Quase lá

Julgamento de Cristina Kirchner chega à reta final na Argentina

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21 de novembro de 2022, 12h46

Entra na reta final o julgamento da vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, e de mais 12 pessoas. Todos são acusados por supostos crimes de corrupção em obras públicas entre 2003 e 2015, quando ela comandou o país.

Wikimedia Commons
A vice-presidente da Argentina terá a oportunidade de se defender oralmente perante o júri do Tribunal Federal 2 no dia 29 de novembro, aos juízes Jorge Gorini, Andrés Basso e Rodrigo Giménez Uriburu. Antes, no dia 25, os outros acusados também terão voz em audiências para fazer suas próprias defesas.

A autorização para que Cristina e os demais acusados proferirem suas últimas palavras no julgamento no "Caso das Rodovias", como é chamado o julgamento na Argentina, ocorreu em sessão judicial da corte da última sexta-feira (18/11). As audiências são virtuais.

Até meados de dezembro, o Tribunal Federal 2 marcará datas para concluir as oitivas e então emitir seu veredito final. Quando a decisão sair, atores políticos estarão se movimentando para emplacar candidaturas nas eleições presidenciais e legislativas do país.

Acusações
Cristina Kirchner é acusada pela promotoria de ser a suposta chefe de uma associação que cometeu ações ilícitas e de administração fraudulenta. Foi pedida uma pena de 12 anos de prisão e inabilitação política perpétua.

Pena semelhante foi pedida ao empresário Lázaro Báez, acusado de ter sido favorecido na atribuição de 51 contratos de licitações de obras para construção de rodovias na província de Santa Cruz entre 2007 e 2015, período em que Cristina comandava a presidência da República.

Entre os outros acusados estão o ex-ministro do Planejamento, Julio De Vido, e o ex-chefe da Direção Nacional de Rodovias, Nelson Periotti. As penas pedidas a eles pela promotoria pública variam de 5 a 10 anos de prisão para cada um.

Durante todo o processo judicial, iniciado em maio de 2019, o tribunal federal ouviu 114 testemunhas em 117 audiências. Foi interrompido por período de seis meses por causa da crise de Covid-19. As audiências foram retomadas em agosto de 2020, sempre de forma virtual.

A vice-presidente da Argentina goza de imunidade parlamentar, pois, segundo determina a Constituição do país, também é a presidente do Senado. Isso a isenta de ser detida ou politicamente inabilitada até que a Suprema Corte do país emita uma sentença final.

Celeridade
Os promotores públicos Diego Luciani e Sergio Mola, durante audiências em 14 e 15 de novembro, se recusaram a responder às alegações das defesas dos acusados. Afirmaram apenas ter ouvido "com muita atenção os argumentos de todas as defesas e daqueles que exerceram seu direito de legítima defesa".

O objetivo foi dar celeridade ao andamento do processo. Foram descartadas respostas à grande quantidade de argumentos apresentados pelos advogados de defesa, pedindo a absolvição de todos pela inexistência do crime.

Sergio Mola rejeitou a proposta de res judicata (coisa julgada, equivalente ao trânsito em julgado) da defesa do empresário Lázaro Báez. A defesa alegava que o julgamento aborda os mesmos fatos já analisados pela Justiça da província de Santa Cruz, que já havia julgado  as acusações improcedentes. Diego Luciani sustenta que a acusação "permanece absolutamente incólume".

O caso, ponto a ponto
Os promotores Luciani e Mola tiveram nove audiências para expor seu caso. A acusação argumenta que existe uma "matriz de corrupção que durou 12 anos e se tornou sistêmica e endêmica" na Argentina.

A procuradoria sustenta que a então presidente da República usou o cargo para fechar negócios com empresas privadas. Relata a existência de lista de obras que nunca foram encaminhadas ao Congresso Nacional e que teriam sido pagas com recursos federais, via administrativa.

Também alegam que obras nas rodovias teriam sido superfaturadas e depois abandonadas ou não concluídas integralmente, conforme previa o contrato de licitação. Que os contratos foram viabilizados por meio de decretos que teriam permitido a movimentação de orçamentos milionários, que por sua vez não teriam passado por controle dos organismos pertinentes. Esses contratos, por sua vez, não puderam ser cumpridos, apesar da alteração dos prazos de conclusão e aumentos dos custos. Além de tudo, para a promotoria, havia um sistema de simulação de licitação, que foi fraudada.

Tudo isso fez, segundo a acusação, com que o patrimônio dos envolvidos fosse aumentado por causa do desvio de dinheiro público.

A promotoria também apresentou uma lista com 18 operações comerciais entre o empresário Lázaro Baez e o casal Néstor e Cristina Kirchner. As operações envolveriam venda de imóveis, empréstimo de um milhão de dólares, troca de imóveis em cidades do interior, contratos de locação e operação de hotéis, entre outras.

O que diz Cristina
A vice-presidente considera que o processo judicial contra ela faz parte de perseguição política promovida pelo que chama de "partido judicial" que quer vê-la "presa ou morta". À imprensa local, ela disse que todo o processo mostra o uso de lawfare orquestrado pelo seu sucessor na presidência e adversário político, Mauricio Macri. Alega ainda que processos semelhantes já foram apreciados em outras cortes.

Em sua conta no Twitter, Cristina Kirchner disse que durante as acusações, sua defesa deixou "provas históricas e documentadas da refutação legal e factual de todas e cada uma das mentiras expostas pelos promotores (Diego) Luciani e (Sergio) Mola".

Também pelo Twitter, ela desafia os promotores ao compartilhar uma série de vídeos de seu canal no YouTube apresentando, ponto a ponto, argumentos mostrados durante as audiências contrapondo todas as acusações.

"Ah! Você não viu? Aqui deixo os 12 capítulos que deixam um registro histórico e documentado da refutação legal e factual de cada um dos as mentiras expostas pelos promotores Luciani e Mola."

A promotoria se usou no processo "desde reuniões que nunca existiram, até registros telefônicos onde só aparecem empresários macristas falando sobre licitações e redefinições de preços", alega.

Suspeição em paralelo
Ao mesmo tempo que transcorre o julgamento de Cristina Kirchner no "caso das rodovias", avança no Judiciário argentino uma outra ação, sobre o atentado contra a vida da vice-presidente, ocorrido em 1º de setembro quando ela chegava em casa, em Buenos Aires.

Na ocasião, o brasileiro Fernando Andrés Sabag Montiel puxou o gatilho de uma pistola por duas vezes perto da cabeça de Cristina. A arma não disparou e o homem foi preso.

Em 15 de setembro, a juíza federal María Eugenia Capuchetti abriu processo contra Sabag Montiel, preso preventivamente pelo crime de tentativa de homicídio com agravantes de uso de armas, traição e concordância premeditada de duas ou mais pessoas.

Alegando demora, irregularidades e arbitrariedades, Cristina pediu a impugnação da juíza Capuchetti. O principal argumento da defesa é o fato de que a juíza permitiu que a memória do celular do acusado fosse deletada.

"Esta denúncia detectou ações, no mínimo, negligentes por parte do juiz desde, literalmente, o primeiro dia de investigação. Essas situações teriam sido suficientes para que o inquérito fosse encaminhado a outro juiz. Ainda assim, a decisão foi confiar na imparcialidade da Dra. Capuchetti e que as falhas da investigação foram apenas erros", afirmaram José Manuel Ubeira e Marcos Aldazabal, advogados do vice-presidente neste caso.

Eles alegam ainda que quase dois meses após o atentado, "uma série de resoluções puramente arbitrárias e a total paralisia investigativa nos convenceram de uma manifesta parcialidade".

Capuchetti rejeitou o pedido de impugnação contra si. Agora, a Câmara Federal de Buenos Aires definirá o andamento do caso.

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