão interesse na seleção. Com isso, expectativas podem ser frustradas, especialmente as da população usuária.

É claro que as preocupações do setor público também possuem fundamento. Os serviços concedidos normalmente não podem ser facilmente substituídos pelos usuários e, em razão dos altos investimentos iniciais, a exploração tende a ser mais interessante se feita por uma única firma. Portanto, é comum que seja formado um monopólio natural, que pode permitir abusos por parte das concessionárias. É por isso que existe a regulação.

Contudo, o risco institucional e o risco político ainda são altos para o setor privado e isso tem reflexos econômicos, já que os riscos também demandam precificação.

Não há ainda uma solução única que resolva por completo o problema. Inovações como o Novo Marco legal das Ferrovias (Lei nº 14.273/2021) representam bons avanços, inclusive no sentido da desregulação (já que a norma admite uma autorregulação dos serviços prestados). Entretanto, para cada setor devem ser pensadas soluções específicas que representem mais segurança para ambas as partes e atraiam bons interessados para a realização dos investimentos necessários. O fato é que o panorama precisa ser melhorado e isso demanda uma análise crítica e realista.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!