Pequenas grandes causas

Desembargadores apontam caminhos para reduzir litigiosidade de consumo

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10 de novembro de 2022, 9h39

Desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo presentes ao lançamento do Anuário da Justiça São Paulo 2022, na terça-feira (8/11), avaliaram a alta litigiosidade de consumo presente hoje no tribunal. Eles creem que, com mecanismos de conciliação e de auditoria interna, a judicialização atual, que está no ápice, deve começar a diminuir.

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Golpes bancários são uma grande preocupação para a corte paulista
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Segundo informações divulgadas na nova edição do Anuário, a partir de levantamento do TJ-SP, dos dez temas que o tribunal mais julgou no ano passado, cinco dizem respeito a demandas do consumidor. Em primeiro lugar, com 67 mil casos julgados em 2021, estão as ações ajuizadas por consumidores contra bancos.

Analisando-se essas causas envolvendo Direito do Consumidor e bancos, percebe-se que o público está sendo vítima de variados golpes. Os desembargadores estão julgando muitos casos em que usa-se de forma fraudulenta o nome de um correntista para se obter empréstimos bancários. Esse é o campeão de casos.

Embora há pouco tempo julgando a matéria na seção de Direito Privado da corte, pois sua especialização foi em vara de Fazenda Pública até a chegada ao TJ-SP, o juiz Emílio Migliano Neto conta que vem percebendo que os bancos estão preocupados em resolver essa questão de uma forma interna, pois está sendo revelada uma fragilidade dos seus sistemas, que acaba contribuindo para esse tipo de ocorrência.

"Eles estão cientes e estão se aprimorando. Estamos percebendo pelos próprios julgamentos, nas sustentações orais dos advogados dos bancos, em que eles revelam essa preocupação das instituições bancárias", conta Migliano Neto.

O juiz avalia que essas fraudes bancárias são coisas "da criminalidade de momento", mas ele tem certeza de que isso logo vai ser superado. "É questão de momento, como todas as questões que nos chegam, elas têm um ápice e acredito que estejamos vivendo esse ápice —, mas estão sensibilizando todos os envolvidos na questão para se tomar medidas preventivas. É isso o que estamos vendo. Acredito que essa litigiosidade deve acabar diminuindo sensivelmente."

De acordo com a análise de tendências do Anuário, a jurisprudência do tribunal, no geral, tem sido rigorosa e benéfica ao consumidor nesses casos, que geralmente acabam vitimando pessoas muito frágeis, como aposentados e pensionistas. O Anuário verificou nas fundamentações que, havendo perícia grafotécnica que comprove falsificação de assinatura de contrato de empréstimo, não há como os bancos não se responsabilizarem pela restituição.

Migliano ainda comentou que juízes de primeiro grau têm tido muita preocupação com a instrução desses processos. "Isso facilita o julgador de segundo grau a analisar o caso. A discussão no TJ envolve às vezes o valor da indenização por dano moral e se é cabível ou não, a depender do caso."

Em busca da conciliação
Arthur Beretta da Silveira, presidente da Seção de Direito Privado do TJ-SP, conta que a corte está trabalhando muito fortemente com as instituições financeiras para incentivar a conciliação, a fim de evitar as ações.

"Isso para que os bancos, principalmente em algumas situações, nem ajuízem ações, não contestem e muito menos recorram. Trabalho que vem sendo feito pelo desembargadores Roberto Mac Cracken, Maria Lúcia Pizzotti e Irineu Fava, tudo com o apoio do presidente Ricardo Anafe. Há uma esperança de diminuirmos um pouco a litigiosidade dessa área de instituições financeiras atrelada ao consumidor."

Para o desembargador João Francisco Moreira Viégas, que foi promotor e procurador do Ministério Público paulista antes de ingressar no TJ, a litigiosidade se percebe em todos os setores. "Acredito que isso se deve muito também ao próprio feitio do brasileiro."

Ele avalia que há uma necessidade grande de mais ações coletivas. "Poderia ajudar muito, principalmente na área de fornecimento de remédios, uma ação que poderia se fazer de forma mais abrangente, mas não temos percebido. Acho que o caminho vai ser esse. Mas as súmulas do tribunal e os entendimentos repetitivos do STJ e do Supremo também ajudam muito", afirma Viégas, que é da subseção que julga planos de saúde.

Rafael Pitanga Guedes, primeiro subdefensor público-geral de São Paulo, conta que sua instituição tem um trabalho muito forte de fomentar as soluções extrajudiciais e que há uma parceria entre TJ e Procons para encaminhar os casos aos Cejuscs e aos órgãos da Defensoria que fazem mediação e conciliação.

"Hoje em dia todo mundo é consumidor, mas essas demandas atingem sobretudo aqueles mais hipossuficientes, que muitas vezes não sabem ler, não sabem acessar a Justiça. Esse volume de judicialização passa muito pela Defensoria, com o desafio de criar um pouco uma mudança cultural, as pessoas terem cada vez mais a capacidade de dialogar, de conciliar, de resolver os conflitos sem a necessidade de intervenção de um advogado, de um defensor, promotor e do sistema de Justiça."

Perguntado sobre o uso de expedientes coletivos, ele diz que isso também é papel da Defensoria, mas afirma que muitas vezes não é necessária a judicialização. "Precisamos também participar das criações da sociedade, ou seja, mais do que reclamar que uma lei é ruim, é participarmos na construção de uma política pública melhor. Postular direitos num contato extrajudicial com autoridades públicas. A ação civil pública é um instrumento, mas no nosso dia a dia cada vez mais a Defensoria foca na articulação prévia."

"Reconhecemos que há uma judicialização muito massiva. A própria Defensoria, quando olha para a capital, tem um canal para buscar uma solução coletiva para as vagas em creches, por exemplo, embora ainda tenha de fazer 20 mil ações individuais de vaga em creche, como fizemos há alguns anos. Talvez o nosso papel coletivo seja até o maior desafio, em face do individual", finaliza Guedes.

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