Jornalismo em luto

Orlando Brito, um dos maiores fotógrafos da imprensa brasileira, morre em Brasília

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11 de março de 2022, 10h14

Orlando Brito, 72, um dos maiores fotógrafos da imprensa brasileira, se não o melhor, morreu na madrugada desta sexta-feira (11/3), em Brasília, de falência múltipla de órgãos, depois de enfrentar um câncer no intestino. Ele foi submetido a uma cirurgia no dia 7, mas não resistiu às complicações da doença, segundo informou a família.

Reprodução/Facebook
Brito: jornalismo brasileiro perde um de seus maiores fotógrafos.Reprodução/Facebook

Um dos mais conhecidos e premiados fotógrafos brasileiros, com atuação de destaque na área da política e profissional, ao longo da vida, Brito fotografou presidentes, desde o general Castello Branco, primeiro presidente da ditadura militar, até o atual, Jair Bolsonaro, além de outros políticos.  

Mineiro, nascido em 8 de fevereiro de 1950 em Janaúba, Orlando Péricles Brito de Oliveira veio com a família para Brasília na época da inauguração da capital onde morou até o final da vida. Autodidata, teve começo precoce na profissão, iniciando como laboratorista da sucursal do jornal carioca Última Hora, aos 14 anos de idade, para o qual passou a fotografar dois anos mais tarde.

Entre os outros veículos por onde passou, estão o jornal O Globo, onde se firmou profissionalmente, trabalhando lá entre 1968 e 1982. O maior reconhecimento de seu trabalho veio mais tarde, quando foi para a revista Veja, periódico no qual atuou por 16 anos e foi editor de fotografia, em São Paulo. No Jornal do Brasilfoi editor de fotografia no final dos anos 1980, atuando no Rio de Janeiro.

Orlando Brito/Divulgação/EnciclopediaItaú
Retrato de Fernando Collor de Melo,
à época presidente da República
Orlando Brito/Divulgação/EnciclopediaItaú

Nos anos 1990, retorna a Brasília, onde foi chefe do escritório local da revista Caras. Depois, voltou a trabalhar para a Veja, dessa vez como repórter fotográfico. Somando todo o período que trabalhou para a revista, Orlando Brito emplacou o impressionante número de 113 capas.

Mais recentemente, dirigia sua própria agência de notícias, a ObritoNews e ministrava cursos, workshops para grupos em empresas e aulas em universidades, faculdades e escolas de comunicação e jornalismo.

Profissional de rara sensibilidade, afável, admirado por seus colegas de profissão, Orlando Brito era uma pessoa de intensa generosidade e conhecia como poucos os meandros do poder, seja do Executivo seja do Legislativo e fotograva seus personagens sempre com genialidade.

Em 3 de maio de 2020, Brito foi agredido na Praça dos Três Poderes com outros jornalistas que acompanhavam uma manifestação de apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Outro fotógrafo agredido foi Dida Sampaio, que morreu em 25 de fevereiro. Ele e Brito eram amigos. 

Brito também escrevia com frequência. Em 22 de janeiro publicou no site Os Divergentes texto e fotos sobre pessoas que vivem nas ruas de Brasília. Nos anos 1990, ele teve várias conversas com o ex-presidente João Figueiredo. Os dois se encontravam em um banco em frente à praia de São Conrado, no Rio de Janeiro, onde Figueiredo morava. Passavam horas conversando.  "Depois, o Brito escrevia o conteúdo em algum pedaço de papel, mesmo que fosse um guardanapo", contou o jornalista Marcelo Tognozzi, que escreve no site Poder 360.

Orlando Brito/Divulgação/EnciclopediaItaú
Manifestação pelas Diretas Já,
em 1984, pelo olhar de Orlando Brito
Orlando Brito/Divulgação/EnciclopediaItaú

Orlando Brito foi o primeiro brasileiro a receber o World Press Photo Prize concedido pelo Museu Van Gogh, nos Países Baixos, em 1979.

O faro de Brito pela notícia ia além das lentes que operava com maestria. Em 1979, Brito protagonizou um dos maiores furos da imprensa brasileira, em plena ditadura militar. Ele e o então repórter Etevaldo Dias, que viria a ser, mais tarde, secretário de imprensa do ex-presidente Fernando Collor, divulgaram em primeira mão o projeto de anistia do governo militar.

O jornalista Merval Pereira, então chefe da sucursal de O Globo em Brasília, conta que o então ministro da Justiça, Petrônio Portella, um dos artífices do projeto, costumava receber dezenas de políticos em seu gabinete para exibir o projeto, até então mantido em segredo.

"O ambiente no gabinete ministerial naqueles dias era de festa, e, por isso mesmo, não havia aquela rigidez no controle da circulação de jornalistas, que tinham livre acesso à sala e aos convidados do ministro. Foi assim que, na véspera da divulgação oficial, dois repórteres da sucursal de Brasília que eu chefiava, aproveitando-se de uma distração de Petrônio, que se levantara para se despedir de alguém, deixando o documento em cima do sofá, roubaram o texto original.

Orlando Brito/Divulgação/EnciclopediaItaú
O então presidente João Batista Figueiredo canta o Hino Nacional em evento
Orlando Brito/Divulgação/EnciclopediaItaú  

Brito sentou em cima do valioso documento, que seria aprovado no dia seguinte de manhã pelo Conselho de Segurança Nacional em reunião do Palácio do Planalto, e depois, sub-repticiamente, colocou-o em sua maleta de fotógrafo, enquanto Etevaldo distraía quem estava próximo.

Quando Petrônio deu por falta, mandou fechar a porta do gabinete e revistar os jornalistas. Acontece que havia muitos políticos na sala, e outras autoridades menores (todo mundo é autoridade em Brasília), e os jornalistas protestaram. Ou todos seriam revistados, ou ninguém. Deu-se o impasse, e todos foram liberados", contou Merval Pereira.

Brito foi protagonista de uma outra história que serviu para denunciar a presença do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra em Montevidéu, onde servia como adido da embaixada do Brasil no Uruguai, como lembra o jornalista Márcio Chaer, diretor de Redação da ConJur.

Em 1985, lembra Chaer, a então deputada federal, Bete Mendes denunciou a presença do torturador General Carlos Alberto Brilhante Ustra, ocupando o cargo de adido militar na embaixada brasileira no Uruguai. O fato teve grande repercussão na imprensa, mas nenhum resultado prático. "A luta contra a impunidade é também uma forma de fazer o resgate histórico", diz o diretor da ConJur.

Orlando Brito/Divulgação/EnciclopediaItaú
Registro de um concerto sui generis
do pianista Arthur Moreira Lima
Orlando Brito/Divulgação/EnciclopediaItaú

Chaer estava cobrindo como repórter a visita do então presidente José Sarney à capital uruguaia quando Brito, pela lente de sua teleobjetiva, identificou o militar, depois condenado pelos seus crimes. "Aquele não é o Ustra?", perguntou Brito. “Eu nem fazia ideia quem era Ustra”, diz o diretor da ConJur. Brito concluiu sozinho: "é ele sim".

Testemunha direta de fatos históricos da crônica política de Brasília, Brito foi um dos primeiros a notar sinais de doença no presidente eleito Tancredo Neves. Na véspera de sua posse, e horas antes de ser internado para não mais voltar, Tancredo participou de uma missa na igreja Dom Bosco, em Brasília. Brito percebeu que Tancredo não estava bem. "O Tancredo não está com cara de quem está passando mal?", perguntou a Chaer. Ao menos entre os jornalistas, ele foi o primeiro a perceber.

Ultimamente, Brito estava trabalhando em um novo livro, O Brasil de Castello a Bolsonaro, do Marechal ao Capitão, que iria reunir suas principais fotos ao longo de toda a sua trajetória profissional. É um olhar sobre os caminhos que o Brasil trilhou desde os tempos do marechal Castello Branco até os de agora do capitão Jair Bolsonaro à frente da República. “O livro conta com fotos de minha autoria a História de cada uma das épocas e fatos importantes que pude presenciar e registrar”, contou Brito em seu site www.orlandobrito.com

“Põe olhar – isento, histórico e de estética rigorosa – sobre os presidentes do regime militar de Castello, Costa e Silva, Junta Militar e Garrastazu Médici, e da distensão, com Ernesto Geisel e João Figueiredo. Entra pelo período novamente democrático de José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer, culminando com a Era Bolsonaro”, escreveu.

Wagner Pires/Divulgação
Orlando Brito vinha trabalhando em um livro sobre presidentes da República
Wagner Pires/Divulgação

São destaques nas páginas nomes como o de Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, José Sarney, Teotônio Vilela, Petrônio Portella, Magalhães Pinto, Jarbas Passarinho, Luís Carlos Prestes, Paulo Brossard, Felinto Müller, Antônio Carlos Magalhães, Franco Montoro, Fernando Lyra, Jarbas Vasconcelos, Mário Covas, Heráclito Fortes, Marco Maciel, Leonel Brizola, Pedro Simon, Golbery do Couto e Silva, Roberto Campos, Miro Teixeira, José Dirceu, Joaquim Barbosa, Renan Calheiros, Eduardo Cunha, Sérgio Moro, Dias Toffoli, Rodrigo Maia e, enfim, figuras que marcaram a democracia contemporânea e os destinos do Brasil, cada um com seu ideal.

A morte de Orlando Brito já começou a repercutir no meio político de Brasília na manhã desta sexta-feira. "O talento, a sagacidade e o conhecimento que tinha de política fez de Orlando Brito não apenas espectador, mas protagonista da história de Brasília e do Brasil", disse o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, enviou mensagem de solidariedade à família de Orlando Brito. “Em nome da Suprema Corte, destaco que o jornalismo brasileiro perde um fotógrafo de excelência, que registrou imagens que deixaram e deixarão marcas na história de nosso país”, disse o ministro.

"Um ser humano especial e comovente. Sua história está eternizada em Brasília e no país. Foi um profissional cuja importância extrapolou a fotografia e o jornalismo. Sua grande experiência fazia com que até políticos vividos se interessassem por sua opinião sobre temas nacionais", completou o ministro Dias Toffoli.

"Orlando Brito era um jornalista que não brigava com a notícia. Não era adepto de emboscadas. Conseguia suas fotos, verdadeiras reportagens, lealmente, pelo convencimento", disse o advogado e ex-presidente do STJ Cesar Asfor Rocha.

A morte de Brito também comoveu o fotógrafo Egberto Nogueira, diretor da Imã Foto Galeria. "Uma referência pra todos nós. Uma reviravolta no fotojornalismo político, Brito documentou a história e seus personagens, desbravando, pensando, apontando caminhos, reportando, ocupando espaços para o fotojornalismo, validando e valorando esse tal de jornalista  da imagem. Valeu meu caro Brito."

O Movimento ABI Luta Pela Democracia informou ter recebido "com profunda tristeza a perda  do grande e premiado fotógrafo Orlando Brito",72 anos, ocorrida na madrugada dessa sexta-feira (11/03), em Brasília.

"Brito, em sua longa carreira profissional destacou-se com seu olhar atento sobre os principais acontecimentos da vida política nacional, mas também como um companheiro solidário e um ser humano generoso. Sentiremos sua falta, mas permanecem seu exemplo de profissionalismo e seu legado", disse o movimento.

Homenagem
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, determinou que a Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) transforme o Teatro Galpão, localizado no Espaço Cultural Renato Russo, em Teatro Galpão Orlando Brito, em homenagem ao fotógrafo.

Clique aqui para assistir à última entrevista de Orlando Brito, ou veja abaixo:

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