Opinião

Exigibilidade de conduta diversa do cônjuge no crime de lavagem de dinheiro

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8 de novembro de 2022, 20h32

É comum na advocacia criminal você defensor (a) deparar-se com investigações ou ações penais, das quais, no polo passivo, se encontra o cônjuge daquela pessoa supostamente responsável de algum modo pela prática de um crime antecedente à lavagem de dinheiro, justamente lhe sendo atribuída esta segunda infração penal.

Comum, também, que nessa situação processual, como principal tese defensiva de mérito, o cônjuge alegue que não detinha conhecimento de que os bens familiares seriam provenientes de infrações penais, o que implica na atipicidade da conduta da imputação de lavagem de dinheiro.

Mas este artigo — com uma feição um pouco ousada  visa apresentar uma tese de defesa relativamente nova e oposta à usual  e bem plausível  negativa de conhecimento da ilicitude.

O presente contraponto defensivo proposto se presta para o esvaziamento da culpabilidade (como terceiro substrato do delito à luz do sistema Liszt-Beling) do cônjuge no que diz respeito à lavagem de dinheiro.

Como é cediço, a culpabilidade é o juízo de reprovação realizado sobre uma ação típica e ilícita, que possui três elementos constitutivos, todos reconhecidamente de natureza normativa [1], quais sejam: 1) a imputabilidade; 2) a potencial consciência da ilicitude; e 3) a exigibilidade de conduta diversa. Interessa-nos este último elemento.

A exigibilidade de conduta diversa representa a possibilidade de o agente agir conforme o direito diante de um fato criminoso [2].

É dizer, pois, que "não há reprovabilidade se na situação em que o agente se encontrava não se lhe poderia exigir conduta diversa" [3].

Nesse diapasão, em que pese a nossa legislação preveja hipóteses de exclusão da culpabilidade a partir da inexigibilidade de conduta diversa, esta se trata de causa supralegal, isto é, que independe de previsão expressa na lei para ser declarada pelo Poder Judiciário.

Assim, indagamos: qual seria a conduta exigível do cônjuge "conforme o direito" em tais circunstâncias? Denunciar o companheiro criminoso? Recusar-se a utilizar  muitas das vezes para a própria subsistência  do proveito econômico fruto dos delitos praticados pelo companheiro?

Sabe-se que, com exceção daqueles sujeitos enunciados no artigo 66, incisos I e II, do Decreto-Lei nº 3.688/41, ninguém está obrigado a comunicar à autoridade competente um fato criminoso que tenha conhecimento da ocorrência. A ausência dessa obrigação para o cônjuge é reforçada pela literalidade do artigo 206, do CPP, c.c. artigo 1.566, do CC.

Se o companheiro será processado e, possivelmente, punido pelo crime antecedente e também pela lavagem de dinheiro, sendo os bens provenientes da conduta ilícita atingidos pela persecutio criminis, v. g., por meio da comum adoção de eventuais medidas assecuratórias (artigos 126 e 132, do CPP) ou/e os próprios efeitos da condenação (artigo 7º, inciso I, da Lei nº 9.613/98 c.c artigo 91, inciso II, alínea b, do CP), não se apresenta razoável que o cônjuge sofra também os dissabores do processo penal.

Em nossa concepção, o cônjuge, alheio à prática do crime antecedente, não pode responder pela lavagem de dinheiro, uma vez que, conforme exposto, milita a seu favor a inexigibilidade de conduta diversa, como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. Afinal, o que lhe é exigível conforme o direito? Nada.

 


[1] A doutrina majoritária adotou à teoria normativa pura da culpabilidade como critério de aferição de cada um dos elementos constitutivos do substrato da culpabilidade.

[2] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 348.

[3] DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 511.

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