Opinião

Reincidência e agravamento de multas ambientais na redação do Decreto 11.080

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9 de novembro de 2022, 17h11

No dia 24 de maio deste ano, o Decreto Federal 6.514/08, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, sofreu 136 alterações pelo Decreto 11.080, dentre elas, quanto a possibilidade de agravamento da multa em dobro ou triplo quando o infrator cometer nova infração no período de cinco anos, período esse que passou a ser contado da decisão condenatória definitiva, e não mais da data da lavratura do anterior auto de infração ambiental confirmado em julgamento de primeira instância administrativa, devendo pois, retroagir para afastar agravamentos já realizados em processo que pendem de decisão definitiva.

Após a publicação da Lei Federal 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), foi editado o Decreto Federal 3.179/1999, o qual regulamentou o artigo 70 da referida Lei Federal 9.605/98, e descreveu quais seriam as condutas que mereceriam reprimenda por parte da Administração Pública. Referido decreto inovou no ordenamento jurídico ao prever novos institutos, tal como o agravamento da multa em caso de reincidência, que pode ser realizado em dobro (para cometimento de infração diversa) ou triplo (para cometimento da mesma infração).

Posteriormente, o Decreto Federal 3.179/99 foi revogado pelo Decreto Federal 6.514/08, mantendo-se a possibilidade de agravamento, com o objetivo de auxiliar, garantir a eficácia e efetividade da aplicação das sanções ambientais por meio de mais severidade da penalidade. Entretanto, ambos os decretos extrapolaram os limites de sua competência ao inserir disposição sancionatória não prevista previamente pelo Poder Legislativo, notadamente por meio da Lei Federal 9.605/98.

De fato, a Lei Federal 9.605/98, ao dispor a respeito das sanções aplicáveis às infrações administrativas, em nenhum momento previu a modalidade de agravamento, sequer mencionando a possibilidade de que houvesse incremento no valor da multa ambiental em virtude de conduta reincidente. Assim, se não há na Lei Federal 9.605/98 a possibilidade de agravamento das penalidades tipificadas (tampouco em casos de reincidência), mero Decreto com o fim de regulamentar a aplicação da Lei evidentemente não poderia ir além. Não custa lembrar que, de acordo com o princípio da legalidade (positivado pelo artigo 5º, inciso II, da Constituição da República), é inaceitável que se criem novas obrigações/sanções/disposições se não em virtude de lei.

Realmente, a despeito da louvável tentativa de previsão de instrumento de agravamento da sanção ambiental como meio de maximizar a proteção ao meio ambiente, tal modificação do preceito sancionatório, notadamente da alteração dos limites das multas ambientais previstas em lei, não encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio.

Seja legal ou ilegal do ponto de vista doutrinário, fato é que obedecido o procedimento e possibilitando ao autuado o direito de se manifestar, a jurisprudência reconhece cabível o agravamento da multa ambiental em dobro ou triplo quando o infrator é reincidente.

O agravamento da multa ambiental ocorre quando cometida nova infração no período de cinco anos, que, de acordo com recentes alterações do Decreto 6.514/08, passou a ser contado do momento da decisão definitiva, e não mais da data da lavratura do auto de infração ambiental confirmado em julgamento.

No que se refere ao procedimento de agravamento das sanções pecuniárias, o disposto no artigo 11 do Decreto Federal 6.514/08 — antes de ser alterado em 24 de maio de 2022 , previa a possibilidade de agravamento da multa em razão de reincidência quando a autuação anterior tiver sido confirmada por decisão administrativa julgadora de primeira instância, ou seja, independente de trânsito em julgado, verbis:

"Artigo 11. O cometimento de nova infração ambiental pelo mesmo infrator, no período de cinco anos, contados da lavratura de auto de infração anterior devidamente confirmado no julgamento de que trata o artigo 124, implica: (revogado pelo Decreto 11.080, de 2022)."

O mencionado artigo 124, não há dúvidas, é o de primeira instância, realizado após o oferecimento ou não a defesa. Depois disso, inclusive em sede recursal, o agravamento da penalidade por reincidência não poderia ser aplicado, conforme previa o revogado §3º do artigo 11 do mesmo diploma. Desse modo, caso o auto de infração ambiental fosse julgado procedente em primeira instância, a data de sua lavratura seria o termo inicial para o cômputo de eventual reincidência e agravamento da multa.

Assim, tendo o infrator cometido nova infração ambiental no período de cinco anos contados da data da lavratura do auto de infração anterior e desde que tenha sido julgado e confirmado em primeira instância, bastava fazer prova de tal condição no novo processo administrativo para que a multa fosse majorada em dobro ou triplo para justificar a reincidência.

A intenção do Executivo foi claramente a maximização da proteção do meio ambiente ao prever a simples data da lavratura do auto de infração confirmado em julgamento de primeira instância como condição para o agravamento da sanção administrativa, em que pese também ilegal, pois somente a decisão definitiva em processo sancionador — assim como ocorre no Direito Penal —, poderia servir para agravar a pena do agente que comete novo ilícito.

Entretanto, apesar de tal intenção prevalecer, parece-nos que o intuito do Executivo foi adequar o regulamento ao preceito de que a reincidência é conceituada como a prática de uma nova infração após o agente já ter sido condenado definitivamente por infração anterior, daí porque a nova redação do artigo 11, dada pelo Decreto 11.080, de 2022, passou a considerar a data em que a decisão administrativa condenatória se torne definitiva, e não mais a data da lavratura do auto de infração confirmado em decisão administrativa precária, porque esta é passível de reforma através de recurso. O dispositivo em análise dispõe:

"Artigo 11. O cometimento de nova infração ambiental pelo mesmo infrator, no período de cinco anos, contado da data em que a decisão administrativa que o tenha condenado por infração anterior tenha se tornado definitiva, implicará: I – aplicação da multa em triplo, no caso de cometimento da mesma infração; ou II – aplicação da multa em dobro, no caso de cometimento de infração distinta."

Na nova redação do § 1º do dispositivo em questão, "o agravamento será apurado no procedimento da nova infração, do qual se fará constar certidão com as informações sobre o auto de infração anterior e o julgamento definitivo que o confirmou". Por seu turno o §2º dispõe que "constatada a existência de decisão condenatória irrecorrível por infração anterior, o autuado será notificado para se manifestar, no prazo de dez dias, sobre a possibilidade de agravamento da penalidade".

A interpretação do caput do artigo 11 e dos parágrafos 1º e 2º não demanda grandes esforços de hermenêutica jurídica, pois somente poderá ser utilizada para fins de agravamento da multa ambiental por reincidência, a decisão administrativa que tenha se tornando definitiva, ou seja, irrecorrível, assim considerada quando a esfera administrativa é esgotada. Além disso, somente se subsume ao agravamento, a nova infração — e não a data da lavratura da autuação — cometida no período de cinco anos contatos da decisão definitiva.

Antes da alteração do artigo 11 do Decreto 6.514/08, ao julgar o auto de infração ambiental, bastava que a autoridade de primeira instância verificasse a existência de anterior auto de infração confirmado em julgamento para fins de agravamento da multa por reincidência em dobro ou triplo, enquanto a nova redação do referido dispositivo somente autoriza a aplicação do agravamento para novas infrações cometidas após o esgotamento da esfera administrativa, pois só aí ter-se-á uma decisão definitiva.

Suponha-se que o infrator seja autuado dez vezes entre maio de 2022 e dezembro de 2023, por cometer sucessivas infrações ambientais, sejam elas genéricas ou específicas, instaurando-se os competentes processos administrativos. Imagine, agora, que em todos esses processos o autuado apresentou sua defesa, a qual será objeto de julgamento em primeira instância, e quando indeferida, interpõe recursos contra todas as decisões julgadoras que confirmaram o auto de infração, obstando assim, a existência de decisão definitiva em todos eles.

Antes da alteração do artigo 11 do Decreto 6.514/08, utilizando-se o exemplo acima, bastava que o primeiro dos dez autos de infração ambiental fosse julgado em primeira instância para que todos os outros nove autos tivessem a multa ambiental agravada por reincidência. Agora, porém, somente poderá ser utilizada para fins de agravamento as infrações ambientais praticadas em data posterior à existência de decisão definitiva.

Ou seja, no nosso exemplo, sobrevindo decisão definitiva em qualquer um dos dez processos somente depois do cometimento da última infração, nenhum deles poderá sofrer agravamento, porque além de ser vedado agravar a multa em sede recursal, o marco inicial da reincidência é a prática de novas infrações a partir da decisão definitiva, e não infrações cometidas em período anterior como era na antiga redação do artigo 11 em estudo.

Além disso, importa realçar que a reincidência incide no período de cinco anos entre a data em que a decisão administrativa que o tenha condenado por infração anterior tenha se tornado definitiva e a data em que o agente praticou a nova infração, e não a data da lavratura da autuação, e sendo a nova norma mais benéfica, deve retroagir para afastar agravamentos já realizados em processos administrativos pendentes de decisão definitiva e que portanto, não transitaram em julgado.

Sobre o conceito de decisão definitiva para fins de estabelecer a revisão de agravamentos já realizados, vale rememorar a decisão do Recurso Especial Repetitivo 1.115.078/RS (tema 329), que originou a Súmula 467, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo a qual "prescreve em cinco anos, contados do término do processo administrativo, a pretensão da Administração Pública de promover a execução da multa por infração ambiental".

Com base nisso, extrai-se que julgado o processo administrativo em primeira instância, condenando o infrator autuado, será ele notificado para pagar a multa no prazo de cinco dias, a partir do recebimento da notificação, ou para interpor recurso no prazo de 20 dias (artigo 126 do Decreto 6.514/08), e caso não o faça, ao término do prazo recursal (21º dia) ter-se-á uma decisão definitiva, cabível de ser utilizada para fins de agravamento se o infrator cometer nova infração ambiental nos próximos cinco anos dali contados.

Por outro lado, se interposto o recurso, quando este for julgado, o recorrente (infrator) também é notificado do seu improvimento, bem como, do esgotamento da esfera administrativa e para pagamento da multa no prazo assinalado na notificação, de cinco dias, e decorrido este, ter-se-á no 6º dia uma decisão definitiva passível de agravar eventual nova infração nos próximos cinco anos.

Assim, utilizando-se por analogia a Súmula 467 do STJ da qual se extrai qual seria o termo inicial da prescrição da pretensão executória, tem-se que, o infrator é notificado e decorrido o prazo recursal ou o prazo para pagamento da multa depois improvido o recurso, a decisão administrativa se torna definitiva no dia subsequente ao término do prazo e poderá ser utilizada para fins de agravamento da multa por reincidência para novas infrações cometidas nos próximos cinco anos. Ou seja, para que a decisão se torne definitiva, o autuado deve ser notificado do seu conteúdo para interpor recurso, se houver interesse, ou cumpri-la, se esgotada a esfera administrativa.

Na hipótese de o autuado deixar escoar o prazo recursal, ocorrerá o trânsito em julgado no 21° dia após a sua intimação, já que da decisão proferida pela autoridade julgadora cabe recurso no prazo de vinte dias. Lado outro, julgado o recurso, a decisão definitiva se dará no 6ªº dia após a notificação do autuado para pagamento da multa, prazo este considerado pelo Superior Tribunal de Justiça como termo inicial da prescrição da pretensão executória, em razão de que somente a partir desse prazo é que o infrator pode ser considerado inadimplente.

Definido o termo inicial para que uma decisão seja considerada definitiva, pode-se concluir que para sofrer o agravamento da multa ambiental por reincidência, o autuado deve ter praticado nova infração cinco anos após a decisão administrativa que o condenou ter se tornado definitiva, imutável, irrecorrível, observando-se que tal agravamento somente pode ser realizado em primeira instância e não abrange qualquer infração cometida antes de existir uma decisão definitiva, equivalente ao trânsito em julgado.

Por fim, entendemos que o artigo 11 em análise é mais benéfico ao infrator, caracterizando a reincidência somente quando o agente pratica nova infração, depois de proferida decisão definitiva que o condenou por infração anterior, devendo retroagir para afastar agravamentos em dobro ou triplo já realizados em julgamentos de auto de infração ambiental em primeira instância e que pendem de decisão definitiva, aplicando-se por analogia o princípio constitucional da retroatividade da lei penal mais benigna (artigo 5º, XL, da CR/88), que guarda íntima relação com o Direito Administrativo Sancionador.

Portanto, bem analisada a nova redação do artigo 11 do Decreto 6.514/08, conclui-se que somente poderá ser agravada por reincidência a nova infração praticada pelo mesmo infrator no período de cinco anos, contados do dia subsequente ao escoamento do prazo estabelecido na notificação da decisão que o tenha condenado por infração anterior, momento o qual se torna ela definitiva, devendo retroagir para afastar agravamentos realizados em processos que pendem de decisão definitiva.

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