Opinião

Marco regulatório do fomento à cultura e as organizações sociais

Autor

  • Cecilia Rabêlo

    é advogada mestre em Direito e especialista em Gestão e Políticas Culturais e presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult).

21 de novembro de 2022, 17h08

O Projeto de Lei nº 3.905/21 [1], que estabelece o Marco Regulatório do Fomento à Cultura no Brasil, foi aprovado no último dia 10 de novembro, na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados em caráter conclusivo. Isso significa que o PL não precisa ir ao Plenário para se tornar lei, bastando a aprovação nas outras duas comissões designadas para análise, a Comissão de Finanças e Tributação e a Comissão de Constituição e Justiça.

O projeto visa ser a norma de fomento à cultura do país, regulamentando o repasse de recursos públicos à sociedade civil, com disposições claras sobre os editais de seleção, os instrumentos jurídicos adequados a cada caso e as regras de prestação de contas do uso do recurso público.

É certo que a norma, se aprovada, vai tapar um buraco imenso no ordenamento jurídico nacional, que não tem, atualmente, leis de âmbito nacional que regulem o fomento cultural. Os diversos problemas e entraves enfrentados pela gestão pública de cultura, e por quem participa do fomento como beneficiário, têm suas raízes profundamente arraigadas nessa omissão legislativa.

Em suma, o PL dá ao Poder Público uma "caixa de ferramentas", palavras usadas pelas pessoas que participaram da redação do texto (e de forma muito acertada), para que a gestão pública possa se valer de instrumentos jurídicos diversos, adequados à política pública de cultura que se deseja efetivar. Por exemplo; se a ideia é reconhecer os anos de produção artística de um coletivo, utiliza-se o Termo de Premiação; já se o interesse for fomentar a realização de um festival de cultura popular, o Termo de Execução Cultural seria o mais adequado.

A diferença não é simplesmente de nomenclatura. Os cinco instrumentos jurídicos criados pelo projeto de lei têm regras distintas de seleção dos beneficiários, de execução do recurso e de prestação de contas (uns, inclusive, nem contam com esta última etapa), em um verdadeiro regime próprio de fomento cultural. Tudo isso para que o Direito possa se ajustar à dinâmica do setor cultural, e não o contrário, como vem ocorrendo até hoje.

E não é somente o Poder Público, diretamente, que poderá se valer das inovações prometidas pelo PL. As OSs (organizações sociais) também poderão aderir ao regime próprio de fomento cultural, "em benefício da efetividade da implementação das políticas culturais", nos termos do artigo 46 do PL. As OSs são entidades privadas sem fins lucrativos que pactuam os denominados "Contratos de Gestão" com o Poder Público, objetivando realizar, com os recursos públicos transferidos a ela, ações de natureza cultural, social, educacional, na área da saúde, entre outros.

Muito comuns no âmbito cultural, as OSs estão ao lado do Poder Público realizando o fomento à cultura e, apesar de contarem com procedimentos mais simplificados na hora de executar os recursos (visto que são pessoas jurídicas de natureza privada), ainda enfrentam diversos problemas para efetivar a política cuja execução lhes é designada.

Isto porque, como dito, não há regras jurídicas claras, expressas e específicas sobre o repasse de recursos públicos a título de fomento cultural. Assim, as OSs precisam se valer de instrumentos jurídicos de natureza privada, com regras de direito privado, para repassar recursos públicos à sociedade. Problemas de tributação, de regras de seleção, de contratação dentre outros são desafios constantes na prática dessas entidades.

Quando não há regras claras e específicas, abre-se margem para a aplicação de normas estranhas ao campo cultural, interpretações que se utilizam de parâmetros em nada semelhantes à dinâmica do setor, e imposições impróprias, e até mesmo autoritárias, de regras, limites e sanções que causam mais problemas do que benefícios à efetivação dos direitos culturais.

O PL 3.905/21 não resolverá todos os problemas do campo artístico-cultural, mas com certeza será a base normativa que falta para que a gestão pública de cultura saia da insegurança jurídica e ganhe autonomia.

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Notas
[1] Disponível em:  https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2305816

Autores

  • é advogada, mestre em Direito e especialista em Gestão e Políticas Culturais e presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult).

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