Opinião

Efeitos materiais da revelia no Código de Processo Civil

Autor

  • Luiz Roberto Hijo Sampietro

    é doutorando e mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP) especialista em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito (EPD) bacharel em Direito pela Universidade São Judas Tadeu (USJT) advogado professor de Processo Civil no Núcleo de Direito à saúde da ESA/OAB-SP e em cursos de pós-graduação lato sensu.

16 de maio de 2022, 10h12

A revelia é espécie do gênero inatividade processual, dizendo respeito ao comportamento comissivo do réu, que 1) deixa de contestar a pretensão do autor, 2) contesta após o decurso do prazo legal ou 3) contesta de forma irregular, deixando, por exemplo, de sanear incapacidade processual ou a irregularidade da representação dele (CPC, artigo 76, §1º, II).

O réu possui o ônus de participar do contraditório desenvolvido nos autos do processo. Por esse motivo, Arruda Alvim [1] esclarece que "(…) a revelia não pode ter seus efeitos comparáveis aos de uma punição. A presunção de veracidade das alegações do autor e a dispensa de dilação probatória, a autorizar o julgamento antecipado do mérito, não constituem sanções retributivas. Trata-se de consequências da inércia do réu que, ao deixar de contestar, torna incontroversos os fatos, dispensando, em princípio, a produção de outras provas".

A ideia de que os efeitos da revelia consubstanciariam verdadeira punição ao réu inativo teve como gênese a redação imperativa do art. 319 do CPC/73: "Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor". Em tal hipótese, diante na inexistência de controvérsia sobre a matéria de fato alegada, o juízo estaria autorizado a dispensar a etapa instrutória e a proferir sentença, julgando a pretensão do autor.

A reforçar tal interpretação, de cunho literal, o artigo 320, I a III, do CPC/73 (com exata correspondência nos incisos I a III do artigo 345 do CPC/15), pontificava que o efeito material da revelia  presunção de veracidade das alegações expostas na petição inicial  estaria automaticamente afastado se 1) um dos réus contestasse a pretensão do autor; 2) se o litígio tivesse por objeto direito indisponível; e 3) se petição inicial não estivesse acompanhada do instrumento público fundamental à comprovação do ato.

No entanto, a doutrina, sempre bem representada pela argúcia de Barbosa Moreira [2], fez questão de esclarecer que o juízo não estava vinculado "(…) à aceitação de fatos inverossímeis, notoriamente inverídicos ou incompatíveis com os próprios elementos ministrados pela inicial (…)" pela mera circunstância de que o réu havia se quedado revel.

A jurisprudência de então também prestigiava o entendimento doutrinário, ao registrar que "[a] presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em face da revelia do réu é relativa, podendo ceder a outras circunstâncias constantes dos autos, de acordo com o princípio do livre convencimento do Juiz". (REsp 434.866/CE, relator ministro Barros Monteiro, 4ª T., j. 15.8.2002). Por consequência, os sucessivos precedentes do Superior Tribunal de Justiça reafirmaram o teor do Verbete nº 231 da Súmula de Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal, que, ainda durante a vigência do CPC/39, admitia a produção de provas por parte do revel, desde que ele comparecesse em tempo oportuno.

No intuito de consolidar as vozes da doutrina e o entendimento pretoriano, o legislador do CPC vigente trouxe uma quarta hipótese em que os efeitos materiais da revelia deixam de incidir sobre a versão dos fatos contida na petição inicial: trata-se da previsão do inciso IV do artigo 345, responsável por afastar a presunção de veracidade da narrativa autoral se tais alegações estiverem desprovidas de verossimilhança ou se elas forem incongruentes com a prova constante dos autos [3]. Nessa situação, o revel estará autorizado a postular a produção de provas, desde que se faça representar nos autos a tempo (CPC, artigo 349).

O artigo 345, IV, do CPC/15, desmistifica, portanto, a ideia de que a revelia automaticamente resulta na procedência do pedido do autor (ex.: AgRg no Ag nº 1.100.384/GO, relator ministro Maria Isabel Gallotti, 4ª T., j. 8.6.2020). Mas, por outro lado, a preclusão decorrente da inatividade do réu impede que ele produza provas tendentes a atestar a existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito reivindicado pelo autor. Em outras palavras, a revelia impede que o réu articule versão dos fatos que constitua defesa indireta (CPC, artigo 373, II), devendo limitar a atividade probatória dele à contraposição direta da versão dos fatos articulada pelo autor [4] [5] ou às matérias de ordem pública, sobre as quais não incide preclusão [6]. Mesmo diante das restrições probatórias derivadas da inatividade do réu, nota-se que esse último não mais recebe tratamento legislativo tão severo, a ponto de a ausência dele ser equiparada a um ato de delinquência.


[1] A revelia, o direito fundamental à prova e o artigo 349 do CPC/2015. In: Uma vida dedicada ao direito: estudos em homenagem a Roberto Rosas. Coords. Arruda Alvim, Eduardo Arruda Alvim e Flavio Galdino. Rio de Janeiro: GZ, 2020, p. 100.

[2] O novo processo civil brasileiro. 27ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 97.

[3] Na jurisprudência, conferir o seguinte precedente: "O Superior Tribunal de Justiça entende que os efeitos da revelia são relativos e não acarretam a procedência automática do pedido, devendo o magistrado analisar as alegações do autor e a prova dos autos". (AgInt no AREsp 1679845/GO, relator ministro Antonio Carlos Ferreira, 4ª T., j. 28.9.2020. No mesmo sentido, ver o acórdão proferido no AgInt nos EDcl no AREsp 1616272/RS, relator ministro Maria Isabel Gallotti, 4ª T., j. 22.6.2020)

[4] É por esse motivo que o artigo 349 do CPC registra a possibilidade de o réu revel produzir provas "contrapostas às alegações do autor" se comparecer aos autos a tempo.

[5] Ver, por exemplo, o acórdão proferido no AgInt no RMS 62.555/RJ: "A ausência de apresentação da contestação, a redundar na revelia, não impede o julgador, caso repute necessário à formação de sua convicção, determinar a produção de provas destinadas a comprovar os fatos alegados na inicial, podendo, a partir disso e, em tese, extinguir o feito sem julgamento de mérito ou mesmo julgar improcedente o pedido".

[6] Nesse sentido, o AgRg no Ag 1074506/RS: "O réu revel pode intervir no processo a qualquer tempo, de modo que a peça intempestiva pode permanecer nos autos, eventualmente, alertando o Juízo sobre matéria de ordem pública, a qual pode ser alegada a qualquer tempo e grau de jurisdição".

Autores

  • é advogado, doutorando e mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito (EPD) e professor de Processo Civil em cursos de pós-graduação lato sensu.

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