Opinião

Considerações gerais acerca do pedido de suspensão de liminar em matéria tributária

Autor

  • Fernando Albuquerque

    é advogado atua em questões relacionadas às áreas do Direito Tributário e do Direito Administrativo-Econômico com ênfase em Contratações Públicas e Improbidade Administrativa e membro da Comissão de Estudos Tributários da OAB/CE.

31 de março de 2022, 19h03

O debate acerca da (in)constitucionalidade da cobrança do ICMS (diferencial de alíquotas) já no exercício de 2022 consiste em um dos temas mais debatidos no momento [1], temática esta que submetida ao Supremo Tribunal Federal através das Ações Direitas de Inconstitucionalidade nº 7.066, 7.070 e 7.075, estas sob a relatoria no ministro Alexandre de Moraes, sobre a qual, inclusive, a Advocacia-Geral da União se posicionou contrariamente a tal possibilidade.

A discussão em questão já se encontra amplamente judicializada na via difusa, oportunidade em que foram concedidos diversos provimentos liminares suspendendo a cobrança do ICMS (diferencial de alíquotas) no exercício vigente.

Contudo, alguns Tribunais de Justiça [2] expediram ordens de Suspensão de Liminar na forma do art. 4º da Lei nº 8.437/92, de acordo com o qual o Presidente do respectivo Tribunal poderá "suspender" liminares contrárias ao Poder Público "em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas" [3].

Tal circunstância reacende o debate acerca do uso ao manejo do Pedido de Suspensão de Liminar, notadamente na seara tributária, oportunidade em que os Poder Públicos Arrecadantes costumeiramente apontam a "perda de arrecadação” como circunstância capaz de provocar “grave lesão à econômica publica", de sorte a justificar a suspensão dos efeitos das liminares favoráveis aos Contribuintes.

Com todas as vênias, sobretudo em decorrência da generalização, os argumentos costumeiramente apresentados em tais pleitos constituem verdadeiros sofismas, os quais não se prestam à aplicação da Justiça Fiscal, mas sim a justificar falsamente qualquer arbitrariedade do Poder Público arrecadante, sendo certo, outrossim, que o mero “interesse” da Arrecadação não se demonstra como suficiente para o deferimento de Pedidos de Suspensão de Liminar.

Em primeiro plano, é preciso ter em mente que, apesar de elevada ao patamar de "Dever Fundamental" [4], o Interesse Público não se encerra no interesse da Arrecadação [5]; ao contrário, a Arrecadação se trata de Poder-Dever que a ser exercido com moderação  mormente em vistas aos Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade, posto que:

"1) a Tributação implica em expropriação patrimonial do Contribuinte em detrimento do seu Direito Fundamental de Propriedade (CF/88, artigo 5º, inciso XXII), aqui inclusas as suas disponibilidades financeiras, o que naturalmente mitiga a capacidade de atendimento à sua Função Social (CF/88, artigo 5º, inciso XXIII) [6], pelo que se impõe a aplicação da Técnica de Ponderação de Valores Jurídicos [7];

2) a Tributação excessiva pode resultar na perda de Arrecadação em razão do aumento da sonegação, na redução da atividade econômica, no estímulo à informalidade e na migração de negócios para outras regiões com tributação mais atrativa [8]".

Continuamente, temos ainda que a alegação relativa à substancial e repentina "perda de arrecadação" é de todo descabida [9], mormente considerando que por óbvio, o "dano à arrecadação" somente restará caracterizado se a tributação for devida, de modo que, de forma contrária, o dano efetivo é suportado pelo Contribuinte contra o qual é imposta a tributação indevida.

Em julgamento memorável sob a Relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, o Supremo Tribunal Federal assestou ser "inconciliável com o Estado de Direito e a garantia constitucional da jurisdição seria o impedir a concessão ou permitir a cassação da segurança concedida, com base em motivos de conveniência política ou administrativa" [10], ocasião em que se consignou que os Pedidos de Suspensão consistem em medida de "tutela cautelar do direito provável", isto é, "medida de contracautela (…) o efeito útil do êxito provável do recurso da entidade estatal".

Daí porque, mesmo que o Pedido de Suspensão de Liminar não tenha caráter recursal  mormente por não se prestar à reforma do mérito de decisão liminar questionada, e embora o seu Juízo Decisório seja de natureza eminentemente política, deve-se proceder com um juízo mínimo de plausibilidade jurídica do fundo de direito, sob pena de conceber tal Instituto Processual como mecanismo para assegurar a prática temporária de atos ilegais/inconstitucionais por parte do Poder Público Arrecadante e inibir a aplicação do Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição diante de risco ou ameaça de direito.

Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça também pacificou a sua jurisprudência no sentido de que "a suspensão de medida liminar ou de sentença nos casos de litígios em matéria tributária passa pelo exame do mérito da controvérsia" [11], destacando-se mais que "O dano só é potencial se tal juízo identificar a probabilidade de reforma do ato judicial" [12].

Com bastante acerto, a jurisprudência do STF e do STJ compreendem como descabida a Suspensão de Liminar fundada unicamente na hipótese genérica e abstrata contida no artigo 4º da Lei nº 8.437/92, a qual somente deve ser concedida em caráter excepcional diante de situação grave risco de dano e quando presente a probabilidade de êxito futuro do Poder Público.

[1] Escrevemos sobre a temática no artigo "A superveniência da LC nº 190/2022 e a não convalidação das normas estaduais anteriores que estabeleciam a cobrança do ICMS-DIAL", disponível aqui.

[2] Entre eles, dos Tribunais de Justiça dos Estados da Bahia, do Ceará, do Distrito Federal, do Espírito Santo, de Pernambuco, do Piauí e de Santa Catarina.

[3] No mesmo sentido, Lei nº 12.016/2009, artigo 15.

[4] Tal entendimento legitima a característica basilar dos tributos ("compulsoriedade") e que se encontra implícito não apenas no Princípio da Capacidade Contributiva, mas igualmente na Solidariedade Social (CF/88, artigo 3º, inc. I) e na Função Social da Propriedade (CF/88, artigo 5º, inc. XXIII) e inclusive como meio de manutenção/subsistência da própria República Federativa. Sobre a questão, destacamos trecho do Voto do ministro Gilmar Mendes no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.055  Distrito Federal (j. 15/12/2016): "§ O Estado brasileiro baseia-se em receitas tributárias. Um texto constitucional como o nosso, pródigo na concessão de direitos sociais e na promessa de prestações estatais, deve oferecer ao Estado instrumentos suficientes para que possa fazer frente às inevitáveis despesas que a efetivação dos direitos sociais requer. O tributo é esse instrumento. § Considera-se, portanto, a existência de um dever fundamental de pagar impostos, tal como proposto por Nabais (Nabais José Casalta, O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra: Almedina, 1998)".

[5] Sobre tal aspecto, recomendamos a leitura do artigo "A modulação das decisões do STF, as razões do Fisco e a irresponsabilidade fiscal", de autoria do Professor Fernando Facury Scaff, no qual faz uma relevante diferenciação entre o "interesse social" e o "interesse estatal", disponível em https://www.conjur.com.br/2021-abr-19/justica-tributaria-modulacao-stf-razoes-fisco-irresponsabilidade-fiscal

[6] Não é possível perder de vista ainda que o exercício desmedido do Poder de Tributar atenta contra o Interesse Público (Social e Econômico), posto que reduz investimentos no setor produtivo e compromete a geração de emprego, renda e riqueza.

[7] Em abreviadíssima síntese, tal Técnica é aplicada diante da colisão de normas constitucionais, nas quais é inviável o uso das técnicas de resolução de antinomias (hierarquia  especialidade  cronologia), de modo que, diante de um conflito concreto  e não meramente abstrato  o jurista deve prezar pela máxima harmonização das normas constitucionais em colisão, aplicando preponderantemente aquele de maior Valor em detrimento no mínimo possível do Valor de menor influência.

[8] De acordo com o que propõe Teoria da "Curva de Laffer", existe um ponto de equilíbrio que, depois de ultrapassado, o aumento da Tributação provocará a queda na Arrecadação. Por tal Teoria, a representação gráfica da Arrecadação em face do aumento da Tributação descreve uma curva em formato de parábola, no qual não haverá Arrecadação quando a Tributação for de 00,00% e quando for de 100,00%.

[9] Embora o presente ensaio não se destine a tratar especificamente sobre a cobrança do ICMS  Diferencial de Alíquotas, temos a considerar acerca deste que a sua estimativa da Arrecadação não se encontra devidamente prevista em Lei Orçamentária para o Exercício de 2022, e por razões óbvias, pois a sua cobrança dependia da edição de Lei Complementar, o que adveio apenas em janeiro de 2022, não sendo possível, portanto que a sua incerta arrecadação constasse em lei orçamentária sancionada até o final do Exercício de 2021.

[10] STF, Tribunal Pleno, Agravo Regimental em Suspensão de Segurança nº 1.149.

[11] Corte Especial, Agravo Regimental em Suspensão de Liminar e Sentença nº 1.515/MG, DJe 18/05/2012.

[12] Corte Especial, Agravo Regimental em Suspensão de Liminar e Sentença nº 1.560/RS, DJe 06/06/2012.

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