Opinião

Ação de despejo por falta de pagamento na via arbitral

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  • Gabriel de Britto Silva

    é advogado especializado em direito imobiliário e participante da comissão de arbitragem do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ubradim) e da OAB/RJ.

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12 de novembro de 2022, 6h06

Como já de ciência da comunidade jurídica, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por meio do REsp 1.481.644, publicado no dia 19/8/2021, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que, a ação de despejo, em razão de sua natureza executória, é da competência exclusiva do Judiciário, mesmo quando existir compromisso arbitral firmado entre as partes.

Na mesma linha, concluiu a 28ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, de relatoria da desembargadora Angela Lopes (processo nº 1010994-17.2021.8.26.0008), através de acórdão publicado no dia 27/6/2022: "Afastamento da jurisdição arbitral em razão da natureza executiva da ação de despejo (…) o Juízo arbitral não tem jurisdição para conhecimento das chamadas ações executivas lato sensu, isto é, procedimentos em que não há cisão entre a fase cognitiva e satisfativa da demanda. Isso porque, como o árbitro não possui poder de imperium para determinar a realização de atos executivos, a análise dessas demandas não prescinde do crivo do juiz estatal. Ademais, dado o sincretismo entre o conteúdo cognitivo e propriamente executório, não é possível cindir o processo em uma etapa arbitral e uma etapa estatal".

É dentro desse cenário que se passa a dar a necessária e aprofundada luz ao tema.

A doutrina e a jurisprudência reconhecem a ação de despejo como uma ação executiva lato sensu, através da qual, ao final, será emitido mandado visando à desocupação do imóvel. No entanto, fundamental ter em mente que, a legitimidade do despejo está na desconstituição da relação locatícia, condição para o comando de desocupação. Assim, antes de determinar o ato executivo coercitivo (e, posteriormente, em caso de resistência, efetivá-lo), deverá ser prestada tutela constitutiva negativa de rescisão do contrato de locação.

O despejo é ação pessoal imobiliária com pretensão pessoal do locador de retomada da posse direta do imóvel, sendo o pedido imediato o provimento judicial com eficácia constitutiva negativa e executiva e o pedido mediato o desfazimento do contrato e a restituição do imóvel locado. Desta forma, o pronunciamento que desconstitui o contrato é o ato que torna ilegítima a posse do locatário. A retomada da posse direta do imóvel não é a pretensão, mas apenas a consequência do desfazimento do contrato de locação. O entendimento quanto à relevância da precedência da desconstituição do contrato com relação ao despejo é elementar, sem o qual gera-se os vícios constantes das decisões do STJ, do TJ-SP e do PL.

Deste modo, o árbitro poderá condenar o locatário a desocupar o imóvel fixando prazo para saída voluntária. Em caso de descumprimento, se fará necessária a medida coercitiva, neste caso, o despejo compulsório. Neste momento, e só neste momento, a intervenção estatal é medida que se impõe.

Ressalte-se que, embora a decisão do árbitro possa englobar comando executivo, a decisão não terá eficácia executiva e só através da execução do título executivo é que serão realizados os atos coercitivos pela jurisdição estatal no sentido da efetivação da decisão arbitral.

A ação de despejo não tem como escopo pura pretensão executória. Ela demanda dilação probatória. E, sendo ação executiva lato sensu, por possuir fase cognitiva inicial, até o momento executório de coerção, não apresenta qualquer diferenciação da tutela condenatória. Desta forma, só haverá necessidade de atuação judicial para a prática de atividade executiva em caso de resistência na desocupação.

Assim, embora o árbitro não possua o poder de imperium para fazer cumprir suas decisões, tal fato não importa à sua incompetência para julgar demandas de cunho executivo lato sensu.

O fato das providências de natureza coercitiva e executiva fugirem das atribuições do Juízo Arbitral, não leva à subtração do árbitro de seu poder de presidir a fase cognitiva ou de proferir a decisão final de mérito, ainda que esta possua eficácia executiva lato sensu. As decisões judicias emanadas do STJ e do TJ-SP acima explicitadas inobservam o caráter cognitivo das ações executivas lato sensu, e as confundem com uma ação de execução ou com a fase executiva do cumprimento de sentença do processo sincrético.

Destaque-se que, tanto árbitro, quanto o juiz togado, estão obrigados a conceder prazo para a desocupação voluntária do imóvel. O árbitro em razão da ausência do poder de imperium e o juiz de direito, fruto do artigo 65, Lei 8.245/91. E, não há qualquer atividade executiva sem a resistência do locatário.

Caso caiba a liminar de despejo, nos termos do artigo 59 da Lei de Locações, e a mesma seja deferida pelo árbitro, ele se valerá do expediente da Carta Arbitral, em caso de relutância, para que se faça cumprir a sua decisão.

É motivo de perplexidade que se esteja a caminhar jurisprudencialmente e legislativamente no sentido de negar o poder do árbitro de prestar tutela cognitiva de desconstituição do contrato e de comando de concessão de desocupação voluntária. O contexto estudado evidencia a clara necessidade de fortalecer os efeitos da convenção de arbitragem, tendo sempre como linha mestra o caráter consensual da cláusula compromissória, a preservação da vontade das partes e os poderes conferidos ao árbitro pela lei de arbitragem.

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