Sessões suspensas

Greve dos auditores impacta funcionamento do Carf, diz novo presidente

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28 de maio de 2022, 10h41

A reivindicação de conselheiros fazendários do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) pela regulamentação de adicional de produtividade tem resultado na suspensão de sessões de julgamento. E o novo presidente do tribunal administrativo, Carlos Henrique de Oliveira, afirma que o pedido dos conselheiros tem afetado o órgão de uma maneira negativa.

Washington Costa/MECarlos Henrique de Oliveira, no cargo desde a última terça-feira (24), afirma que queda no orçamento do conselho é outra dificuldade.

"Sem dúvida que o movimento dos auditores fiscais e analistas tributários impacta o funcionamento normal do Carf com evidente prejuízo ao erário. No mesmo sentido, o contingenciamento orçamentário pode agir. Porém, em razão do aprendizado resultante da pandemia com a realização de sessões online, deve ocorrer de forma menos impactante. De todo modo, tenho convicção que o Ministério da Economia viabilizará o funcionamento do conselho", prevê.

A declaração foi dada ao Anuário da Justiça Brasil 2022, publicação editada pela ConJur e que será lançada no mês de junho. Atualmente, apenas a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do órgão tem as suas sessões previstas mantidas. Todas as demais sessões das outras Turmas foram suspensas em decorrência da falta de quórum por conta da ausência de conselheiros representantes do Fisco. 

A Lei 13.464 instituiu em 2017 o pagamento do adicional aos auditores e determinou que fosse criado um Comitê Gestor do Programa de Produtividade da Receita Federal para gerir a concessão do benefício. Entretanto, o bônus está congelado no valor de R$ 3 mil. A reivindicação é de que o ministério institua um pagamento variável de acordo com o volume de trabalho, além de criar o comitê previsto em lei. A omissão normativa tem resultado na suspensão de sessões no Carf desde o ano em que foi sancionada a lei. A interrupção dos julgamentos voltou a ocorrer desde dezembro de 2021.

O Carf, ao comunicar que os julgamentos não serão realizados, tem citado a existência de um movimento de greve. Os conselheiros representantes da Fazenda Nacional, por sua vez, evitam comentar o assunto em público. Alguns deles, procurados pelo Anuário da Justiça, afirmaram que preferiam não se manifestar. Já o Sindifisco, entidade representativa dos auditores-fiscais, nega a existência de paralisação.

Adriana Gomes Rêgo, ex-conselheira responsável por presidir o órgão até segunda-feira (23/5), também afirma que a suspensão das sessões foi um desafio para a manutenção das atividades do conselho durante a sua gestão. "O Carf, enquanto órgão composto por representantes da sociedade e do Fisco, tem procurado atuar no cumprimento da sua missão institucional, apesar das dificuldades relacionadas ao desenvolvimento de suas atividades", comentou.

Entre os anos de 2022 e 2021, o orçamento do conselho caiu pela metade. Segundo o site do Ministério da Economia, a queda foi de R$ 22,5 milhões para R$ 11 milhões. Em 2018, a verba autorizada pelo governo federal para a Receita também estava em 2,9 bilhões. Em 2022, o montante caiu para R$ 1,3 bilhão. Além da pendência da regulamentação do bônus, o Sindifisco alega que o orçamento atual é insuficiente para as atividades da Receita e que a falta de concursos públicos desde 2014 reduziu em 40% o efetivo de auditores-fiscais sem que haja a recomposição dos servidores aposentados.

O Ministério da Economia afirma que prefere não comentar as demandas dos conselheiros fazendários.

Equilíbrio de forças
Outro debate interno hoje no Carf diz respeito ao impacto do fim do voto de qualidade em julgamentos do órgão. Conselheiros ouvidos pelo Anuário da Justiça avaliam que há uma tendência de que julgamentos considerados relevantes e relacionados a cifras altas passem a ter decisões favoráveis aos contribuintes.

O órgão apresentava um desequilíbrio pró-Fisco até a instituição da mudança. Também conhecido como "voto de desempate", o voto de qualidade era um direito dos presidentes das Turmas do conselho. As Turmas possuem composição paritária, são divididas entre representantes dos contribuintes e da Fazenda, mas os presidentes são sempre representantes da Receita Federal, uma vez que o Carf pertence ao Fisco e é um órgão de recursos administrativos. O voto do presidente era conferido por último e passava a ter peso duplo no caso de empate. A extinção do dispositivo, e o resultado de julgamentos declarado favorável aos contribuintes em caso de impasse entre os conselheiros, alterou o equilíbrio de forças no conselho.

O novo presidente do Carf, Carlos Henrique de Oliveira, afirma que respeita a decisão do Congresso Nacional de ter acabado com o dispositivo. Também aposta na imparcialidade dos julgadores. "A alteração de critério no caso de empate na votação colegiada resulta da vontade do legislador e, nesse sentido, deve ser respeitada. Importa realçar que os conselheiros do Carf, independentemente da indicação, fazendária ou da sociedade, são providos de grande conhecimento técnico-jurídico no ramo tributário. Tal nível de formação garante imparcialidade ao julgador e, com a necessária isenção, o colegiado saberá tomar a decisão mais acertada de forma equilibrada e isenta", defende.

A Lei 13.988 foi sancionada em abril de 2020 como uma conversão da Medida Provisória (MP) 899/19, conhecida como "MP do Contribuinte Legal". A nova legislação dispõe sobre a transação tributária, em relação aos acordos para a quitação de dívidas junto à Fazenda Pública. O Congresso acrescentou pontos novos ao texto da medida como a possibilidade de transação de créditos tributários não judicializados que estejam na Receita Federal. Um deles não possuía relação com o tema principal da medida. O art. 28 da nova legislação incluiu novo texto na Lei 10.522/2002. O art. 19-E da segunda legislação passou a prever que, nos julgamentos do Carf, "em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte".

Está suspenso julgamento no Supremo Tribunal Federal a respeito da constitucionalidade da extinção do dispositivo. O plenário da Suprema Corte formou maioria pela validade em março desse ano e a análise do assunto foi paralisada após pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques. 

A Portaria 260/20 do Ministério da Economia preserva hoje o mecanismo do fim do voto de qualidade em casos relacionados a temas como direito aduaneiro, julgamento de embargos, pedidos de compensação, entre outros. O PL (Projeto de Lei) 2337/2021, que propõe uma Reforma Tributária e aguarda apreciação do Senado Federal, ainda prevê o fim do voto de qualidade para quaisquer ações tributárias.

Novo presidente
No último dia 24 de fevereiro, o auditor fiscal Carlos Henrique de Oliveira substituiu a ex-conselheira Adriana Gomes Rêgo no cargo de presidente do órgão. A troca ocorreu em meio à dificuldade de o Tribunal administrativo manter o seu funcionamento com a suspensão de sessões.

Em fevereiro desse ano, o Carf também bateu recorde no estoque de crédito acumulado. De acordo com dados divulgados pelo Tribunal administrativo, a soma dos créditos dos processos que aguardam julgamento atingiu R$ 1 trilhão. Foi a primeira vez que isto ocorreu desde o início da série histórica em dezembro de 2011. Em dezembro de 2019, o estoque de crédito era de R$ 628 bilhões.

O Carf funciona por meio de sessões remotas desde abril de 2020 e impôs limite aos valores nos julgamentos virtuais. Foi permitida apenas a análise de processos em que os valores envolvidos não superassem a cifra de R$ 1 milhão. O limite foi ampliado de forma progressiva até alcançar R$ 36 milhões em março de 2021. Em abril de 2022, foi suspenso.

Carlos Henrique de Oliveira ocupava o cargo de diretor de Programa da Receita Federal antes de assumir a presidência do Carf. Conselheiros representantes dos contribuintes ouvidos pelo Anuário da Justiça avaliaram a alteração como positiva.

O auditor atuou como conselheiro e presidente da 1ª Turma da 2ª Seção entre 2012 e 2018 e seria um julgador com perfil técnico, sem apresentar uma tendência pró-Fisco ou pró-contribuinte. Apresentaria ainda trânsito no meio acadêmico e teria um perfil aberto ao diálogo. Já interlocutores ligados aos conselheiros fazendários lamentaram a saída de Adriana, que chefiava o conselho desde janeiro de 2018.

Oliveira é formado em Direito pela Universidade de São Paulo (Usp) e em engenharia civil pela Universidade Paulista (Unip). Também é doutor em Direito pela USP e especializado em Direito do Trabalho e Seguridade Social pela universidade italiana Degli Studi di Modena e Reggio Emilia.

Atua como auditor fiscal desde 2001, de modo que já esteve lotado na chefia da Direção de Programa, na Divisão de Tributação da Superintendência da 8ª Região Fiscal, na chefia de Fiscalização da Delegacia da Receita Previdenciária em São Paulo e em atividades externas. É professor da graduação e pós-graduação da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais desde 2008. E atuou como engenheiro civil na iniciativa privada de 1982 até 2000.

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