Opinião

É possível pagar tributo com criptomoeda?

Autor

  • Paula Stemberg

    é mestra em Direito do Estado pela UFPR advogada professora universitária licenciada e conselheira na Junta de Recursos Administrativos-Tributários da Prefeitura Municipal de Curitiba (PR).

9 de novembro de 2022, 19h14

Muito se tem questionado sobre quais tributos devem incidir sobre as operações com criptomoedas. Mas, recentemente, a partir da novidade da Prefeitura do Rio de Janeiro, ressurge outra pergunta: "é possível pagar tributos com criptomoedas"?

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O contexto é datado em 25 de março desse ano, quando a prefeitura carioca anunciou a sua intenção de criar um mecanismo de pagamento do IPTU por meio de criptomoedas. E a promessa ganhou corpo com a publicação do Decreto nº 51.498 de 10 de outubro de 2022, que autorizou o credenciamento de empresas especializadas na conversão desses ativos em real, para aderirem à prestação gratuita de serviços de recebimento de guias do imposto predial.

Daí o primeiro esclarecimento, o pagamento a prefeitura não será feito com criptomoeda, mas em real, visto que o pagamento será realizado em duas etapas. Num primeiro momento o contribuinte transfere suas criptomoedas para determinada empresa credenciada junto à administração no valor equivalente ao montante em real do valor devido à título de IPTU. Num segundo momento, depois de realizada a conversão daquele tipo de criptomoeda em real, a empresa credenciada repassa o valor em real para uma conta bancária da prefeitura.

E não poderia ser de outra forma.

O artigo 3º, do CTN, no intuito de conceituar tributo indica para alguns elementos que o caracterizam: "Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada".

Nessa tentativa de conceituação, vincula o tributo à sua forma de pagamento: em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir.

Em moeda
Juridicamente não temos uma conceituação sobre o que é moeda.

Porém, a diretriz dada pela Constituição é que compete exclusivamente à União a emissão de moeda (artigo 21, VII).

Nesse sentido, a Lei nº 9.069/1995 estabelece o real como a unidade do Sistema Monetário Nacional que passou a circular a partir de 1º de julho de 1994.

Além do mais, segundo o Código Civil, no artigo 315, "As dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subsequentes", e no artigo 318, "São nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da moeda nacional, excetuados os casos previstos na legislação especial".

Note-se, ainda, que além de todas essas vinculações da legislação tributária à moeda real, sob ponto de vista da economia, ainda se discute se criptomoedas podem ser consideradas como moedas, embora algumas já tenham sido oficialmente adotadas por países como El Salvador e República Centro-Africana.

O artigo 156, do CTN, prevê em seu inciso I que o pagamento é uma das formas de extinção do crédito tributário, em que pese o artigo 162 preveja além da moeda corrente, o cheque, que registra o compromisso da transferência do valor para pagamento em moeda corrente do titular à outra pessoa, e os obsoletos vale postal, que transfere fundos de uma localidade à outra, a estampilha e papel selado ou por processo mecânico, que eram formas de pagamento do imposto do selo, não mais existente, também como formas de pagamento.

Cujo valor nela se possa exprimir
Também no artigo 156 elenca como forma díspar de extinção do crédito tributário a dação de bens imóveis:

XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei.

Ocorre, por exemplo, nos casos em que bens são aceitos pelo Fisco como forma de quitação dos tributos. O caso típico já previsto no artigo 156, XI do CTN são de bens imóveis, mas isso também pode ocorrer com mercadorias, por exemplo, para fins de quitação de ICMS, dependendo de lei que o estabeleça.

Nesses casos, embora se expressem em moeda corrente, a quitação com a extinção do crédito é dada com a entrega daquilo que não é a moeda em si. É o caso que mais se aproxima de uma eventual quitação de crédito tributário por meio de criptomoedas.

Veja-se, além disso, e ainda no artigo 156, do CTN, que as demais formas de extinção do crédito tributário nas quais há reconhecimento do crédito fazendário [1], vinculam-se necessariamente à moeda:

II – a compensação;

Também autorizada pelo artigo 170, do CTN, só ocorre quando a Fazenda Pública credora e devedora é a mesma. Ou seja, se o crédito é contra a União, só pode ser compensado com o débito havido pelo contribuinte em favor da União, e não de um estado ou município. Nessa forma de extinção do crédito, os valores que contribuinte e fisco têm entre si também são expressos em moeda corrente — diretamente, ou por meio da conversão da medida de valor/ unidade fiscal utilizada pelo Fisco.

III – a transação;

Nos moldes do artigo 171, importa nas concessões recíprocas que terminam o litígio, e envolvem pagamentos em moeda corrente.

VI – a conversão de depósito em renda;

Nessa modalidade de extinção os valores em moeda corrente já foram resguardados enquanto se discutia judicialmente o crédito tributário.

VII – o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;

Trata-se da hipótese do inciso I, realizado anteriormente à homologação do lançamento nos casos dos tributos sujeitos a esse tipo de lançamento.

VIII – a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164;

A consignação do pagamento garante o direito de pagar o tributo após resolvido judicialmente o que causou dúvida sobre o crédito, como previsto nos incisos I a III do artigo 164, do CTN. A consignação também é feita em moeda corrente.

Portanto, enquanto as criptomoedas não forem regulamentadas e aceitas como moeda corrente para além do real (e para tanto deveria ser emitida pela União), ou não forem elencadas como hipótese legal de extinção do crédito tributário, não poderão ser aceitas como tal.

E, assim, o pagamento de tributo deverá ser, na vigência atual do sistema tributário, em moeda, e qualquer outra forma de pagamento só pode ser realizada se intermediada por quem converta a quantidade do ativo em questão na moeda corrente — por enquanto, bom que se lembre, exclusivamente o real.


[1] Excluídas, então, as hipóteses dos incisos IV e V:
IV – a remissão – Quando há perdão da dívida por parte do Fisco.
V – a prescrição e a decadência – Regulados pelos arts. 173 e 174, reconhecendo a perda do direito de ação ou do próprio direito, em razão do decurso do lapso temporal legalmente fixado.

Autores

  • é mestra em Direito do Estado pela UFPR, advogada da área de contencioso judicial tributário na Tahech Advogados, professora do curso de Direito na Unifatec-PR e conselheira na Junta de Recursos Administrativos-Tributários da Prefeitura Municipal de Curitiba (PR).

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