Opinião

Will Smith x Chris Rock: as tipificações penais brasileiras em caso de tapa na cara

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31 de março de 2022, 12h02

Os holofotes no mundo das celebridades se voltaram para o evento do Oscar do último domingo (27/3), e o motivo foi um ato de agressão. Um tapa foi desferido pelo ator Will Smith na cara do humorista Chris Rock.

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Ao vivo, foi possível sentir a emoção que corria na cena: Chris fez um comentário infeliz sobre a esposa de Will (Jada Smith), que sofre de uma doença autoimune que provoca queda de cabelo, a alopecia. Diante da reação descontente de sua esposa com o comentário, Smith sobe ao palco da cerimônia, durante a transmissão, e desfere um tapa no rosto de Chris Rock, que apresentava um prêmio.

Da agressão, é possível depreender que Will Smith estava tomado por fortes emoções, principalmente no que concerne ao fato de querer defender a honra de sua esposa e, nesse sentido, tomou a atitude de fazer cessar as palavras do comediante, com violência.

Da interpretação extraída da legislação brasileira, seria possível considerar, da agressão desferida, a configuração de diferentes delitos:
– 
Poderia ser considerado o crime de injúria real pela externação do tipo através da consumação da conduta penal de vias de fato, caso a intenção de Will Smith fosse de humilhar o Chris Rock (artigos 140, §2°, do Código Penal).
– Poderia ser considerado o crime de injúria real pela externação do tipo através da lesão, neste cenário, estar-se-ia diante de um concurso material, envolvendo os delitos de injúria real e lesão corporal de natureza leve (artigos 140, §2°, do Código Penal c/c artigo 129 e 69 do Código Penal).
– Havendo a intenção de somente proporcionar dor física, sem necessariamente lesionar Chris Rock, poderia configurar a contravenção penal de vias de fato (artigo 21 da Lei de Contravenção Penal).
– Caso a intenção de Will Smith fosse de lesionar Chris Rock, ofendendo a integridade corporal e causando vestígios corporais (equimoses), configuraria o crime de lesão corporal. (artigos 129 do Código Penal).

A análise acerca dos tipos penais e o que proporcionaria o cabimento de cada uma das hipóteses acima é realizada de maneira hipotética, visto que não é possível determinar as intenções e motivações no ato de Will Smith.

Ademais, este artigo é meramente hipotético, teve como inspiração um acontecimento que chamou atenção da mídia. Salienta-se, o teor do artigo tem como base a legislação brasileira, ou seja, é aplicado as normas no Código Penal caso a conduta fosse julgada em território brasileiro. Não adentraremos em qualquer julgamento meritório, sendo utilizado somente o caso em concreto para, a partir dele, realizar uma digressão teórica e normativa a respeito de possíveis condutas e enquadramentos típicos.

Cabe aqui uma sintética digressão a respeito de cada tipo penal, com fito de analisar o mais fidedigno enquadramento penal da conduta do ator.

Necessário, cabe inicialmente introduzir o tipo penal de injúria, previsto no artigo 140, do Código Penal, sendo um crime contra honra, que ofende exclusivamente a honra subjetiva de um indivíduo, ou seja, consiste no sentimento de dignidade própria, sendo a honra subjetiva o juízo de valor que a pessoa faz sobre si mesma. 

Ocorre que o tipo penal de injúria real, tipificado no §2°, se configura quando a injúria resultar em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou meio empregado, sejam consideradas aviltantes, com o intuito de humilhar. Na injúria real as vias de fato são sempre absorvidas. 

Quando a intenção criminosa é alcançada pelo cometimento de mais de um tipo penal é aplicado o princípio da consunção. Da cogitação, o planejamento do crime até a consumação de fato o agente percorre várias etapas, esse percurso é chamado de inter criminis. Dessa forma, para atingir a consumação do delito, o agente durante as etapas do inter criminis comete um crime menos grave, que deve ser absorvido ou abarcado pelo "crime final", o mais grave.

Isto é, dentro do caso hipotético, a conduta de vias de fato foi o tapa no rosto para chegar em um resultado aviltante. Will para defender sua esposa praticou o delito de vias de fato, porém a consumação do crime se deu com o resultado de humilhar Chris durante a premiação ao Oscar, assim o crime cometido foi a injuria real, sendo o primeiro absorvido pelo segundo.

Praticado o crime tipificado no artigo 140 do CP parágrafo segundo, a contravenção penal de vias de fato ficou absorvida pelo crime maior, a injúria real.

Em seu §2° tipifica o crime mencionado, o sujeito escolhe a agressão física capaz de humilhar a vítima. Havendo lesão corporal, as penas serão aplicadas em concurso material.

No artigo 140, §2°, do código penal, o termo violência é sinônimo para a lesão corporal tipificado no artigo 129 do mesmo código. Apesar do segundo parágrafo do artigo 140 se referir o termo violência à lesão corporal, essa aplicação é ultrapassada. Por ser uma palavra genérica pode ser remetida a qualquer tipo de violência, no dispositivo citado é a condutada é especificadamente da violência sobre lesão corporal.

Se consumado a lesão corporal haverá a soma das penas dos dois crimes, isto é, ocorrerá o concurso material.

Já as vias de fato, contravenção penal prevista no artigo 21 do Decreto Lei 3.688/41, é agressão física que não deixa marcas ou sequelas no corpo do sujeito. Contudo, as vias de fato são absorvidas pela injúria real, pois a doutrina e a jurisprudência preveem autonomia apenas nos casos de lesões corporais.

Em suma, para ser caracterizado a injúria real é necessário a intenção do agente em humilhar, envergonhar a vítima usando como meio a agressão física. Se a agressão deixar marcas será considerado lesão corporal, e então haverá o concurso material entre as penas. Não obstante, se considerado as vias de fatos, isto é, ameaça à integridade física através da prática de atos de ataque ou violência contra pessoa, não havendo soma das penas.

Por outro lado, as contravenções penais são espécies de infrações penais, que podem ser entendidas como delitos de menor grau de ofensividade ao bem jurídico. A contravenção penal, também conhecida como crime anão ou delito liliputiano deve ser entendida como um delito que tenha menor potencial ofensivo.

Desta feita, os crimes de menor potencial ofensivo restam tipificados no Decreto Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. A legislação proporciona um entendimento claro, em seu artigo primeiro de que, "aplicam-se as contravenções às regras gerais do Código Penal, sempre que a presente lei não disponha de modo diverso", e a principal diferença entre as legislações é o quantum das penas, sendo elas mais brandas na lei de Contravenções Penais.

Na infração penal de vias de fato, presente no artigo 21, o delito restará consumado quando houver ofensa à integridade física da pessoa, desde que não resulte em lesões corporais, isto é, desde que que não deixem marcas ou sequelas no corpo do outro indivíduo. Desta feita, as condutas relacionadas diferenciam-se pela existência ou não de resultado lesivo.

No capítulo dos crimes contra a vida está previsto em seu artigo 129 do Código Penal o crime lesão corporal. Trata-se de conduta criminosa que pune quem ofende a integridade física ou a saúde de outra pessoa, isto é, qualquer dano ocasionado à normalidade funcional do corpo humano, sendo do ponto de vista anatômico, fisiológico ou mental.

A ofensa à integridade física pode ser considerada como fraturas, luxações, equimose, hematomas. Ao contrário dos eritemas, por exemplo a vermelhidão causada por uma bofetada, não é considerado lesão corporal. Além disso, o artigo mencionado prevê quatro formas de lesão corporal: lesão leve, grave, gravíssima e seguida de morte.

No caso em que comento devemos analisar a conduta do Will, um tapa na cara é suficiente para ingressar no crime de lesão corporal? O tapa na cara não deixa, e não deixou marca.

Analisando o comportamento de Will como telespectador é possível criar algumas hipóteses. O tapa na cara causa o eritema, manchas vermelhas na pele, então trata-se se infração penal de vias de fatos. No mais, temos as motivações do agente, dar uma bofetada em Chris teve o intuito de machucá-lo ou humilhá-lo?

Portanto, é possível notar que uma conduta pode ensejar em diversos tipos penais, dependendo da intenção subjetiva do autor, do contexto da agressão física, da intensidade das agressões provocadas, e até mesmo da conduta do agente após a consumação delitiva.

Importante notar que existem tipos penais muito similares em seus conteúdos e é necessária uma análise detida de todos esses elementos que compõem o tipo penal e que compõem o cenário do cometimento do delito para que consigamos subsumir a conduta criminosa ao seu verdadeiro e real tipo penal.

No caso em tela temos a lesão corporal, a injúria real, o crime de vias de fato e a possibilidade de acumulação de dois delitos dentro de uma mesma conduta, em concurso. Entendemos que, com todos os elementos a serem analisados, no presente cenário, é possível perceber que a conduta do ator se adequa, de maneira mais adequada a injúria real, com a consunção da contravenção meio — vias de fato.

Entendemos que existem outros artigos que já tratam sobre a possibilidade de legítima defesa do ator, e até mesmo da inexigibilidade de uma conduta diversa, contudo entendemos que como consectário lógico do direito penal, mostra-se extremamente necessário, antes de aplicação das exculpantes, faz-se necessário debruçarmos sobre a tipificação delitiva.

Desta feita, a ação televisionada mostra-se como um campo fértil para a aplicação teórica e dogmática do direito penal, independentemente de juízo de valor sobre a licitude ou moralidade do comportamento do ator Will Smith.

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