Opinião

Perdas e danos e litigância climática

Autor

  • Paulo de Bessa Antunes

    é detentor da edição 2022 do Prêmio Elisabeth Haub de Direito Ambiental e Diplomacia professor associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros e ex-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

16 de novembro de 2022, 17h12

A COP 27 que está sendo realizada em Sharm el Sheik, no Egito, tem como um de seus principais pontos de discussão as "perdas e danos"  resultantes das mudanças climáticas globais. É um tema importantíssimo e apto a gerar grande controvérsia na esfera internacional e mesmo nacional.

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima [UNFCCC][2], em seu preambulo reconhece que "a mudança de clima da Terra e seus efeitos negativos são uma preocupação comum da humanidade" e demonstra preocupação "com que atividades humanas estão aumentando substancialmente as concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa, com que esse aumento de concentrações está intensificando o efeito estufa natural e com que disso resulte, em média, aquecimento adicional da superfície e da atmosfera da Terra e com que isso possa afetar negativamente os ecossistemas naturais e a humanidade".

A convenção define os efeitos negativos da mudança do clima como as mudanças no meio ambiente físico ou biota resultantes da mudança do clima que tenham efeitos deletérios significativos sobre a composição, resiliência ou produtividade de ecossistemas naturais e administrados, sobre o funcionamento de sistemas socioeconômicos ou sobre a saúde e o bem-estar humanos. Para efeitos de aplicação da UNFCC a mudança do clima é uma mudança que possa ser direta ou indiretamente atribuída à atividade humana que altere a composição da atmosfera mundial e que se some àquela provocada pela variabilidade climática natural observada ao longo de períodos comparáveis[3].

A conclusão lógica que se extrai das normas acima é que a mudança do clima causada, direta ou indiretamente, por atividade antrópica e capaz de causar danos a terceiros. Aqui é preciso chamar a atenção para o fato de que não se tratam de atividades antrópicas genericamente consideradas, mas de atividades econômicas (industrias, agrícolas, comerciais etc). Este esclarecimento é importante, pois no caso de serem cobradas responsabilidades é necessário que o causador do dano seja identificado.

É importante relembrar que desde a assinatura do acordo multilateral as emissões de gases de efeito estufa praticamente dobraram[4] e, na prática, a UNFCCC teve pouca ou nenhuma eficácia, salvo lançar luz sobre um problema que é real.  O tema relativo às perdas e danos sofridos pelos países em decorrência das mudanças climáticas está contemplado no artigo 8º[5] do Acordo de Paris[6] e que foram inicialmente formulados na COP 19 em Varsóvia, conhecidos como Mecanismo Internacional de Varsóvia para Perdas e Danos associados aos impactos das Mudanças Climáticas[7].

O mecanismo estabelece que as perdas e danos podem ocorrer em função de eventos graduais tais como (1) o aumento de temperatura, a (2) elevação do nível do mar, a (3) perda de diversidade biológica, (4) acidificação de oceanos, (5) diminuição de glaciares, (6) salinização, (7) degradação de solos e florestas e (8) desertificação. São também reconhecidos os eventos climáticos extremos, tais como (1) inundações, (2) secas, (3) ondas de calor etc.

No âmbito interno, a Lei nº 12.187/2009 que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima em seu artigo 3º e incisos estabelece que todos têm  o dever de atuar, em benefício das presentes e futuras gerações, para a redução dos impactos decorrentes das interferências antrópicas sobre o sistema climático; acrescentando que devem ser tomadas medidas   para prever, evitar ou minimizar as causas identificadas da mudança climática com origem antrópica no território nacional, sobre as quais haja razoável consenso por parte dos meios científicos e técnicos ocupados no estudo dos fenômenos envolvidos; e, ainda que  as medidas tomadas devem levar em consideração os diferentes contextos socioeconômicos de sua aplicação, distribuir os ônus e encargos decorrentes entre os setores econômicos e as populações e comunidades interessadas de modo equitativo e equilibrado e sopesar as responsabilidades individuais quanto à origem das fontes emissoras e dos efeitos ocasionados sobre o clima.

Tal contexto normativo indica o reconhecimento da relação de causa-efeito entre a emissão de gases de efeito estufa [GEE], mudanças climáticas e danos diversos ao ambiente, ecossistemas, pessoas e bens. Há, portanto, do ponto de vista jurídico, possibilidade de que os danos identificados possam ser objeto de medidas judiciais com vistas à sua reparação. O dano ambiental [climático] pode decorrer de atividades lícitas como é consensual na doutrina e na jurisprudência[8]. Assim, parece ser cada vez mais evidente que os chamados litígios climáticos tendem a se expandir[9] , com vistas a obtenção de reparação de danos passados e presentes, bem para que se evitem danos futuros. Observe-se que a lesão climática causada por determinadas atividades é repetida e contínua. A plataforma de Litigância Climática do Brasil indica o ajuizamento de 52 medidas judiciais relativas à questão[10]. Em nível internacional, já existem centenas de demandas judiciais tratando da matéria[11], tendo sido ajuizadas contra governos e empresas.

A COP 27 lança luz para um problema que é, cada vez mais, dramático e que tende a dominar a agenda judiciária no que se refere à defesa do meio ambiente e do sistema climático. Tanto no âmbito internacional quanto no nacional, a questão veio para ficar.

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[2] Incorporada ao direito brasileiro pelo Decreto 2652/1998

[3] Artigo 1º (1) e (2)

[5] Artigo 8º 1. As Partes reconhecem a importância de evitar, minimizar e enfrentar perdas e danos associados aos efeitos negativos da mudança do clima, incluindo eventos climáticos extremos e eventos de evolução lenta, e o papel do desenvolvimento sustentável na redução do risco de perdas e danos. 2. O Mecanismo Internacional de Varsóvia sobre Perdas e Danos associados aos Impactos da Mudança do Clima deve estar sujeito à autoridade e à orientação da Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Acordo, e poderá ser aprimorado e fortalecido, conforme determinado pela Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes deste Acordo. 3. As Partes deverão reforçar o entendimento, a ação e o apoio, inclusive por meio do Mecanismo Internacional de Varsóvia, conforme o caso, de maneira cooperativa e facilitadora, em relação a perdas e danos associados aos efeitos negativos da mudança do clima. 4. Por conseguinte, a atuação cooperativa e facilitadora para reforçar o entendimento, a ação e o apoio podem incluir as seguintes áreas: (a) Sistemas de alerta antecipado; (b) Preparação para situações de emergência; (c) Eventos de evolução lenta; (d) Eventos que possam envolver perdas e danos irreversíveis e permanentes; (e) Avaliação e gestão abrangente de riscos; (f) Mecanismos de seguro contra riscos, compartilhamento de riscos climáticos e outras soluções relativas a seguro; (g) Perdas não econômicas; e (h) Resiliência de comunidades, meios de subsistência e ecossistemas. 5. O Mecanismo Internacional de Varsóvia deve colaborar com os órgãos e grupos de especialistas existentes no âmbito do Acordo, bem como com organizações e órgãos especializados pertinentes externos ao Acordo.

[6] Decreto nº 9.073/2017

[8] Responsabilidade civil objetiva. Risco da atividade. A responsabilidade dos apelados baseia-se no risco da atividade e, no vertente caso, o dano pode decorrer de ato ou atividade lícita, sendo cabível a responsabilização do agente se o meio não absorve os impactos da atividade. A legalidade não afasta o dever de indenizar os danos provocados. .TJ-GO – AC: 02256778220058090087, Relator: DR(A). JOSE CARLOS DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 02/08/2016, 2ª  CAMARA CIVEL, Data de Publicação: DJ 2087 de 11/08/2016

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  • é detentor da edição 2022 do Prêmio Elisabeth Haub de Direito Ambiental e Diplomacia, professor associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros.

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