Opinião

Estações ecológicas: regime jurídico e objetivos

Autor

  • Carlos Sérgio Gurgel da Silva

    é professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte doutor em Direito pela Universidade de Lisboa mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte especialista em Direitos Fundamentais e Tutela Coletiva pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte advogado geógrafo conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Rio Grande do Norte presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-RN conselheiro titular no Conselho da Cidade do Natal (Concidade) e no Conselho de Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Norte (Conema) autor de inúmeros livros capítulos de livros e artigos nas áreas de Direito Ambiental Direito Urbanístico e Direito Constitucional.

19 de maio de 2022, 10h02

As estações ecológicas são unidades de conservação do tipo proteção integral, assim como dispõe o artigo 8º, inciso I da Lei Federal nº 9.985/2000, a qual instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Snuc). Essa norma estabelece um regramento específico para as estações ecológicas, definindo, em seu artigo 9º, caput, que as mesmas têm como principal objetivo a preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas.

No que diz respeito ao domínio da(s) propriedade(s) incluída(s) em seus limites, a lei em tela reza que deve ser exclusivamente público, sendo que eventuais áreas particulares ali inseridas precisam ser desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei (§1º do art. 9º).

Uma vez que são espaços fundamentais para a defesa ambiental e para a realização de pesquisas científicas em matéria de gestão e recuperação do ambiente, o § 2º deste mesmo artigo 9º estabelece que é proibida a visitação pública, exceto quando com objetivo educacional, de acordo com o que dispuser o plano de manejo da unidade ou regulamento específico.

Nesse sentido, convém esclarecer o que seria tal plano de manejo. A própria Lei nº 9.985/2000, em seu artigo 2º, inciso XVII, dispõe que plano de manejo é o documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade.

No que se refere à pesquisa científica, vale frisar que esta depende de autorização prévia do órgão responsável pela administração da unidade e está sujeita às condições e restrições por este estabelecidas, bem como àquelas previstas em regulamento, conforme previsto no §3º do artigo 9º da lei em tela.

Uma vez que todas as unidades de conservação têm a finalidade de tutelar espaços territoriais com relevância ambiental, o principal objetivo das estações ecológicas é realizar pesquisas científicas que possam ser aplicadas, especialmente, na conservação e na recuperação de áreas degradadas (em seus aspectos faunísticos, florísticos e edáficos) inseridas nas áreas circundantes (região onde tal unidade de conservação está situada).

Vale também destacar que nesse tipo de unidade de conservação só serão permitidas alterações dos ecossistemas nos casos de medidas que visem: a) a restauração de ecossistemas modificados; b) de manejo de espécies com o fim de preservar a diversidade biológica; c) de coleta de componentes dos ecossistemas com finalidades científicas; e d) de pesquisas científicas cujo impacto sobre o ambiente seja maior do que aquele causado pela simples observação ou pela coleta controlada de componentes dos ecossistemas, em uma área correspondente a no máximo três por cento da extensão total da unidade e até o limite de um mil e quinhentos hectares (§4º do artigo 9º, incisos I a IV).

Convém salientar que há outro texto legal a reger as estações ecológicas. Trata-se da Lei Federal nº 6.902, de 27 de abril de 1981, a qual, frise-se, é anterior até mesmo a Lei Federal nº 6.938/1981, que criou a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), a primeira na história do país. Trata-se, portanto, de uma das leis mais importantes em matéria ambiental, até pela sua posição histórica. Apesar de suas idades, importante ressaltar que as Leis nº 6.902/1981 e 6.938/1981 foram completamente recepcionadas pelo texto constitucional de 1988, o que ilustra o caráter estratégico das mesmas.

Relevante ainda o esclarecimento de que a Lei nº 6.902/1981 dispõe sobre a criação de estações ecológicas, bem como de Áreas de Proteção Ambiental (APA). Nossa análise, por ora, recai sobre as primeiras.

Já em seu artigo 1º, a Lei nº 6.902/1981 dispõe que as estações ecológicas são áreas representativas de ecossistemas brasileiros, destinadas à realização de pesquisas básicas e aplicadas de ecologia, à proteção do ambiente natural e ao desenvolvimento da educação conservacionista.

No que tange à utilização da área, convém esclarecer que noventa por cento ou mais do território de cada estação ecológica será destinado, em caráter permanente, e definido em ato do Poder Executivo, à preservação integral da biota. Em outros termos, sendo ainda mais direto, pelo menos noventa por cento de sua área deve ser destinada à preservação integral de seus componentes (§1º do artigo 1º). O restante da área, ou seja, até no máximo dez por cento da área total poderá ser utilizado, mediante autorização, para a realização de pesquisas ecológicas que venham a acarretar modificações no ambiente natural, o que, mesmo assim, só pode acontecer se houver um plano de zoneamento aprovado, segundo se dispuser em regulamento (§2º do artigo 1º).

Importante ressaltar que as pesquisas científicas e outras atividades realizadas no interior das estações ecológicas sempre deverão levar em conta a necessidade de não colocar em perigo a sobrevivência das populações das espécies ali existentes (§3º do artigo 1º).

No que diz respeito à criação de estações ecológicas, a lei em tela destaca que tanto a União, como Estados-membros e municípios, em terras de seus domínios, podem fazê-lo, momento em que precisam, no ato de sua criação, definir seus limites geográficos e apontar o órgão responsável pela sua administração (artigo 2º).

No que diz respeito às áreas que estão no entorno das estações ecológicas, importante recordar que sua tutela e defesa ambiental deve ser efetivada através de regramentos específicos, também previstos nas Leis nº 12.651/2012 (Código Florestal) e 5.197/1967 (Lei de Proteção à Fauna), assim como dispõe o artigo 3º da Lei 6.902/1981.

A lei em comento destaca ainda em seu artigo 4º que as estações ecológicas serão implantadas e estruturadas de modo a permitir estudos comparativos com as áreas da mesma região ocupadas e modificadas pelo homem, a fim de obter informações úteis ao planejamento regional e ao uso racional de recursos naturais. Esta realização destaca ainda mais a importância das pesquisas científicas desenvolvidas nessas unidades de conservação, que devem ter um viés de aplicação prática.

Diante de nossa exposição até então, cabe o questionamento: quem deve financiar as pesquisas no interior dessas unidades? O artigo 5º da Lei Federal nº 6.902/1981 responde, apontando os órgãos federais financiadores de pesquisas e projetos no campo da ecologia. Como se trata de uma lei federal, a norma em tela não poderia dispor de forma diversa. No entanto, como as estações ecológicas podem ser instituídas tanto pela União, mas também pelos estados-membros e municípios cabem a estes, na esfera de suas competências, dispor sobre outros agentes financiadores.

Apesar da disciplina já estabelecida, a qual aponta para os órgãos gestores dessas unidades de conservação, o artigo 6º da Lei 6.902/1981 dispõe que caberá ao Ministério do Interior, através do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), zelar pelo cumprimento da destinação das estações ecológicas, manter organizado o cadastro das que forem criadas e promover a realização de reuniões científicas, visando à elaboração de planos e trabalhos a serem nelas desenvolvidos. Neste ponto, importante atualizar o teor deste dispositivo. Onde se lê Ministério do Interior, leia-se Ministério do Meio Ambiente, tendo em vista que ao tempo de edição dessa norma, ainda não existia este último ministério. Quando a lei em tela dispõe ser do Ibama a competência pelo cumprimento da destinação das estações ecológicas e outros aspectos específicos, se faz necessária nova atualização, uma vez que tal competência deve recair sobre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), uma vez que ao tempo da edição da Lei nº 6.902/1981 este último órgão ainda não existia. Hoje, sabemos que o ICMBio é o principal responsável pela gestão das unidades de conservação do âmbito federal. No caso de estações ecológicas instituídas pelos estados-membros ou por municípios, cabe a órgãos específicos desses entes, integrantes da estrutura do Sisnama (órgãos seccionais ou locais) conduzir a gestão das mesmas.

Importante ainda frisar que as estações ecológicas não poderão ser reduzidas nem utilizadas para fins diversos daqueles para os quais foram criadas (artigo 7º), sob pena de enquadramento como desvio de finalidade e/ou abuso de poder.

No que tange a vedações de usos e/ou atividades no interior das estações ecológicas, o §1º do artigo 7º aponta a proibição: a) de rebanho de animais domésticos de propriedade particular; b) da exploração de recursos naturais, exceto para fins experimentais, que não importem em prejuízo para a manutenção da biota nativa, ressalvado o disposto no § 2º do artigo 1º (utilização de até 10% da área, desde que haja um plano de zoneamento aprovado); c) do porte e uso de armas de qualquer tipo; d) do porte e uso de instrumentos de corte de árvores; e) do porte e uso de redes de apanha de animais e outros artefatos de captura [§1º do artigo 7º, alíneas a) a e)].

Vale frisar que as hipóteses de proibição do porte e uso de armas de fogo, do porte e uso de instrumentos de corte de árvores e do porte e uso de redes de apanha de animais, ilustradas no parágrafo acima, quando destinados aos trabalhos científicos e à manutenção da Estação, podem ser flexibilizados pela autoridade responsável pela sua administração. Nos casos de violações a tais regramentos, as penalidades deverão ser aplicadas pela própria administração da estação ecológica, em hipóteses previamente previstas em lei (§4º do artigo 7º).

Eis, em breve síntese, o regime jurídico e a disciplina que regem a criação e funcionamento das estações ecológicas no Brasil. Como se percebe, trata-se de instrumento da política ambiental que se apresenta como estratégico para a obtenção e difusão de conhecimentos e técnicas, obtidas através de pesquisas científicas, sendo estas imprescindíveis para assegurar a equilíbrio dos processos ecológicos presentes em determinadas parcelas do território nacional. Em apertada síntese, as estações ecológicas são mecanismos potencializadores da lógica do desenvolvimento sustentável, uma vez que proporciona ampliar conhecimentos acerca dos melhores usos e formas de ocupação de espaços territoriais dotados de relevante interesse ambiental.

Autores

  • é advogado especializado em Direito Ambiental, doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa (Portugal), professor adjunto IV do curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, conselheiro estadual da OAB-RN, presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-RN (2022-2024), autor de inúmeros artigos e capítulos de livros na área do Direito Ambiental, geógrafo e consultor ambiental.

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