Opinião

Desnecessidade de RE para matéria já pacificada em sede de repercussão

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31 de maio de 2022, 9h03

Em recente análise de uma decisão monocrática do STJ, deparei-me com a aplicação do óbice sumular 126/STJ [1], em razão da parte recorrente não haver interposto recurso extraordinário face ao fundamento constitucional que reconheceu genericamente a imprescritibilidade de ação de ressarcimento ao erário em caso de ilícito administrativo.

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, já fixou a tese: "são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa". (STF. Plenário. RE 852.475/SP, relato ministro Alexandre de Moraes, relator para acórdão ministro Edson Fachin, julgado em 8/8/2018 (repercussão geral) (Info 910).

Destarte, considerando que o fundamento tido como constitucional pelo relator já possuía tese fixada em repercussão geral pelo STF, não havendo quaisquer controvérsias quanto à aplicação do artigo 37, §5º, porquanto o Supremo decidiu que apenas são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário que envolvam atos de improbidade administrativos praticados DOLOSAMENTE, advoga-se pela possibilidade da mitigação do alcance da Súmula 126/STJ, porquanto caberia ao STJ aplicar o entendimento vinculante firmado pelo STF.

Nesta senda, pacífico na doutrina [2] e jurisprudência que as decisões do STF em sede de repercussão geral possuem força vinculante perante os demais Tribunais, sendo cabível, inclusive, Reclamação para garantir a observância das teses firmada em repercussão geral, senão vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO PROPOSTA PARA GARANTIR A OBSERVÂNCIA DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. CPC/2015, ARTIGO 988, §5º, II. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. 1. Em se tratando de reclamação para o STF, a interpretação do artigo 988, § 5º, II, do CPC/2015 deve ser fundamentalmente teleológica, e não estritamente literal. O esgotamento da instância ordinária, em tais casos, significa o percurso de todo o íter recursal cabível antes do acesso à Suprema Corte. Ou seja, se a decisão reclamada ainda comportar reforma por via de recurso a algum tribunal, inclusive a tribunal superior, não se permitirá acesso à Suprema Corte por via de reclamação. 2. Agravo regimental não provido. (SFT – AG.REG. NOS EMB.DECL. NA RECLAMAÇÃO 24.686, Relator Min. Teoria Zavascki. Julgado em 25/10/16).

Ao analisar o precedente supra, em que pese o CPC/2015 preveja o cabimento de Reclamação para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida somente após esgotadas as instâncias ordinárias, infere-se que seria possível no âmbito do STJ, a aplicação da tese vinculante fixada em repercussão geral quando da análise de eventual recurso especial, sem que houvesse a necessidade de interposição de recurso extraordinário próprio para questionar o fundamento constitucional, uma vez que o entendimento referente à controvérsia constitucional já estaria solucionado.

Vale ressaltar, que em tais casos o STJ não estaria se manifestando em matéria constitucional, usurpando à competência do STF, mas sim, apenas reproduzindo entendimento sedimentado em repercussão geral pela Corte Constitucional, situação distinta daquela em que a parte busca apresentar distinguishing ou rediscutir a tese fixada. 

Desta forma, quando da apreciação do recurso especial, anteriormente à inadmissão do recurso pela aplicação da Súmula 126/STJ, competiria ao STJ verificar se fundamento constitucional já possui precedente vinculante do STF sobre a matéria. Outrossim, verifica-se ainda que o STJ possui instrumento eficaz capaz de sustentar a mitigação ora proposta, conforme prevê seu regimento interno, no artigo 34, inciso XVIII, alínea b e c:

b) negar provimento ao recurso ou pedido que for contrário a tese fixada em julgamento de recurso repetitivo ou de repercussão geral, a entendimento firmado em incidente de assunção de competência, a súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou, ainda, a jurisprudência dominante acerca do tema;
c) dar provimento ao recurso se o acórdão recorrido for contrário a tese fixada em julgamento de recurso repetitivo ou de repercussão geral, a entendimento firmado em incidente de assunção de competência, a súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou, ainda, a jurisprudência dominante acerca do tema;

Nessa esteira, nos casos em que já haja tese firmada em sede de repercussão geral pelo Supremo, não soa razoável, econômico e tampouco se coaduna com o princípio do acesso à justiça, negar conhecimento à recurso especial em razão da incidência da Súmula 126/STJ, porquanto possível à transposição do vício, por meio da adoção do entendimento exarado em precedente vinculante do STF. Destaca-se que assim agindo, não se agrega mais trabalho ou funções ao STJ, posto que este já realiza um juízo preliminar para a imposição da Súmula 126/STJ.

Do exposto, advoga-se que necessária e benéfica é a mitigação da aplicação da Súmula 126/STJ em tais casos, pois além de não acrescer no problema do afogamento do judiciário, contribuiria para reduzir a força da "jurisprudência defensiva", privilegiando, assim, o fundamento constitucional do acesso à justiça.


[1] É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário.

[2] "Embora o §4º do artigo 927 fale de 'tese adotada em julgamento de casos repetitivos', deixando de se referir aos precedentes firmados em repercussão geral e aos precedentes estabelecidos pelo Superior Tribunal de Justiça em casos 'não repetitivos', isso obviamente deve ser visto como mero esquecimento, na medida em que é absurdo atribuir autoridade a decisões que não refletem a essência das funções das Supremas Cortes, esquecendo-se daquelas que realmente a representam. Ora, se o Supremo Tribunal Federal só pode julgar casos repetitivos quando há repercussão geral, é evidente que o que importa são os precedentes firmados em repercussão geral, motivo pelo qual não tem qualquer importância a circunstância de a repercussão geral estar relacionada com casos repetitivos e não com casos que não se reproduzem em massaMARINONI, L.G. Precedentes Obrigatórios  Ed. 2016, Revista dos Tribunais.

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