Opinião

Ucrânia e Rússia evidenciam poder digital: Web3 e criptomoedas ganham espaço

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11 de março de 2022, 21h42

O conflito entre Rússia e Ucrânia inaugurou definitivamente a era da guerra digital.

Diferente da Guerra Fria do século passado, em que os Estados Unidos e a então União Soviética geraram tensão no mundo, por ameaças não concretizadas de uso de armas de alta letalidade, a recente invasão da Rússia na Ucrânia já cumpriu uma série de ameaças proferidas, por meio do avanço de tropas e do envio de mísseis russos contra a população ucraniana.

A maior diferença entre esta guerra atual e qualquer outra guerra já existente no mundo, porém, é que o poderio digital vem se mostrando uma das armas mais fortes e promissoras do momento.

Como nas demais guerras, o corte e interceptação da comunicação do oponente é um dos grandes trunfos táticos, determinante para definir o lado vencedor. Sem conseguir transmitir e receber informações, o combatente fica perdido e limitado em ação e estratégia. Foi assim, aliás, que surgiu a internet: durante a Guerra Fria, os EUA criaram a primeira rede de computadores interligados [1] — hoje denominada web1 —, para guardar e proteger as informações sigilosas do país, em caso de um ataque soviético aos seus dados e comunicações.

Muito embora a internet cumprisse, desde sua era mais primitiva, um papel relevante na proteção de dados de um país, é inegável o quanto ela evoluiu e se desenvolveu, para alcançar papéis muito mais importantes.

Hoje, o uso da tecnologia e dos meios digitais pode definir os rumos de uma nação, especialmente em tempos de guerra.

É por meio da internet que a maior parte das comunicações ocorrem e as sanções relacionadas a cortes e interrupções, não poderia deixar de ser pelo meio digital.

Recentemente, por exemplo, a Rússia sofreu o que poderíamos chamar de um "embargo digital" de exclusão da maioria das entidades financeiras russas do sistema Swift [2] (Sociedade de Telecomunicações Financeiras Mundial). Na prática, a medida resultou no afastamento de uma das maiores potências da plataforma de trocas de mensagens financeiras globais mais importante do mundo, com mais de 11 mil instituições bancárias cadastradas, em 200 países.

Embora a Swift não lide com transferências ou fundos, seu sistema de mensagens eletrônicas representa uma forma de comunicação rápida, segura e barata aos bancos. É por meio dela que os bancos enviam mensagens padronizadas de transferência de valores entre bancos, para clientes e ordens de compra e venda de ativos.

A exclusão das entidades financeiras russas deste sistema enfraquece o já abatido sistema econômico russo — devido à guerra — e, nas palavras de Guntram Wolff, diretor do think tank Bruegel, "operacionalmente, seria uma dor de cabeça" [3], considerando mais uma imposição de dificuldade nas operações comerciais com o país.

Após a sanção, a Rússia terá de negociar diretamente o sistema de pagamento com o parceiro comercial por outras vias, como e-mails, telefones, ou pelo sistema próprio criado por eles desde 2014 — este último já evidenciaria a preocupação da Rússia com eventuais restrições cibernéticas, indicando ainda uma predisposição do país de tentar não depender tanto desse importante sistema de telecomunicação bancária do Swift.

E não são apenas os agentes econômicos russos que sofrem com as graves retaliações digitais impostas. A população russa tem sido diretamente atingida em seus meios de comunicação, entretenimento e interação online. Redes sociais como o Twitter, Facebook [4] e TikTok [5] anunciaram a suspensão de conteúdos e lives no país. Empresas de streaming, como a Netflix [6], já interromperam seu serviço no local. Até mesmo os meios de pagamento foram objeto de retaliação contra a iniciativa russa de iniciar uma guerra: operadoras de cartões de crédito como Visa, Mastercard, American Express e Paypal [7] estão suspendendo seus serviços no país.

A consequência óbvia e esperada é um crescente descontentamento da população russa com a manutenção da guerra e uma expectativa de queda de popularidade de Vladimir Putin, que já vem governando o país há mais de 20 anos. Seria o fim de uma era?

E se de um lado as armas digitais têm sido francamente direcionadas contra a ofensiva de guerra russa, elas têm servido de combustível de resistência à acuada Ucrânia.

A Ucrânia é um país muito menor em extensão e poderio econômico e bélico e, muito embora também tenha tido sua comunicação afetada, pelos ataques russos, diferentemente da Rússia, vem contando com o apoio de muitos países.

Com a dificuldade de comunicação devido aos cortes de acesso a internet, a Ucrânia recebeu suporte particular de Elon Musk [8], que forneceu provedores da Starlink para que pudesse se manter comunicável com as demais nações, transmitindo em tempo real seu lado da história — algo inédito para países belicamente mais vulneráveis.

Além disso, o canal oficial do governo ucraniano já se manifestou [9], convocando hackers para combater nessa "guerra cibernética" e amenizar os ataques russos. A iniciativa, ao que parece, foi bem sucedida, contando inclusive com o apoio do famoso grupo "Anonymous" [10] — grupo de hackers anônimos do mundo — que demonstrou publicamente sua indignação com as violações aos direitos humanos e declarou a retaliação digital aos dados de Putin e do governo russo.

É inegável que, sob a perspectiva bélica, econômica e de zona de influências geopolíticas, o confronto de Ucrânia e Rússia pode ser entendido como uma batalha entre Davi e Golias, respectivamente. No entanto, os instrumentos digitais utilizados até então têm servido para diminuir a distância de forças entre os países.

A Ucrânia se fortalece com o apoio recebido diretamente de particulares, pessoas que compram e enviam criptomoedas da Bitcoin, Ethereum, Solana, etc. para a "wallet" do Governo Ucraniano e de organizações não governamentais de suporte, alcançando, até o momento, a impressionante soma de quase U$ 50 milhões [11] em poucos dias e com a menor burocracia já vista.

Com essa ajuda, o país tem conseguido se manter, comprar alimentos e combustível para a evasão dos cidadãos nas áreas de guerra, além de fortificar suas tropas.

É muito claro o quanto os contornos digitais têm reformatado as guerras no século 21. Os apelos, as estratégias e o suporte governamental têm encontrado no digital um meio poderoso para que se possa aproveitar dessa nova fase da internet, conhecida como web3 [12], com resultados surpreendentes.

Vivemos um momento de transição e busca constante de educação digital, para nos adaptarmos e integrarmos ao novo ecossistema — ainda pouco compreendido — dos criptoativos, NFTs (non fungible tokens) e metaversos. E os instrumentos jurídicos, como não podem deixar de ser, também devem se adequar ao novo contexto que ficou tão evidente após poucas semanas da guerra entre Rússia e Ucrânia.

Muitos são os desafios evolucionários a partir de agora: (1) a regulamentação de qualquer desses ativos da web3 ainda demanda muito mais conhecimento sobre os seus efeitos — disposições bem intencionadas como o PL nº 3.825/2019[13], sobre as criptomoedas, ainda são incipientes, embora sejam um ponto de partida para a normatização do tema; (2) a rapidez e facilidade de compra de criptoativos dificultam tremendamente a ação de órgãos fiscalizadores, que ainda dependem de autodeclarações dos agentes envolvidos, para agir; e (3) o caráter extremamente descentralizado dessas novas tecnologias certamente gerará conflitos entre jurisdições, seja para efeitos fiscais, civis, consumeristas, de propriedade intelectual, etc.

Independentemente dos incalculáveis resultados da adoção massiva dessas novas tecnologias, fica a cada dia mais nítido o quanto elas são poderosas e ditarão os rumos, bem sucedidos ou não, da atuação interna e externa dos países, principalmente em conflitos internacionais como esta guerra.

Aos operadores do direito cabe agora sair do lugar de costume e buscar conhecimento e educação na área de inovação, que ainda se encontra numa zona cinzenta, tanto no país quanto fora. Como diria o reconhecido profissional da área de NFTs Hermes R., "quem chega cedo, bebe água limpa".


[1] https://revistapesquisa.fapesp.br/nasce-a-internet/. Acessado em 5 de março de 2022, às 16h.

[12] A web3 surge para dar lugar a web2, que surgiu em 2004, com o grande crescimento das redes sociais — em especial do Facebook—, na qual nascia uma nova forma de interação dos usuários na rede, com a aparição de comunidades, curtidas e compartilhamento massivo de conteúdos pelos seus membros. A diferença da web3 para a web2 é que naquela se busca a descentralização e retomada do controle dos usuários, cujos dados e informações são vendidos e utilizados pelas grandes empresas de redes sociais aos seus anunciantes, regra típica da web2. Na web3 não há intermediários e suas informações não são utilizadas para anúncios não autorizados de terceiros. As criptomoedas, NFTs e metaversos são elementos da web3.

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