Direito eleitoral

Bases de dados constituídas antes da LGPD e os partidos políticos

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14 de março de 2022, 8h00

Ponto sensível em relação ao tratamento de dados realizado por partidos políticos diz respeito às bases legadas, ou seja, ao conjunto de dados pessoais que tenham sido coletados antes do advento da LGPD. Como vimos, aos partidos políticos, respeitadas algumas regras, é dado o direito de formar cadastros de pessoas para direcionar propaganda eleitoral. Isso, por certo, já é feito bem antes de se estabelecerem normas gerais para tratamento de dados pessoais. Então, surge o problema de como, já no cenário de vigência da LGPD, cuidar dessa base legada.

O art. 63 da LGPD atribui à Autoridade Nacional de Proteção de Dados a tarefa de estabelecer normas de adequação dessas bases constituídas antes da entrada em vigor da lei de proteção de dados. O normativo a ser expedido pela ANPD deve levar em consideração a complexidade da operação de tratamento e a natureza dos dados, que no caso dos partidos políticos são sensíveis.1

A norma de adequação ainda não foi expedida, mas em que consistiria tal adequação? Posso antever ao menos as seguintes exigências a serem cumpridas pelos partidos políticos para a gradativa adequação de suas bases de dados legadas.

Em primeiro lugar, é fundamental que se estabeleça em que hipóteses legais os dados sob o controle dos partidos políticos enquadram-se em relação àquelas situações postas pela LGPD. Então, as agremiações devem avaliar quais as possibilidades de tratamento estabelecidas nos art. 7º e 11 da LGPD e indicar expressamente o enquadramento do tratamento realizado.

Decorrente desse primeiro passo, temos a segunda situação que os partidos devem se preocupar em atender. Caso se identifique que a hipótese de tratamento de dados seja o consentimento, nos termos do art. 7º, I, ou, ainda, no art. 11, I, da LGPD, mas que quando o dado tenha sido coletado inicialmente sem o registro desse consentimento, a adequação da situação deverá ser buscada de forma urgente, ou seja, buscar o consentimento ou eliminar o dado.

Nesse ponto, há ainda uma certa confusão em se estabelecer quais seriam as formas de adequação dessas bases legadas cujo tratamento seja fundado no consentimento. Alguns sinais ainda não formalizados fornecidos por representantes da ANPD dão conta de que nesses casos deveria haver a imediata interrupção do tratamento de dados, sob pena de serem consideradas ilegais tais operações.

Defendo, em sentido contrário, que a interrupção do tratamento não deva ser a primeira medida a ser adotada por partidos políticos sob pena de se ignorar o estabelecido no art. 63 da LGPD, anteriormente mencionado, em relação à complexidade do tratamento envolvido no caso. Isso, porque a simples decisão de eliminação desses dados pode ter o efeito de inviabilizar a própria natureza do partido político em se colocar de forma substancial na disputa eleitoral.

Com isso, compreendo que o melhor desenho para buscar a adequação das bases legadas fundadas em consentimento seja ofertar às agremiações a possibilidade de contato com os titulares de dados pessoais para que sejam fornecidas informações claras e precisas quanto ao controle desses dados, a finalidade de seu tratamento e se o titular consente ou não com a continuidade da operação. Apenas após essa medida ser levada a cabo é que se vislumbra a possibilidade de eliminação de dados daqueles que negaram consentimento, de forma expressa ou tácita. Assim, os partidos teriam a oportunidade de regularizar o tratamento realizado e, ao mesmo tempo, o titular de dados seria informado de que seu dado seria eliminado frente ao não consentimento.

Regularizada a adequação da hipótese legal e, em caso de consentimento, formalizada a autorização do titular de dados quanto à manutenção do tratamento pelo partido político, a próxima etapa é o registro de quais ações de tratamento são realizadas, com quais finalidades e quais salvaguardas o processo de tratamento possui para mitigar riscos ao titular do dado. Nessa etapa, é de fundamental execução a avaliação de minimização de dados, atualização de informações e publicidade aos titulares de dados de todas as informações necessárias para que se consiga avaliar se o tratamento de dados ocorre dentro dos limites normativos.

Penso que, executadas tais medidas, as bases legadas em poder dos partidos políticos passam por uma regularização adequada e podem continuar a ser utilizadas. Vale lembrar que o processo de tratamento de dados pessoais é dinâmico, e a regularização das bases nesse momento não garante que futuramente novas medidas de governança devam ser implementadas para que a adequação do tratamento de dados continue aderente às exigências previstas na LGPD.

O presente texto faz parte da obra Dados pessoais: LGPD e eleições, no prelo. 


1 Os cuidados exigidos para o tratamento de dados pessoais sensíveis são superiores ao tratamento dos demais dados pessoais não apenas no Brasil, mas também é facultado aos partidos a possibilidade de tratamento ao menos dos dados de seus filiados. O Dicionário mexicano de proteção de dados traz a seguinte definição sobre o tema: “Sólo con el consentimiento expreso y por escrito del afectado podrán ser objeto de tratamiento los datos de carácter personal que revelen la ideología, afiliación sindical, religión y creencias. Se exceptúan los ficheros mantenidos por los partidos políticos, sindicatos, iglesias, confesiones o comunidades religiosas y asociaciones, fundaciones y otras entidades sin ánimo de lucro, cuya finalidad sea política, filosófica, religiosa o sindical, en cuanto a los datos relativos a sus asociados o miembros, sin perjuicio de que la cesión de dichos datos precisará siempre el previo consentimiento del afectado”. (GONZÁLEZ, Jaime Cortés; CISNEROS, Sonia del Carmen Álvarez. Diccionario de derecho mexicano a la protección de datos personales en posesión de los particulares, Cidade do México: Amate, 2016, p. 83–84.)

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