Opinião

Meio ambiente está na pauta do Supremo Tribunal Federal na próxima semana

Autor

  • Paulo de Bessa Antunes

    é detentor da edição 2022 do Prêmio Elisabeth Haub de Direito Ambiental e Diplomacia professor associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros e ex-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

25 de março de 2022, 6h03

O Supremo Tribunal Federal (STF), no próximo dia 30 de março, fará uma sessão especial para julgamento de sete ações constitucionais voltadas para temas ambientais, a saber: 1) ADPF nº 760  PPCDAm; 2) ADPF nº 735 — Operação Verde Brasil; 3) ADPF nº 651  Fundo Nacional do Meio Ambiente; 4) ADO nº 54  Omissão no combate ao desmatamento; 5) ADO nº 59  Fundo Amazônia; 6)  ADI nº 6148  Resolução Conama 491/2018 e 7) ADI nº 6808 – MP nº 1040/2021 (atual Lei nº 14.196/2021). Como se vê, é uma pauta extensa e abrangente, envolvendo as principais questões relacionadas à proteção da Amazônia.

Antes comentar algumas das ações acima, é importante destacar que o artigo 225 da Constituição Federal estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, "impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". Logicamente, o Poder Judiciário é parte do Poder Público e, portanto, submetido aos deveres de defesa e preservação (conservação) ambiental que deverão cumpridos em observância de outros princípios constitucionais tais como a 1) ampla defesa e o 2) contraditório, por exemplo. 

Este artigo terá como foco as medidas judiciais que estão relacionadas, direta ou indiretamente, com a Amazônia que, nos termos de nossa Constituição, merece proteção especial (artigo 225, § 4º).

O STF, desde 1988, desempenha importante papel na defesa do meio ambiente, fixando uma relevante jurisprudência ambiental. Dentre alguns dos casos mais significativos podemos destacar o banimento do amianto (ADI 3.406 e ADI 3.470, relatora ministra Rosa Weber, j. 29-11-2017, P, DJE de 1º-2-2019), a proibição de alteração das unidades de conservação por Medidas Provisórias (ADI 4717, relatora ministra Cármen Lúcia, j. 5-4-2018, P, DJE de 15-2-2019.), dentre outras. É, também, digno de nota o fato de que o STF tem reconhecido e consagrado modernos princípios de direito que se aplicam ao direito ambiental, tais como o da vedação do retrocesso ambiental (ADI: 6288, relatora ministra Rosa Weber, j. 23/11/2020, P, DJE de 03/12/2020) e da proibição de proteção insuficiente (ADI 5.676, relator ministro Ricardo Lewandowski, P. DJE de 25/01/2022). O conjunto de decisões demonstra que o STF tem se pautado, em regra, por uma aplicação rigorosa da Constituição no que tange à proteção ambiental e à proteção da saúde humana, sem descuidar das implicações econômicas de suas decisões e de seus reflexos nas diferentes políticas públicas.   

A ADPF nº 760 tem como objetivo determinar que o Estado exerça efetivamente as ações contidas no Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal ("PPCDAm"), de forma suficiente para viabilizar o cumprimento das metas climáticas assumidas pelo Brasil perante a comunidade internacional em acordos multilaterais ambientais. Em relação ao tema, registre-se que o desmatamento na Floresta Amazônica, no período entre agosto de 2018 a julho de 2021, aumentou 56,6% em relação ao mesmo período em anos anteriores [1]. Quanto às metas climáticas e o desmatamento, tema discutido na ADPF, é imperioso registrar que o Tribunal Constitucional Alemão determinou que o governo alemão adote medidas para cumprir os seus compromissos internacionais sobre a matéria [2], ou seja, há precedente judicial importante sobre a questão. A ADO nº 54 tem objetivo semelhante ao da ADPF nº 760, haja vista que busca responsabilizar o governo pela negligência no combate ao desmatamento ilegal na Amazônia. Os dados disponíveis sobre o desmatamento ilegal demonstram que, em 2021, o Ibama contou com cerca de R$ 219 milhões destinados à fiscalização ambiental, tendo executado R$ 88 milhões (41%). A média anterior de execução orçamentária para a rubrica era da ordem de 86% e 92% [3]. Agrava o fato de que grande parte do desmatamento na Amazônia ocorre em terras públicas, conforme demonstrado por estudo realizado pelo Instituto de Pesquisas da Amazônia [4].

A ADO nº 59 cuida da obtenção de decisão judicial que reconheça a omissão da administração federal em relação à utilização das verbas do Fundo Amazônia. É uma ação que está incluída no mesmo contexto do aumento de desmatamento na Amazônia e da redução drástica da fiscalização ambiental na região. O Fundo Amazônia (FA) [5] é um importante instrumento de cooperação internacional para a proteção da Amazônia e capacitação institucional para a defesa ambiental. É um fundo gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), dentro das melhores técnicas administrativas e de controle. O total de valores que ingressaram no FA é da ordem de US$ 1.288.235.378,26. O FA foi praticamente paralisado no atual governo, tendo em vista as posições adotadas pela administração federal em relação à utilização dos recursos.

A ADPF nº 651 impugna o Decreto nº 10.224/2020 que, ao regulamentar a Lei nº 7.797/1989, conferiu nova estruturação administrativa ao Fundo Nacional do Meio Ambiente e excluiu a sociedade civil do Conselho Deliberativo. Inicialmente, cabe considerar que a política ambiental se faz dentro de alguns princípios básicos, dentre os quais merece destaque o princípio da participação ou democrático (CF, artigo 1º, II; artigo 225, §1 º, IV). Os diferentes conselhos ambientais adotam o critério da participação cidadã, como é o caso, por exemplo, dos conselhos de recursos hídricos (Lei nº 9.433/1997, artigo 34). A subtração da sociedade civil do Conselho Deliberativo do FNMA, parece-nos uma violação clara de princípios constitucionais e legais perfeitamente assentados.

O conjunto das ações, independentemente de seu resultado, demonstra que há, de fato, uma ação sistemática da atual administração federal com vistas ao enfraquecimento do conjunto administrativo e normativo que protege a Amazônia, constituindo-se em redução de verbas para atividades de fiscalização e controle, enfraquecimento do apoio institucional (FA), omissões administrativas capazes de colocar em risco os elementos essenciais que justificam a proteção amazônica e do meio ambiente como um todo, tendo em vista a importância da Amazônia no contexto ambiental e  climático internacional. Qualquer exame isento das medidas constitucionais que irão a julgamento no próximo dia 30 de março demonstra que, em poucas vezes, os princípios e normas constitucionais relativas à proteção ambiental estiveram sob ataque tão profundo e articulado.

O STF tem firmado jurisprudência muito favorável à defesa dos valores constitucionais do meio ambiente e, certamente, terá oportunidade de rejeitar, de forma categórica, às diversas tentativas inconstitucionais de reduzir o nível legal e administrativo de proteção da floresta Amazônica, tendo em vista a natureza tutelar da Constituição Federal em relação ao meio ambiente e, no caso particular, à floresta Amazônica.

Autores

  • é advogado, professor associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), presidente da Comissão de Direito Ambiental do IAB e membro da Comissão Mundial de Direito Ambiental da IUCN.

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