Novidade importada

Sucesso do juiz das garantias depende de adaptação ao Brasil, dizem especialistas

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16 de maio de 2022, 15h02

A implementação do "juiz das garantias", função aprovada no "pacote anticrime" de 2019, só será eficiente se houver condições estruturais para o seu funcionamento em todo o Brasil — das capitais às cidades do interior.

Carlos Humberto/SCO/STF
Proposta está há dois anos no STF, sob responsabilidade do ministro Luiz FuxCarlos Humberto/SCO/STF

Caso contrário, haverá o risco da criação de processos penais diferentes nas mesmas unidades da federação, segundo especialistas que participaram do seminário "Rumos do Direito Criminal — na voz de quem decide". O evento, promovido pela TV ConJur nesta segunda-feira (16), foi mediado pela presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Renata Gil, que é juíza criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).

De acordo com Francisco Codevilla, juiz federal criminal do Distrito Federal, a Europa é a principal referência quando se discute a figura do juiz das garantias, mas é preciso estar atento às particularidades da realidade brasileira antes de importar essa função para o país.

"Trazemos experiências de contextos bastante diferentes do nosso, principalmente na Europa. No mínimo, (para implementar a função) nós precisamos de dois juízes em cada comarca. Pois bem, talvez não seja a realidade do Distrito Federal e de São Paulo, por exemplo, mas tenho certeza de que várias comarcas do interior desses estados não têm sequer um juiz, nem promotor. Isso já é uma dificuldade para a implementação do juiz das garantias".

Atualmente em debate por um grupo de trabalho na Câmara dos Deputados, a figura do juiz das garantias pressupõe que a condução dos processos criminais seja dividida entre dois magistrados: enquanto um deles fica responsável pela fase da investigação — o juiz das garantias —, o outro se encarrega do julgamento.

Cabe ao juiz das garantias decretar e prorrogar prisão preventiva, decidir sobre quebra de sigilo, busca e apreensão e interceptação telefônica, e outros assuntos relacionados à obtenção de provas. O magistrado também decide se aceita denúncias do Ministério Público ou queixas-crime, no caso de ações penais privadas.

Segundo os defensores da proposta, a função pode ajudar a dar mais imparcialidade aos julgamentos. 

Regionalização
Um dos caminhos estudados para lidar com as diferenças regionais no número de juízes, segundo Codevilla, é a regionalização. Nesse caso, se um juiz é o único responsável por uma pequena comarca, por exemplo, poderia atuar na investigação e, depois, remeter o julgamento a outro magistrado fora da comarca (o das garantias), que analisaria o caso a distância. 

Para o juiz do DF, contudo, isso pode ser inviável em cidades sem acesso à internet, como no interior de Roraima ou Amazonas. Outro risco de regionalizar a atribuição, segundo o magistrado, é que o juiz acabe sendo distanciando das garantias de fatos dos quais ele, por sua natureza, deveria ficar o mais próximo possível.

A opinião é compartilhada por Débora Valle de Brito, juíza federal criminal do Rio de Janeiro.

"A atividade do juiz de garantias é justamente aquela mais necessária para o presencial, que é a audiência de custódia", afirmou a magistrada, para quem também é fundamental que a função seja decidida por sorteio, assim como acontece com o juiz natural — ponto que ainda não ficou claro na regulamentação.

A instituição do modelo foi suspensa em janeiro de 2020 em razão de questionamentos de entidades ligadas a juízes e ao Ministério Público. A proposta está há dois anos no Supremo Tribunal Federal, sob responsabilidade do ministro Luiz Fux.

Também participaram do evento Ulisses Augusto Pascolati Júnior, juiz estadual criminal de São Paulo; e os juízes federais criminais Ali Mazloum (SP) e Michael Procópio Avelar (MG).

Clique aqui para assistir ao evento ou veja abaixo:

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