Opinião

Inconstitucionalidade das regras relativas ao custeio da EC 103/2019 (parte 1)

Autor

  • Luiz Alberto dos Santos

    é advogado consultor legislativo do Senado mestre em Administração doutor em Ciências Sociais professor colaborador da Ebape/FGV e ex-subchefe de análise e acompanhamento de políticas governamentais da Casa Civil-PR (2003-2014)

7 de novembro de 2022, 6h06

Além de reduzir direitos, a Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019, a reforma da Previdência altera drasticamente as regras de custeio dos regimes próprios de previdência (RPPS) e do regime geral (RGPS), por meio de medidas que, além de não estarem respaldadas em cálculos atuariais transparentes, desrespeitam princípios básicos da ordem tributária, desnaturam as contribuições sociais quanto ao seu caráter de vinculação a uma prestação específica e promovem confisco e bitributação da renda.

A fim de conferir aos entes federativos e à própria União meios para enfrentar os respectivos déficits em seus regimes próprios, a EC nº 103/2019 introduz regras permanentes e transitórias que buscam, simultaneamente, afastar a inexistência de permissão constitucional para a cobrança de alíquotas de contribuição previdenciária progressivas, e obrigar os entes a observarem alíquotas definidas pela União como mínimas, além de fixar alíquotas mais elevadas ou mesmo extraordinárias.

De forma expressa, ela aumenta as contribuições a serem recolhidas para o custeio dos regimes próprios, com eficácia a partir do primeiro dia do quarto mês subsequente ao da sua publicação [1], ou seja, sequer haverá a necessidade de lei futura para esse objetivo, dando efeitos concretos e imediatos, na esfera tributária, ao seu conteúdo. Essas regras, portanto, já estão em vigor desde 1º de março de 2020.

Nos termos da EC 103, em ambos os regimes, a alíquota básica de contribuição passa a ser de 14%, mas há acréscimos e reduções, conforme as faixas de renda.

Na forma do artigo 11, enquanto não for editada lei para alterar o plano de custeio do RPPS da União, sem qualquer comprovação técnica de sua adequação, a EC 103 eleva, de imediato, a alíquota de contribuição dos servidores federais de 11% para 14%. Ademais disso, os §§1º a 4º do artigo 11 dispõem sobre as alíquotas progressivas de contribuição para o custeio dos regimes próprios, fixando reduções e acréscimos à alíquota base de 14%. Considerados os valores vigentes desde janeiro de 2022, materialmente chega-se a alíquotas efetivas de 7,25% a 16,78%, posto que sua aplicação é de forma progressiva, por faixa de rendimento, sendo as seguintes as alíquotas nominais e efetivas resultantes:

Tabela 1  Alíquotas Nominais e Efetivas de Contribuição ao RGPS e RPPS

REGIME

FAIXA DE RENDA

Alíquota nominal

CONTR. TOTAL

Alíquota efetiva

RPPS

A partir de R$47.333,47

22,00%

R$7.944,53

16,78%

Até R$ 47.333,46

19,00%

R$7.944,52

16,78%

Até R$24.273,57

16,50%

R$3.563,15

14,68%

Até R$12.136,79

14,50%

R$1.560,58

12,86%

RPPS e RGPS

Até R$7.087,22

14,00%

R$828,39

11,69%

Até R$3.641,04

12,00%

R$345,92

9,50%

Até R$2.427,35

9,00%

R$200,28

8,25%

Até R$1.212,00

7,50%

R$90,90

7,50%

Veja-se que as alíquotas brutas propostas chegariam a 22%, resultando, em face da progressividade, em alíquotas efetivas de até 16,78% que, somadas ao imposto de renda, chegariam, no limite máximo, a quase 40% da renda.

Em termos do RGPS haverá, para os trabalhadores com renda de até um salário-mínimo, redução da alíquota mínima de 8% para 7,5%; já os trabalhadores que percebem, atualmente, mais de R$ 2.427,35 e até R$ 3.641,04, e que recolhem 9%, passarão a recolher entre 8,25% e 9,5%. Os que percebem acima de R$ 3.641,04, e que recolheriam 11%, passaram a recolher 11,69%. Dada a conformação da renda dos trabalhadores no Brasil, essa regra implicaria, segundo as estimativas iniciais do Governo, em perda de arrecadação da ordem de R$ 27,6 bilhões para o RGPS em dez anos e de R$ 45,2 bilhões, em 20 anos, a qual, todavia, seria largamente compensada pela redução na despesa com benefícios no mesmo período (R$ 715 bi e R$ 3,45 trilhões, respectivamente). Dadas as alterações promovidas ao texto da PEC durante sua tramitação, esses ganhos fiscais foram reduzidos, mas, segundo a Instituição Fiscal Independente do Senado Federal, em dez anos o "ganho" fiscal líquido, no RGPS, seria de R$ 621,4 bilhões.

A alíquota base de 14% tem aplicação imediata aos regimes próprios dos entes federativos, posto que, nos termos do artigo 9º, até que entre em vigor lei complementar que discipline o §22 do artigo 40 da Constituição Federal, aplicam-se aos regimes próprios de previdência social o disposto na Lei nº 9.717, de 27 de novembro de 1998, assim como o nele disposto. O §4º prevê que "os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão estabelecer alíquota inferior à da contribuição dos servidores da União, exceto se demonstrado que o respectivo regime próprio de previdência social não possui déficit atuarial a ser equacionado, hipótese em que a alíquota não poderá ser inferior às alíquotas aplicáveis ao Regime Geral de Previdência Social". E, ao remeter à aplicação da Lei nº 9.717, de 1998, convalida o já previsto nesta Lei em seu artigo 3º, que dispõe:

"Artigo 3o As alíquotas de contribuição dos servidores ativos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para os respectivos regimes próprios de previdência social não serão inferiores às dos servidores titulares de cargos efetivos da União, devendo ainda ser observadas, no caso das contribuições sobre os proventos dos inativos e sobre as pensões, as mesmas alíquotas aplicadas às remunerações dos servidores em atividade do respectivo ente estatal."

No caso do RPPS da União, segundo as estimativas iniciais, as novas alíquotas viabilizariam ao Governo Federal um acréscimo de receitas da ordem de R$ 29,3 bilhões em dez anos e R$ 61,9 bilhões em 20 anos, e uma redução de despesas da ordem de R$ 173 bilhões, em dez anos, e R$ 413,5 bilhões, em vinte anos. Segundo a IFI/SF, com base no texto final aprovado, o "ganho fiscal" total, em dez anos, no RPPS da União, seria de R$ 159,8 bilhões, dos quais pelo menos R$ 25,7 decorrentes das novas alíquotas fixadas no artigo 11 da EC 103/19.

Importante observar que, no caso dos municípios e estados, muitos deles terão perda de arrecadação com a redução de alíquotas para as faixas menores de remuneração, que serão de 7,25, 9% e 10%, contra 11% até então praticados. Essa perda deverá ser compensada pela cobrança nas faixas superiores.

Natureza confiscatória da progressividade das alíquotas
Quanto à progressividade, a constitucionalização de sua aplicação às contribuições, como ocorre no Imposto de Renda, converte a contribuição social que já é proporcional ao valor do benefício futuro, por si mesma, em tributo com natureza confiscatória.

Isto por que aquele que pagar mais do que, proporcionalmente, irá receber, estará abrindo mão de parcela de sua remuneração, reduzindo o seu consumo e a sua capacidade de poupança, em favor da solução de um problema que, resultado de múltiplos fatores, como é o caso do “déficit” dos regimes previdenciários, deveria ser solucionado por meio de outras fontes de receitas e respectivos aportes de recursos dos Tesouros públicos, como atualmente prevê a Constituição em seu artigo 249, introduzido pela EC 20, de 1998. 

A possibilidade de se aplicar ou não a progressividade como forma de aferição da capacidade contributiva somente se apresenta quando se trata de impostos não vinculados. Não há que se falar em capacidade contributiva em matéria de tributos vinculados, que são decretados em razão de uma atividade específica do Estado e não em relação a características do contribuinte ou de um fato econômico a ele relacionado.

A contribuição para a previdência, tanto nos RPPSs quanto no RGPS, é tributo vinculado a uma contrapartida, que é à prestação de benefícios previdenciários. Não tem qualquer correlação com redistribuição de renda. Não é redistributivista, e sim retributivista.

São oportuníssimas as palavras do saudoso Geraldo Ataliba, em sua obra "Hipótese de Incidência Tributária", 5ª ed., Ed. Malheiros, 1980, pág. 171:

"Pode-se dizer que — da noção financeira de contribuição — é universal o asserto no sentido de que se trata de um tributo diferente do imposto e da taxa e que, por outro lado, de seus princípios informadores, fica sendo mais importante o que afasta, de um lado, a capacidade contributiva (salvo a adoção da h.i. típica e exclusiva de imposto) e, doutro, a estrita remunerabilidade ou comutatividade relativamente à atuação estatal (traço típico da taxa).
Outro traço essencial da figura da contribuição, que parece ser encampado — pela universalidade de seu reconhecimento e pela sua importância, na configuração da entidade — está na circunstância de relacionar-se com uma especial despesa, ou especial vantagem referidas aos seus sujeitos passivos (contribuintes). Daí as designações doutrinárias special assessment, contributo speciale, tributo speciale, etc.
Em outras palavras, se o imposto é informado pelo princípio da capacidade contributiva e a taxa informada pelo princípio da remuneração, as contribuições serão informadas por princípio diverso. Melhor se compreende isto, quando se considera que é da própria noção de contribuição — tal como universalmente entendida — que os sujeitos passivos serão pessoas cuja situação jurídica tenha relação, direta ou indireta, com uma despesa especial, a ela respeitante, ou alguém que receba da ação estatal um reflexo que possa ser qualificado como 'especial'."

Essa contribuição, por natureza, é vinculada a uma contrapartida. Não tem qualquer correlação com a capacidade contributiva do segurado e sim com os benefícios que podem ser auferidos em retorno. Se os benefícios não são progressivos, ipso facto se entende que também a contribuição não o deva ser. As aposentadorias e pensões guardam paridade com os vencimentos dos agentes públicos em atividade, sendo revistos na mesma data em que estes se modificam. No RGPS, são reajustadas, em caráter permanente, para a preservação de seu valor real.

Não se trata, portanto, de simplesmente carrear dinheiro aos cofres públicos em proporção à capacidade contributiva, mas de arrecadar contribuição com finalidade específica, vinculada ao seu fato gerador: o pagamento de benefício previdenciário a quem para tanto contribuiu.

Ora, a imposição de alíquotas progressivas, que poderão chegar a 22%, é confiscatória à luz do artigo 150, I da CF.

Como já decidido pelo STF e Tribunais de Justiça em mais de uma oportunidade (e.g. ADI 2.010 — STF, ADI 100/2012 TJ/GO), a contribuição previdenciária, por força de sua natureza de tributo, subordina-se aos princípios constitucionais gerais de direito tributário e em especial aos princípios da correlação (artigo 195, §5º, da CF), da finalidade (artigo 149, §1º, da CF), do equilíbrio financeiro e atuarial (artigo 40 da CF) e da vedação ao confisco (artigo 150, inciso IV, da CF), e a alíquota a ser cobrada, ainda que presente a solidariedade no regime, além de dever ser amparada em cálculo atuarial, não pode ultrapassar patamar que, somado aos demais tributos (e.g. imposto de renda) acarrete redução significativa da remuneração.

No caso de contribuição dos servidores públicos federais, o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou, ainda que indiretamente, pela impossibilidade constitucional de se imporem alíquotas diferenciadas.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 790-4 DF, proposta pelo Procurador-Geral da República, discutiu-se a inconstitucionalidade do §1º do artigo 231 da Lei nº 8.112, de 11.12.90, do seguinte teor:

"§1º A contribuição do servidor, diferenciada em função da remuneração mensal, bem como dos órgãos e entidades, será fixada em lei".

Na inicial e no parecer, o Procurador-Geral da República pugnou pela inconstitucionalidade do dispositivo, vez que o montante da contribuição deve atender à relação custo-benefício, sendo que estes não são progressivos, mas proporcionais à remuneração do contribuinte. A progressividade, segundo ele, implica o desvirtuamento da natureza da contribuição social, passando-se a ter verdadeiro adicional sobre a renda, contrariando-se, assim, os artigos 149 e 153, III, da Constituição Federal (CF).

Como bem apontou o Parecer da PRG na ADI 790,

"Mostra-se inconstitucional a progressividade (…) de vez que o montante da contribuição deve atender à relação custo-benefício, sendo que estes não são progressivos, mas proporcionais à remuneração do contribuinte. A progressividade implica o desvirtuamento da natureza da contribuição social, passando-se a ter verdadeiro adicional sobre a renda contrariando-se, assim, os artigos 149 e 153, III, Constituição Federal".

A mesma tese foi defendida pelo MPF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.809:

"O caráter solidário do regime previdenciário dos servidores públicos não afasta a feição contributiva-retributiva desse regime. O aumento de contribuição previdenciária sem qualquer repercussão em benefícios previdenciários e com fim meramente arrecadatório desvirtua a exação com destinação constitucional específica e desconsidera a natureza retributiva própria dos regimes de previdência". (Parecer PRG ADI 5809).

De fato, a mera progressividade, ainda que autorizada constitucionalmente, como prevê a EC nº 103/2019, pode configurar descaracterização da natureza do tributo, restando configurado confisco apenas por essa razão, como apontado pelo STF nos julgados a seguir:

"(…) O STF, em casos análogos, decidiu que a instituição de alíquotas progressivas para a contribuição previdenciária dos servidores públicos ofende o princípio da vedação de utilização de qualquer tributo com efeito confiscatório, nos termos do artigo 150, IV, da Constituição da República. [AI 701.192 AgR, voto da relatora ministra Cármen Lúcia, j. 19-5-2009, 1ª T, DJE de 26-6-2009.]  No mesmo sentido: AI 676.442-AgR, relator ministro Ricardo Lewandowski, julgamento em 19-10-2010, Primeira Turma, DJE de 16-11-2010."

"A instituição de alíquotas progressivas para a contribuição previdenciária de servidores públicos é inconstitucional, porquanto além de ofender o princípio da vedação da utilização de qualquer tributo com efeito confiscatório (artigo 150, VI, da CF), a adoção de alíquotas progressivas depende de autorização expressa da Constituição Federal". RECURSO EXTRAORDINÁRIO 396.509, relator ministro Luiz Fux, 19.12.2011.

No julgamento da ADI 2.010, o STF acatou a tese da vedação de efeito de confisco, na forma da Ementa a seguir:

"A proibição constitucional do confisco em matéria tributária nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, por exemplo). A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico-financeira, à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público.

Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo resultante das múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela mesma entidade estatal afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte.

O Poder Público, especialmente em sede de tributação (as contribuições de seguridade social revestem-se de caráter tributário), não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade". (STF, ADI 2010 — Plenário. Relator ministro Celso de Mello, 30.09.1999).

Assim, o conjunto de tais alterações ofende diretamente o disposto no artigo 150, IV, ao permitir a cobrança de contribuições ordinárias e extraordinárias dos servidores, em caso de déficit atuarial — situação virtualmente inevitável, à luz da natureza e perfil dos RPPS — com efeito de confisco salarial.

Deve ser ressaltado que, no caso do Governo Federal, a progressividade das alíquotas será aplicada apenas a um restrito número de servidores públicos. Somente aqueles que ingressaram no serviço público federal até a criação da Funpresp/Regime de Previdência Complementar é que poderão ser alcançados pelas alíquotas aplicáveis para valores que superarem o teto dos benefícios do RGPS.

Isto é, estão colocando nos ombros de uma parcela de servidores que até então vinha cumprindo com seus compromissos, contribuindo com a alíquota de 11% sobre a integralidade de sua remuneração, parcela relevante da economia que a ser obtida com a "Nova Previdência", haja vista que os servidores que ingressaram no serviço público após a data de criação da Funpresp, ou que migraram ou venham a migrar para o regime complementar, contribuem apenas até ao mencionado teto do RGPS, atualmente fixado em R$ 7.087,22.

Ao ser feita tal mudança em sede constitucional, a EC 103 pretende afastar o óbice até aqui admitido pelo STF quanto ao impedimento de progressividade por ausência de permissão constitucional expressa (e.g ADI 790, 1425 e 2010), o que, contudo, não é suficiente para afastar o fato de que a própria progressividade tem caráter confiscatório, no caso de contribuições sociais, como decidido pelo STF em diversas oportunidades.

A imposição dessas novas alíquotas, além de desvirtuar a natureza solidária e proporcional da contribuição ao valor a ser percebido na inatividade, particularmente para os servidores que contribuem sobre a totalidade da remuneração, quando somada ao Imposto de Renda, tem nítido caráter confiscatório, podendo chegar a alíquotas efetivas de cerca de 40% da renda total, o que ofende clausula pétrea da Constituição (e.g. ADI 2010 — SFT).

Ora, a imposição de alíquotas progressivas, que poderão chegar a 22%, é confiscatória à luz do artigo 150, I da CF, como já tem decidido o STF.

Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo — resultante das múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela mesma entidade estatal — afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte.

Assim, o conjunto de tais alterações ofende diretamente o disposto no artigo 150, IV, ao permitir a cobrança de contribuições ordinárias e extraordinárias dos servidores, em caso de déficit atuarial — situação virtualmente inevitável, à luz da natureza e perfil dos RPPS — com efeito de confisco salarial.

Admitindo-se que a elevação de 11% para 14% possa ser aceitável, e não confiscatória, representando uma pequena redução na renda, em contrapartida à preservação dos direitos dos servidores públicos, a elevação nas faixas superiores de renda para até 22%, somada aos demais tributos incidentes sobre a renda, revela-se nitidamente confiscatória, distorcendo a natureza da própria contribuição social e seu caráter sinalagmático.

Continua parte 2


[1] A anterioridade nonagesimal, no caso de contribuições sociais, é cláusula pétrea da Constituição, como já considerou o STF em diversos julgados (e.g. ADI 2.666, relator ministra Ellen Gracie). Ainda assim, a própria EC 103/19 previu que vigorariam no primeiro dia do quarto mês subsequente ao da sua publicação desta Emenda Constitucional, quanto ao disposto nos artigos 11, 28 e 32, afastando, assim, qualquer dúvida que pudesse remanescer.

Autores

  • é doutor em Ciência Sociais, mestre em Administração, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, advogado, consultor Legislativo do Senado Federal, professor Colaborador da EBAPE/FGV, sócio da “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”.

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