Opinião

Mudança de critério jurídico na revisão aduaneira

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10 de novembro de 2022, 11h08

O despacho aduaneiro de importação tem início com o registro da declaração de importação (DI) pelo importador no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex). Na DI, o importador deve informar a descrição da mercadoria importada, sua classificação fiscal, os tributos devidos, dentre outros elementos. Na sequência, a declaração é parametrizada para um dos canais de conferência da Receita Federal: verde, no qual há o processamento automático pelo sistema; amarelo, no qual há conferência dos documentos de importação por um fiscal da Receita; ou vermelho, no qual há a conferência documental e física das mercadorias importadas. Há ainda o canal cinza, utilizado em caso de suspeitas de fraude.

No curso do despacho nos canais amarelo, vermelho e cinza, a fiscalização analisará, efetiva e manualmente, a conformidade da operação e, em caso de irregularidades, apresentará exigências no Siscomex para que o importador preste esclarecimentos ou retifique a DI. Conforme o caso, exigirá também que efetue o pagamento de tributos e multas, sendo que, nessa hipótese, havendo discordância do importador, a fiscalização lavrará auto de infração, dando início ao contencioso administrativo. Porém, caso seja constatada a regularidade da operação, o fiscal deverá concluir despacho e liberar a carga.

Nos cinco anos subsequentes ao registro da DI, a legislação também prevê a possibilidade de realização da chamada revisão aduaneira, na qual a fiscalização pode identificar irregularidades e efetuar o respectivo lançamento.

A questão que se coloca é se a autuação, em sede de revisão aduaneira, pode ser caracterizada como mudança de critério jurídico, em violação ao art. 146 do Código Tributário Nacional (CTN), hipótese em que a fiscalização, em exceção, não poderia fazer o lançamento.

A jurisprudência tem se consolidado no sentido de que não há mudança do critério jurídico quando o lançamento ocorre em revisão aduaneira de mercadoria parametrizada no canal verde. Isso porque, nesse canal, há mero processamento dos dados pelo sistema. Não haveria aqui qualquer "critério jurídico adotado pela autoridade administrativa no exercício do lançamento", sendo possível, portanto, a revisão no prazo de cinco anos do registro da DI.

O cenário é diferente nos casos de canal amarelo, vermelho e cinza, nos quais, como dito, há efetiva fiscalização por parte de um auditor-fiscal sobre os documentos e, conforme o caso, a conferência física sobre a própria mercadoria importada.

Parte da jurisprudência entende que nesses casos tampouco haveria mudança do critério jurídico, diante da ausência de homologação expressa do lançamento e, portanto, do "exercício do lançamento" mencionado no artigo 146 do CTN. Ademais, argumentam que o despacho aduaneiro tem sido cada vez mais focado na fiscalização de infrações graves, com o objetivo a dar celeridade no procedimento na alfândega e com a concentração da fiscalização das demais infrações em sede de revisão aduaneira, de modo que não seria razoável vedar essa revisão em sua totalidade.

O foco da fiscalização aduaneira sobre potenciais infrações graves contribuem para que mais de 95% das DIs sejam parametrizadas para canal verde. Não obstante, as DIs selecionadas para os demais canais de conferência devem ter sua regularidade verificada de acordo com os parâmetros estabelecidos na legislação, não havendo previsão legal que autorize a fiscalização a realizar uma conferência parcial à sua discricionariedade. A adoção de um critério jurídico no exercício do lançamento, prevista no artigo 146, do CTN, não pode compreender unicamente os casos em que há constatação de irregularidade da operação e é efetuado o lançamento fiscal. A fiscalização também adota critérios jurídicos ao conferir e constatar a regularidade da operação durante o despacho aduaneiro, sendo fundamental preservar a segurança jurídica decorrente dessas conferências.

A ausência de homologação expressa sobre cada informação apresentada na DI não pode indicar que a fiscalização não teria analisado seus aspectos. Isso porque apenas ao constatar a regularidade da operação  considerando documentação e, conforme o caso, a inspeção física realizadas , a fiscalização pode concluir o despacho, de modo que o desembaraço aduaneiro tem implícito o exercício do lançamento. Tal interpretação é reforçada pelo fato de que muitas vezes são feitas exigências no Siscomex, solicitando informações e documentos adicionais que visam justamente confirmar determinados aspectos das informações prestadas na DI (por exemplo, catálogos do produto que confirmam a classificação fiscal adotada). Se o despacho aduaneiro for concluído após os esclarecimentos, não há dúvidas que houve concordância da fiscalização, ainda que de maneira tácita.

O argumento acerca da celeridade do despacho aduaneiro também é prejudicado pelo fato de que há mecanismos que permitem a liberação da mercadoria importada sem prejuízo à fiscalização aduaneira justamente para que seja dada a devida celeridade na alfândega. Tal situação ocorre, por exemplo, em caso de necessidade de análise laboratorial da mercadoria importada. Nessa hipótese, a carga poderá ser liberada mediante a assinatura de Termo de Entrega de Mercadoria Objeto de Ação Fiscal, o que permite eventual autuação assim que os resultados laboratoriais forem obtidos.

Evidentemente, deve-se ressalvar o direito de a fiscalização efetuar o lançamento relativo a infrações que tenham sido apuradas em decorrência de fatos novos ou desconhecidos à época do despacho aduaneiro. Tais hipóteses podem ocorrer, por exemplo, no caso de uma inspeção física posterior ao despacho de mercadoria parametrizada em canal amarelo, ou pela ocorrência de eventos posteriores ao desembaraço, tais como a incorreta destinação da mercadoria, em desacordo com os requisitos de eventual regime aduaneiro especial pleiteado. Também deve ser ressalvada a fiscalização em sede de revisão aduaneira de aspectos para os quais haja expressa vedação legal de conferência no desembaraço, como é atualmente o caso da valoração aduaneira, bem como em caso de constatação de fraude.

Ademais, os efeitos do critério jurídico estabelecido no despacho aduaneiro não devem se limitar apenas à operação objeto de conferência.

De fato, não seria razoável aceitar a impossibilidade de lançamento em sede de revisão aduaneira de uma DI parametrizada em canal vermelho e desembaraçada sem questionamentos, mas permitir que todas as demais importações do mesmo operador, relativas à mesma mercadoria sejam objeto de autuação fiscal nessa mesma revisão. Em que pese o direito da fiscalização de exigir nova conduta do importador caso apurada uma irregularidade, essa somente poderia ser exigida para importações futuras. Ao ter determinados aspectos de sua operação aceitos pela fiscalização, é natural e lógico que o importador adote o mesmo comportamento para suas demais importações, devendo ser respeitada a boa-fé em sua conduta e a segurança jurídica nas operações de importação.

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