Tribuna da Defensoria

Vamos assinar a carteira de trabalho de Neymar? A relação atleta x seleção

Autores

  • Rafael Teixeira Ramos

    é professor de Direito da UniChristus advogado consultor jurídico na seara esportiva doutorando e mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra titular da cadeira nº 48 da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD).

  • Jorge Bheron Rocha

    é professor de Direito e Processo Penal doutor em Direito Constitucional pela Unifor (Capes 6) mestre pela Universidade de Coimbra (Portugal) com estágio de pesquisa na Georg-August-Universität Göttingen (Alemanha) especialista em Processo Civil pela Escola Superior do Ministério Público do Ceará defensor público do estado do Ceará e membro e ex-presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Ceará.

15 de novembro de 2022, 8h00

No dia 7 de novembro de 2022, o técnico da seleção brasileira, Tite, anunciou os nomes dos 26 jogadores que irão defender a Seleção Canarinho na Copa do Mundo de 2022, no Catar. A grande maioria do plantel é formada por jogadores que atuam em times estrangeiros, e alguns poucos que jogam por escretes nacionais. São eles: Alisson (Liverpool), Ederson (Manchester City), Weverton (Palmeiras), Danilo (Juventus), Alex Sandro (Juventus), Daniel Alves (Pumas), Alex Telles (Sevilla), Militão (Real Madrid), Marquinhos (PSG), Thiago Silva (Chelsea), Bremer (Juventus), Bruno Guimarães (Newcastle), Casemiro (Manchester United), Fabinho (Liverpool), Fred (Manchester United), Paquetá (West Ham), Everton Ribeiro (Flamengo), Neymar Jr (PSG), Vinicius Júnior (Real Madrid), Antony (Manchester United), Rodrygo (Real Madrid), Raphinha (Barcelona), Richarlison (Tottenham), Pedro (Flamengo), Gabriel Jesus (Arsenal) e Gabriel Martinelli (Arsenal).

A apresentação dos jogadores estava marcada para o dia 14 de novembro, e os jogos se estenderão até, no mínimo, dia 2 de dezembro, data do último jogo do Brasil pela primeira fase da competição, mas, a depender da performance da seleção, esta poderá atuar até a final, marcada para o dia 18 de dezembro de 2022.

Uma questão importantíssima é a de se analisar qual a natureza jurídica do vínculo entre estes 26 jogadores e a seleção brasileira durante os mais de 30 dias em que os atletas estarão buscando o inédito título do hexacampeonato mundial.

Conforme se verá adiante, este tempo de serviço do atleta na seleção canarinho carece dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego, quais sejam: pessoalidade, subordinação, remuneração (onerosidade), não eventualidade e alteridade.

De fato, a relação do atleta profissional, de qualquer modalidade esportiva, com a sua respectiva seleção se caracteriza como uma interrupção do contrato de trabalho com o seu atual empregador para uma prestação de serviço de natureza civil à respectiva confederação brasileira que rege a modalidade, conforme sempre se defendeu, embora o nosso sistema jurídico não delineie de maneira expressa a cessão como tal.

Tal raciocínio hermenêutico pode ser extraído do artigo 41, caput, da Lei nº 9.615/98 (Lei Pelé), que deixa livre a entidade de administração convocante (confederação da modalidade) e a entidade de prática cedente (clube empregador) para acordarem sobre a participação do jogador na seleção nacional.

Relembre-se que, interrupção do contrato de trabalho é a cessação provisória e parcial do vínculo contratual empregatício, pois apesar de o atleta empregado estar prestando serviço para a seleção do país e não ao seu clube empregador, durante este período, deve ser contado o tempo de serviço, estando obrigada a entidade empregadora cedente a pagar normalmente o salário do jogador cedido.

Assim, por um lado, diante do descrito no artigo 41, caput, da Lei Pelé, é até bastante plausível que a entidade empregadora desportiva recuse ceder o atleta à seleção, pois tal cessão deve ser transacionada e não imposta.

Nos serviços à seleção brasileira, os atletas convocados não são obrigados a servir a seleção, o que cinde com a pessoalidade e subordinação, pois os jogadores simplesmente podem recusar a convocação, seja por ato volitivo (vontade própria), como no caso Zé Roberto logo após a Copa de 2006, seja por atos contratuais impeditivos, como lesões ou negação do clube empregador.

Em nosso ordenamento jurídico há uma interessante previsão de que a confederação brasileira convocante deve indenizar o clube empregador pelos encargos trabalhistas durante o período de cessão do atleta para a seleção brasileira, independentemente da retribuição da prestação de serviço avençada entre entidade de administração convocadora e o jogador cedido (artigo 41, § 2o, da Lei Pelé).

Entretanto, a despeito de a prática revelar que a confederação convocante não indeniza os clubes, isso não descaracteriza a interrupção do contrato de trabalho, na medida em que a Lei Pelé descreve claramente se tratar de uma indenização dos encargos trabalhistas a ser repassados ao clube empregador cedente.

Outrossim, há de se verificar que os atletas cedidos para a seleção nacional são sustentados pelas confederações brasileiras convocantes e recebem prêmios pelas participações e conquistas em competições/jogos amistosos, uma espécie de retribuição pela prestação de serviço.

De tal maneira que, de uma forma ou de outra, o fator sócio-jurídico da remuneração (onerosidade) existe, mas em nenhum caso se enquadra nos moldes empregatícios.

Pode-se também dizer que a alteridade existe em parte pela confederação convocante, pois quando a entidade empregadora desportiva cede o atleta, de considerável maneira partilha da assunção dos riscos da prestação de serviço, uma vez que não é obrigada a cedê-lo, enquanto empregadora, detentora de contrato de trabalho com o jogador.

Ademais, o jogador apenas esporadicamente representa a seleção de seu país, não havendo tempo suficiente para caracterizar uma atividade habitual e duradoura, seja nos jogos amistosos (isolados), seja nos jogos em competições internacionais, como a Copa América, ou, no caso aqui analisado, a Copa do Mundo.

Inexiste, portanto, a característiva da não eventualidade, por mais que os atletas fiquem, por vezes, quase dois meses a serviço da seleção, sabe-se que este tempo exíguo não é o suficiente para configurá-la, especialmente porque a confederação convocante detém uma permissão de um clube empregador prévio para tomar os serviços do jogador cedido.

Em outra dimensão, o período de serviços à seleção nacional perdura desde a disposição do atleta à confederação convocante até a sua reintegração ao clube empregador cedente, com condições aptas ao exercício de sua atividade laboral (artigo 41, § 2°, da Lei Pelé), o que parece impor às confederações nacionais o dever de retornar o atleta cedido de maneira saudável para a continuação de sua prática laboral esportiva no clube cedente.

Para tanto, o que se pode depreender é a responsabilidade da confederação brasileira convocante em recuperar o atleta lesionado ou indenizar o clube empregador cedente para o custeio dos prejuízos com lesões adquiridas nas disputas pela seleção nacional.

No mesmo sentido, a reforçar a norma brasileira referenciada acima, desde a Copa 2014 no Brasil, a Fifa dispõe em seus regulamentos a responsabilidade das confederações convocantes sobre acidentes sofridos pelos atletas durante a copa do mundo, determinando a contratação de seguros, por suas atividades dentro e fora de campo, e estendidas a toda a comissão técnica e membros da delegação brasileira, no caso da participação em Copa do Mundo, conforme o regulamento da Copa do Mundo Fifa 2022.

E se o atleta não tiver um contrato de trabalho vigente com algum time, ou seja, se o atleta estiver desempregado?

Mesmo nestes casos, de absoluta excepcionalidade, o prazo prefixado de dois meses para um serviço por tempo determinado, específico e curto, não permite a extração de constância e habitualidade.

Além disso, deve-se lembrar que as competições ocorrem de quatro em quatro anos, sem garantia de que o atleta convocado para amistosos ou para as partidas classificatórias, será também chamado para a competição. Essas atividades econômicas são bem descontínuas e esparsas, merecendo mais a atração do contrato de prestação de serviço nos termos dos artigos 593 a 609 do Código Civil brasileiro.

Conclui-se, portanto, que os valorosos serviços prestados por Neymar e seus 25 companheiros de equipe verde amarela não se caracterizam como contrato de trabalho, não fazendo jus às anotações em suas carteiras, mas seus feitos e suas glórias serão exaltados na história do futebol mundial, quiçá com a consagração do hexacampeonato mundial.

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