Opinião

Nota de falecimento do artigo 316 do Código de Processo Penal

Autor

27 de março de 2022, 17h08

Juristas, defensores, doutrinadores, correi!

É chegada a funérea hora de despedirem-se do imberbe artigo 316 do Código de Processo Penal. Ele que tão novo partiu, saibam todos que de nós foi levado não por acometimento do Sars Covid-19, não por H1N1, não por nova guerra mundial, mas, sim, por fulminante STF no fatídico mês e ano corrente (ADIs 6.582 e 6.581).

Oremos, pois nem mesmo a letra, o texto bem claro da lei nos salvará deste mal que o acometeu, como se viu. Quem achou, confiou, que não se racharia a "ratio" da norma processual de maneira que essa não viesse a assumir dimensão diversa daquela resultante de seu explícito ditado, enganou-se. Quem acreditou que a expressão literal da norma demonstraria seu claro escopo e funcionaria como freio a exorbitâncias e arbítrio, hoje lamenta a passagem do infante artigo em comento.

E o insólito é que até aqui tínhamos a prisão preventiva como medida cautelar, daí, ser provisória e, via de consequência, esta apresentaria uma necessidade de constante revisão ao longo do processo com vista a possibilidade de sua revogação, caso os seus pressupostos já não se configurassem mais. Tínhamos que se assim não se fizesse, estaríamos a desrespeitar dois princípios fundantes da estrutura acusatória: adequação e proporcionalidade. Ledo engano.

Também entendíamos que o falecido seria um severo obstáculo às prolíficas prisões preventivas perpétuas que campeiam pelo país. Acreditávamos que o intuito do legislador ao estabelecer o prazo nonagesimal seria o de evitar o "esquecimento do cidadão brasileiro na masmorra" e de diminuir o encarceramento eterno. Tudo isso porque, no texto legal, existe a clara afirmação de que se não houver a revisão, a prisão seria tomada como ilegal. E prisão ilegal, também de forma textual, deverá ser imediatamente relaxada, conforme o artigo 5°, LXV, da Constituição.

Porém, agora sabemos de nosso bisonho engano. Como fomos tão parvos assim? A questão é que não nos foi esclarecido que aquela afirmação presente no Habeas Corpus nº 186.144 do STF só tinha valia enquanto o ministro Marco Aurélio lá estivesse:

"Nunca é demasia reconhecer que a atuação do Judiciário é vinculada ao Direito aprovado pelo legislador, pelo Congresso Nacional. Nessa premissa está a segurança jurídica, a revelação de viver-se não em um regime de exceção, mas num Estado Democrático de Direito".

Bonito demais isso, não?

Fomos crédulos diante de tão bela e forte declaração. Acreditamos nela, acreditamos na imperatividade do parágrafo da norma em comento, acreditamos que encontraríamos segurança jurídica naquele que se autointitula "Guardião" da Constituição. Acreditamos.

E, então, vimos o raio partir do Olimpo e fulminar tais crenças, equívocos de uma má formação em Direito. Não era nada disso. Alguém que se presume inocente não deve ter o direito e os meios de se defender e pode, sim, ficar muito tempo preso preventivamente, sem que isto traga qualquer sanção, tudo como se certa fosse a sua culpa. Eternas eram as prisões preventivas. Eternas, agora ainda mais, elas o serão.

Mas, isso, é "conversa de coveiros" [1], ou, ainda, papo para bovinos dormitarem.

Talvez assunto para outro artigo.


[1] SHAKESPEARE, Macbeth.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!