Opinião

A EC nº 116/2022 sobre as instituições beneficentes de assistência social

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31 de março de 2022, 18h08

A Emenda Constitucional nº 116 (EC 116), promulgada no último dia de 17 de fevereiro, trouxe uma pseudoinovação que, apesar de acrescentar pouco além de algumas linhas na já robusta Constituição brasileira, ainda criou uma celeuma sobre os imóveis locados pelas instituições educação e de assistência social, sem fins lucrativos, relacionadas no artigo 150, inciso VI, letra "c", do texto constitucional.

Já tratamos em texto anterior publicado aqui que a Emenda em questão não faz mais do que esclarecer o óbvio, pois a dicção do §4º do artigo 150 da Constituição, já de longa data interpretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já esclarece que "as vedações expressas no inciso VI, alíneas 'b' e 'c', compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas". O que se resume a dizer que as instituições abrangidas nas alíneas indicadas são sujeitas à imunidade em caráter subjetivo, ou seja, em tudo o que toca seu patrimônio, renda ou serviços.

Sobre esse ponto, conforme apontado naquela "Opinião", para além do quando exposto na Súmula Vinculante nº 52, já existe certa literatura jurisprudencial na Corte Constitucional tratando da extensão do §4º do artigo 150, merecendo destaque a conclusão apresentada nos autos do RE 250.844 que, sem muita divagação, afirmou que "é pressuposto da aludida imunidade tributária que a materialidade econômica desonerada situe-se nos limites da finalidade essencial da entidade".

O que significa dizer que se o imóvel de propriedade da instituição imune é locado a quem não detém a imunidade, embora a renda auferida com a locação esteja fora dos limites de exação do Estado, pois que inserido no conceito de renda, a tributação incidente sobre o uso do imóvel passa a ser objeto de tributação, pois que — ao menos a rigor — o locatário não atende às finalidades institucionais daquele que seria o destinatário da imunidade, violando assim o disposto no §4º do artigo 150. Em poucas palavras, o locatário não pode usufruir da imunidade que não lhe foi direcionada (ver também no RE 325.822).

De outro lado, sob essa mesma lógica, a conclusão natural é a de que o uso do imóvel sob a prescrição institucional do locatário beneficiário da imunidade fica albergado pelo dispositivo imunizante, tal como afirmado na suposta inovação apresentada pela Emenda Constitucional nº 116/2022.

Mas não é disso que estamos a tratar aqui, pois acreditamos que nossa "Opinião" sobre o tema já foi objeto dessa reflexão. O caso aqui, agora, é saber como interpretar o §1º-A do artigo 156 da Constituição, não apenas diante das organizações religiosas, mas também sobre as entidades de educação e assistência social, sem fins lucrativos, que, em última análise, estão contemplados na mesma justificativa que deu ensejo à Emenda Constitucional nº 116/2022.

Veja que a "novidade" do dispositivo constitucional desenhado na Emenda em questão fala apenas das instituições contempladas na alínea "b", ou seja, refere-se apenas e tão somente às organizações religiosas. Nada obstante, os limites da imunidade ao Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) é o mesmo tanto para as instituições da alínea "b" quanto da alínea "c" do artigo 150 da Constituição.

E tanto esse parâmetro é verdadeiro que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, ao apresentar seu parecer sobre a Emenda, também foi taxativa ao reverenciar o Supremo Tribunal Federal (STF) quando afirmou que "(…) segundo interpretação daquela Alta Corte e com base no § 4º do art. 150 da CF, não apenas os imóveis de propriedade de templos efetivamente utilizados em suas atividades são imunes, mas também aqueles porventura alugados a terceiros cuja renda seja revertida em beneficio das finalidades do templo. Nesse sentido, a Súmula nº 724, do STF, ao dispor que, ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, 'c', da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades".

Bom, apesar de bem referir-se aos precedentes do STF, em especial à Súmula 724 (que foi sucedida posteriormente pela Súmula Vinculante nº 52, e que é inicialmente direcionada às instituições de educação e de assistência social sem finalidade lucrativa) faltou apenas a sensibilidade da CCJ do Senado no sentido de incluir as instituições indicadas na alínea "c" do dispositivo mencionado no parecer na PEC nº 133/15 (proposta que antecede a Emenda Constitucional n. 116/2022).

Diante desse quadro, apesar de o STF já ter interpretação no sentido de que os imóveis alugados por referidas instituições serem potencialmente sujeitas à imunidade do IPTU, o fato é que ao distinguir a aplicação da imunidade do imposto em questão entre as instituições da alínea "b" e "c", o constituinte derivado, quando da proposição da EC 116, acabou por traçar uma linha diretiva singular para cada uma das hipóteses de aplicação da norma imunizante, notadamente porque, como bem se sabe, em linha interpretativa, quando a Constituição distingue as circunstâncias, a percepção textual da norma impõe um tratamento distinto em cada caso.

Ou seja, poderia se chegar à remota interpretação, distante do que já vinha decidindo o Supremo Tribunal Federal, antes da inserção do §1º-A ao artigo 156 da Constituição, de que a imunidade ao IPTU se estende aos imóveis locados apenas e tão somente para as instituições abarcadas pela alínea "b" do artigo 150, inciso VI, mas não aos da alínea "c", pois se assim se quisesse que fosse interpretado — que as instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos fossem abrangidas — a Constituição não faria uma distinção para além do quanto consta do §4º, do mesmo artigo 150.

Com efeito, ao que tudo indica, onde havia um cenário jurídico consolidado pela interpretação edificada no Supremo Tribunal Federal em quase duas décadas (desde a edição da Súmula 724, de 2003), a EC 116 pode ter causado certa insegurança.

Nada obstante, nossa interpretação está alinhada ao que de longa data diz o STF, no sentido de que a imunidade se aplica também aos imóveis locados pelas instituições referidas na alínea "c" do inciso VI do artigo 150 da Constituição, e esse posicionamento se justifica em recentes julgados.

No recentíssimo julgamento do RE-RG 630.790/SP, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a reforma de um acórdão do TRF-3 no sentido de que entidades de natureza religiosa não poderiam se configurar como de assistência social, o que inviabilizaria o reconhecimento da imunidade tributária ao imposto de importação (II) e ao imposto sobre produtos industrializados (IPI)-importação sobre produtos a serem utilizados nas atividades institucionais.

No precedente, a corte fixou a tese, em sede de repercussão geral, de que as "entidades religiosas podem se caracterizar como instituições de assistência social a fim de se beneficiarem da imunidade tributária prevista ano art. 150, VI, c, da Constituição" — Mais uma vez afastando distinções entre as entidades das alíneas 'b' e 'c', do artigo 150, VI, da CF/88.

Como destacou o ministro Roberto Barroso em seu voto, o Supremo Tribunal Federal "vem ampliando o alcance da norma imunizante, de modo a afastar a cobrança de impostos que possam reduzir o patrimônio ou comprometer a renda dessas instituições". Nesta mesma linha de entendimento, quando do julgamento do RE-RG 611.510/SP, em que a Corte analisou a mesma imunidade para fins de incidência do imposto sobre operações financeiras (IOF) sobre as entidades descritas da alínea 'c' do mencionado dispositivo constitucional, a ministra Rosa Weber asseverou que "[o]s objetivos e valores perseguidos pela imunidade em foco sustentam o afastamento da incidência do IOF, pois a tributação das operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários das entidades ali referidas, terminaria por atingir seu patrimônio ou sua renda".

Percebe-se, com isso, que a Suprema Corte elastece o alcance da norma constitucional imunizante para proteger não só o patrimônio, renda e serviços relacionados às finalidades essenciais das entidades, mas, precipuamente, e nas palavras do ministro Roberto Barroso, para "abranger todos os impostos que de alguma forma possam desfalcar o patrimônio, prejudicar as finalidades ou reduzir as rendas da entidade imune, ainda que estejam apenas indiretamente relacionados com as suas finalidades essenciais".

Fica claro, portanto, a partir dos reiterados julgados, que o STF adota uma interpretação teleológica da imunidade, prestigiando os preceitos que dão razão à existência do beneplácito constitucional, ressaltando, sob diversas perspectivas, que a norma imunizante não é determinada por uma distinção meramente literal entre as entidades albergadas — seja pela alínea 'b' ou pela 'c' —, ou pela origem ou natureza da renda, mas pela correta destinação dos seus recursos.

Aliás, nesse ponto, a corte salvaguarda, inclusive, as hipóteses que possam, em alguma medida, afetar a consecução das atividades institucionais, justamente como no caso da hipótese de incidência de IPTU para entidades imunes enquanto locatárias de imóveis.

Nesse ponto, fica evidente que era absolutamente desnecessário a Emenda promulgada, que além de engrossar ainda mais o robusto texto constitucional de 1988, acabou por gerar insegurança onde não havia — porquanto a abrangência da medida constante da emenda tratar de nada mais do que já dizia o Supremo Tribunal Federal (STF).

Não bastasse isso, e não vamos nos alongar ainda mais aqui, não podemos esquecer que a disciplina normativa inserida no §1º-A do artigo 156 pela EC 116 ainda cria uma confusão enorme na forma de aplicação do artigo 110 do Código Tributário Nacional (CTN), que impõe limites à lei tributária no que concerne a definição, conteúdo e alcance do direito privado.

Do ponto de vista constitucional, não há problemas, até mesmo pela lógica da hierarquia das normas, entretanto, a valer a lógica do CTN, é deveras complexa a possibilidade de as Secretarias de Fazenda municipal de todo o Brasil regulamentarem a substituição tributária em contrato de locação para atender ao critério de imunidade. Mas enfim, isso é tema para outra "Opinião".

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