Opinião

Tributação dos BDRs: Receita e investidores travam batalha inócua

Autores

  • Rodrigo Pires

    é advogado no escritório William Freire Advogados Associados pós-graduado em Direito Tributário pela FGV mestre em Direito pela PUC-MG e professor do IEC PUC Minas.

  • Urick Soares

    é tax consultant no escritório William Freire Advogados Associados e LL.M Tributário pela PUC Minas.

19 de novembro de 2022, 6h32

Por meio da recém publicada Solução de Consulta Cosit nº 39/2022 [1], a Receita Federal esclareceu seu posicionamento acerca da tributação do ganho proveniente da alienação de "Brazilian Depositary Receipts" (BDR) na bolsa de valores. A rigor, o órgão apenas reforçou o entendimento existente no mercado, não representando uma inovação quanto à tributação dos BDRs.

Porém, há um ponto interessante aqui, pois contribuinte e Receita Federal, vez sim e outra também, buscam estabelecer um debate quase que inócuo sobre a tributação por ganho líquido vs. a tributação por ganho de capital, quando se trata de bolsa de valores. Dessa vez, a tributação dos ganhos em alienação de BDRs foi o plano de fundo da discussão.

Como se sabe, os BDRs, também conhecidos no mercado como certificados de depósito de valores mobiliários, nada mais são do que títulos financeiros — emitidos por uma instituição financeira brasileira — que replicam e estão lastreadas em índices e/ou ativos emitidos por uma empresa situada no exterior [2]. O investidor que adquire um BDR não está adquirindo as ações daquela determinada empresa, mas sim títulos que representam os índices dessas ações e que são negociados na Bolsa de Valores do Brasil (B3).

Essa instituição financeira que emite, no Brasil, o certificado de depósito é a instituição depositária e tem a obrigação de adquirir, de fato, as ações da empresa estrangeira nas quais o título estará lastreado, de modo que essas ações fiquem depositadas e bloqueadas em um banco custodiante situado no exterior, a fim de que não haja qualquer descompasso entre os saldos dos BDRs oferecidos ao mercado e os saldos desses valores mobiliários originais [3].

Dessa forma, o investidor consegue manter em sua carteira de investimentos títulos que replicam os índices das ações de grandes empresas do exterior, como Microsoft, JP Morgan, Dell, Amazon, entre outras:

Emissora

Nível

Custodiante

Depositário

Espécie

Registro (Número)

Registro (Data)

MICROSOFT CORPORATION

NÍVEL 1

CITIBANK NA

 

AO

BDR/2010/00013

09/11/2010

Dell Inc.

NÍVEL 1

CITIBANK NA

CITIBANK DTVM SA

AO

BDR/2011/00023

31/10/2011

JP Morgan

NÍVEL 1

CITIBANK NA

 

 

BDR/2012/00008

04/01/2012

Amazon.com Inc.

NÍVEL 1

THE BANK OF NEW YORK MELLON

 

AO

BDR/2011/00001

15/06/2011

A finalidade deste instrumento é facilitar que o mercado nacional tenha acesso, ainda que indireto, ao mercado financeiro estrangeiro. É por essa razão que esses certificados vêm sendo muito utilizados pelos investidores brasileiros na diversificação do portfólio de investimentos.

Após essa breve, porém importante introdução, vamos ao que realmente interessa, de forma bastante objetiva.

Antes de tudo, é indispensável que o leitor entenda que a espinha dorsal dessa discussão está no artigo 22 da Lei nº 9.250/1995 e no artigo 3º, inciso I, da Lei 11.033/2004. O primeiro prevê a isenção do imposto de renda no ganho de capital auferido na venda de bens e direitos cujo preço, no mês da venda, não for superior a R$ 20.000,00, quando se referir a alienação de ações em mercado de balcão, e R$ 35 mil, nos demais casos.

Por sua vez, o dispositivo da Lei 11.033/2004 traz que os ganhos líquidos da pessoa física em operações no mercado de ações à vista feitos na bolsa de valores serão isentos de pagamento de imposto de renda, caso não superem R$ 20 mil.

Na Solução de Consulta Cosit nº 39/2022, o contribuinte (pessoa física) questionava a RFB sobre a interpretação da legislação referente à tributação dos ganhos provenientes da alienação desses BDRs na Bolsa de Valores. Em suma, duas foram as dúvidas submetidas:

i. "há isenção do IRPF quando da apuração do ganho de capital (ou ganho líquido) no que toca a operações de venda de BDR na bolsa de valores brasileira, quando o total desta, no mês da operação, for inferior a R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), nos termos do art. 22, inciso II, da Lei nº 9.250, de 1995?";
ii. "caso a resposta da primeira questão seja negativa, há algum outro limite de isenção do IRPF quando da apuração do ganho de capital (ou ganho líquido) relativo a operações de venda de BDR na bolsa de valores brasileira?"

O racional que fundamentou a resposta da RFB ao contribuinte se concentrou, basicamente, na distinção entre ganho líquido x ganho de capital. Por essa razão, a Cosit se valeu da Solução de Consulta nº 166/2021 [4], que, guardadas as devidas proporções, também se debruçou sobre as isenções do artigo 22 da Lei nº 9.250/1995 e do artigo 3º, inciso I, da Lei nº 11.033/2004, ambas relacionadas ao mercado financeiro.

Na ocasião, a dúvida do contribuinte girava em torno da tributação do ganho de capital em operações de alienação de preferência dos Fundos de Investimento Imobiliário (FII) e ações negociadas em bolsa:

"2. A questão versa sob a tributação do ganho de capital em operações de alienação de direitos de preferência de fundos de investimento imobiliário (FII) e de ações negociados em Bolsa de Valores.
3. Relata o consulente que em relação aos fundos de investimento imobiliário, ao analisar o que dispõe a Lei nº 8.668, de 25 de junho 1993, que instituiu a modalidade de investimento e regulou sua tributação pelo Imposto de Renda (IR), percebe-se que o legislador foi omisso quanto à tributação dos direitos de preferência negociáveis em bolsa de valores, tratando apenas dos rendimentos distribuídos e do ganho de capital na alienação das cotas
[…] 5. Ao final, questiona:
'1. É Isento do IR Ganho de Capital, até o limite de R$ 35.000,00 por mês, o resultado da alienação dos Direitos de Preferência de Fundos Imobiliários adquiridos em virtude de novas emissões de Fundos de Investimento Imobiliário do qual o contribuinte já é cotista?
2. Se não, qual a tributação aplicável nestes casos?
3. Os direitos de Preferência das ações são isentos do IR Ganho de Capital até o limite de R$ 20.000,00 mensais por se subsumirem à hipótese prevista no II do Art. 22 da Lei 9.250/95?'
" — (sem grifos).

A conclusão da RFB foi a de que a isenção do artigo 22, da Lei 9.250/1995 não se aplica às operações praticadas em bolsa, logo, se restringe às situações em que se apura o ganho de capital, que não pode ser confundido com o conceito de ganho líquido em renda variável, este último apurado por regras específicas nas operações de bolsa. Esse entendimento pode ser resumido da seguinte forma:

  • a isenção do artigo 22 da Lei 9.250/1995 não se aplica às operações praticadas em Bolsa, que possuem regra própria, e se restringe à situação em que se apura o ganho de capital, que é diferente do ganho líquido apurado em renda variável, conforme as regras específicas;
  • para o ambiente em Bolsa, aplica-se a tributação do ganho líquido, sendo este "o resultado positivo auferido nas operações realizadas em cada mês, admitida a dedução dos custos e despesas incorridos, necessários à realização das operações".
  • além disso, o inciso I do artigo 3º da Lei nº 11.033 [5], de 21 de dezembro 2004, traz previsão de uma isenção aplicável às operações de renda variável realizadas em bolsa de valores.

Quanto aos dois primeiros pontos, constata-se que a RFB fez uma importante distinção entre as operações praticadas em Bolsa, que possuem regra de tributação própria (ganho líquido) e as demais operações, estas sim sujeitas ao ganho de capital. Logo, considerando que as operações que envolvem os BDRs são praticadas na B3, estaria afastado o regime de tributação via ganho de capital.

Quanto ao terceiro ponto, a Receita entendeu que a isenção de R$ 20 mil se aplicaria aos "ganhos líquidos auferidos por pessoa física em operações no mercado à vista de ações nas bolsas de valores e em operações com ouro ativo financeiro". Como as operações com os BDRs são feitas no mercado à vista de bolsa, mas não representam, propriamente, operações com ações ou, naturalmente, com ouro enquanto ativo financeiro, a isenção deveria ser afastada.

Diante desse cenário, a Receita novamente reitera o seu posicionamento acerca da interpretação das regras tributárias isentivas aplicáveis às operações praticadas no âmbito do mercado financeiro, desta vez, voltada aos BDRs.


[1] RFB, SC Cosit nº 39/2022. Publicada no DOU de 5/10/2022. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=126441.

[2] CVM, Instrução CVM nº 332/2000. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/instrucoes/inst332.html.

[4] RFB, SC Cosit nº 166/2021. Publicada no DOU de 29/9/2021. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=120739

[5] Art. 3º — Ficam isentos do imposto de renda:

I – os ganhos líquidos auferidos por pessoa física em operações no mercado à vista de ações nas bolsas de valores e em operações com ouro ativo financeiro cujo valor das alienações, realizadas em cada mês, seja igual ou inferior a R$ 20 mil.

Autores

  • é gerente do departamento contencioso tributário do escritório William Freire Advogados Associados, advogado, mestre em Direito Público pela PUC-MG e professor universitário.

  • é tax consultant no escritório William Freire Advogados Associados e LL.M Tributário pela PUC Minas e cofundador do Centro de Estudos de Mercado de Capitais e Financeiro (Cemc).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!