Nada a declarar

Médico abre inquérito contra árbitro por não revelar suposta parcialidade

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6 de março de 2022, 17h07

O árbitro André de Luizi Correia, indicado pela Amil para atuar em processo arbitral contra o oncologista Raphael Brandão, deverá cumprir intimação para prestar esclarecimentos sobre o inquérito policial aberto a partir de denúncias do médico. O ato, sobre possível falsidade ideológica prevista nos artigos 299 e 304 do Código Penal, busca apurar a relação do árbitro com os advogados da operadora de saúde.

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O árbitro teria relações com os advogados da Amil Reprodução

Em 2017, Raphael chefiou a área científica do "Grupo Oncoclínicas", um dos maiores do setor na América Latina. Em novembro daquele ano, celebrou um contrato de parceria, consultoria e prestação de serviços especializados em oncologia com a Empresa de Serviços Hospitalares (Esho), que compõe o grupo Amil.

Em outubro de 2019, o médico formalizou uma denúncia ao setor de compliance sobre um possível esquema fraudulento em tratamentos oncológicos feitos pela Hemomed Instituto de Oncologia e Hematologia, que atende aos planos da Amil destinados à população de média e baixa renda. As denúncias apontavam que a Hemomed estaria cobrando o tratamento de seus pacientes a custo substancialmente menor do que o padrão oferecido pelos hospitais da Esho.

Após formalizar as denúncias, Brandão diz que passou a ser alvo de represálias por parte da Esho. Segundo o oncologista, em vez de apurar as graves suspeitas envolvendo a Hemomed, a empresa instaurou um procedimento de investigação contra ele, alegando que teria recebido 43 supostas "denúncias" contra o próprio profissional. No início de 2020, a Amil rescindiu o contrato de trabalho firmado com Raphael por suposta justa causa.

Foi dentro desse contexto que Brandão requereu a instauração de um procedimento arbitral, pleiteando, dentre outras medidas, o reconhecimento de que a Esho rescindiu o contrato de parceira de maneira imotivada e a condenação da empresa ao pagamento da multa contratual. A empresa, por sua vez, requereu o reconhecimento de que a rescisão foi motivada. Instruído o feito, foi proferida sentença arbitral, condenando Raphael ao pagamento de multa de mais de R$ 4 milhões.

Após a sentença arbitral, teriam sido constatados indícios de que o árbitro indicado pela Esho, André Correia, teria omitido fatos de extrema importância, no questionário de verificação de conflitos, que tinha o dever legal de revelar, alterando, com isso, a verdade sobre fatos juridicamente relevantes.

De acordo com os advogados de Brandão, há indícios da existência de uma relação estreita e duradoura, que perdurou ao longo de vários anos, entre o escritório que representou a Esho na arbitragem e o árbitro por ela indicado, inclusive durante o curso do processo arbitral.

Omissões                                              
Ao longo do processo arbitral, a Esho foi representada pelo escritório Terra Tavares Ferrari Elias Rosa Advogados. No entanto, apurou-se que André Correia omitiu que o seu escritório compartilhou endereço, em São Paulo, com a banca de advocacia que representou a empresa, originária do Rio de Janeiro, por cerca um ano e meio, entre 2015 e 2017. Além do endereço, constatou-se que os sites dos dois escritórios indicavam exatamente o mesmo número de telefone.

O árbitro também teria ocultado que ele e Willie Cunha Mendes Tavares, sócio do Terra Tavares Ferrari Elias Rosa Advogados, atuaram lado a lado na defesa de clientes comuns, assinando petições e participando ativamente na defesa, ao menos, até 2014. Essa atuação conjunta ocorreu, pois André Correia e Willie Cunha Mendes Tavares foram sócios no Wald Advogados, fato nunca informado no bojo da arbitragem.

Procurado pela ConJur, o Terra Tavares Ferrari Elias Rosa Advogados afirma que "não há impedimento que decorra do fato de ambos terem integrado, até 2009, 11 anos antes do início da arbitragem, um dos maiores e mais respeitados escritórios de advocacia do país". 

Por fim, também foram descobertos indícios de que teria ocorrido, em período concomitante ao da arbitragem, atuação simultânea dos escritórios de advocacia na defesa de interesses de partes relacionadas no mesmo processo, mediante procuração firmada pela mesma pessoa.

"Tais omissões são gravíssimas e causaram prejuízos ao requerente que, diante das supostas declarações ideologicamente falsas, anuiu com a nomeação do árbitro indicado pela parte contrária, induzido a crer que não existiriam circunstâncias que comprometessem a sua isenção e imparcialidade", defenderam os advogados de Brandão.

Raphael recorre da decisão arbitral condenatória em ação judicial que está na segunda instância, uma vez que o juízo de primeira instância não apreciou os argumentos relacionados aos fatos novos que atestam a relação de André com os advogados da Amil, sob alegação de os fatos não terem sidos mencionados na petição inicial.

O médico diverge, contudo, e sustenta que só tomou conhecimento deles no curso do processo e que estão atrelados à sua alegação inicial de violação ao dever de revelação pelo árbitro.

Por sua vez, o escritório Terra Tavares Ferrari Elias Rosa Advogados afirmou que "o médico, repetindo o seu padrão de conduta inadequada, já derrotado na arbitragem e na ação anulatória que promoveu, omite propositalmente o resultado que já lhe foi desfavorável em mais de uma ocasião e em mais de uma instância".

"Há uma sucessão de incríveis erros na estratégia que Raphael quer seguir. O árbitro fez a revelação que necessitava ser efetuada e somente foi impugnado após a derrota no procedimento arbitral. Jamais houve sociedade ou relação comercial entre os escritórios; fatos públicos e notórios estão provados e contrariam, em absoluto, a narrativa do referido médico. Em verdade, nada do que afirma serve de fundamento para o seu propósito; e a cada ocasião procura inovar para não cumprir as obrigações que já lhe foram impostas pela Justiça do estado de São Paulo e pelo Tribunal Arbitral, acumulando agora dívidas de altíssimo valor e culminando agora na pretendida utilização da Polícia Civil, infelizmente", escreveu o escritório em nota.

IP 2041354-18.2022.01031

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