Opinião

A glosa de créditos de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSLL

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1 de maio de 2022, 13h16

A utilização de créditos de prejuízo fiscal de IRPJ ("prejuízo fiscal") e base de cálculo negativa de CSLL ("base negativa") é mecanismo cotidiano à disposição dos contribuintes para o adimplemento de tributos incidentes sobre a renda.

O funcionamento da sistemática é simples: em vez de recolher valores devidos de IRPJ e CSLL, o contribuinte faz uso de montantes decorrentes de resultados negativos apurados em exercícios financeiros pretéritos, controlados e evidenciados pelo contribuinte na Parte B do Lalur (Livro de Apuração de Lucro Real) e Lacs (Livro de Apuração de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).

No momento da utilização de tais créditos, o Fisco fiscaliza essencialmente dois fatores: (1) o respeito à famigerada "trava dos 30%", que significa que os créditos em exame podem ser utilizados, mas não podem quitar a integralidade dos débitos — ficam limitados ao adimplemento de 30% dos débitos tributários de IRPJ e CSLL do período; e (2) a origem/fundamento dos créditos de prejuízo fiscal e base negativa.

O presente artigo se debruça sobre o fator (2), notadamente no que diz respeito ao limite temporal para a fiscalização e eventual glosa dos créditos apurados. Com isso, pretende estimular a discussão acerca do prazo decadencial — mais precisamente o início dele — para que o Fisco adote dito expediente.

Há muito o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais entende que o prazo decadencial para fiscalização e glosa de créditos de prejuízo fiscal e base negativa se inicia com a sua efetiva utilização. Ou seja, apenas quando há o encontro de contas entre tais créditos e débitos tributários de IRPJ e CSLL é que a União deve mover o aparato estatal para constatar a regularidade dos créditos.

Recentemente, a 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf entendeu de modo distinto, o que poderia representar uma virada jurisprudencial. O acórdão, proferido a partir de voto de desempate em favor do contribuinte nos autos do Processo Administrativo nº 13609.721302/2011-89 [1], entendeu que o prazo decadencial se instaura no momento da apuração do respectivo prejuízo fiscal/base negativa, e não com sua utilização.

O julgado é um importante precedente, embora não se possa cravar que será o início da consolidação de uma modificação de entendimento do Carf. Seja como for, os contribuintes devem estar atentos para que não aceitem passivamente um movimento de "perpetuação" do prazo decadencial do Fisco em tais casos. Explica-se.

Como se sabe, e se explica brevemente apenas para fins de contextualização, o prejuízo fiscal e a base de cálculo negativa são o "outro lado da moeda" do lucro, da renda.

Se um contribuinte experimenta um acréscimo patrimonial, um resultado positivo, tem-se aí uma renda/lucro. Se, por outro lado, o contribuinte apresentou mais dispêndios do que receitas no exercício, tem-se um resultado negativo, ao qual se dá o nome de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa, nas sistemáticas do IRPJ e da CSLL, respectivamente.

Quando se alcança um resultado positivo, não há dúvidas: no exemplo do lucro real na sistemática anual, o contribuinte apura a renda definitiva em sua Declaração de Ajuste e, no mesmo ato, constitui o débito tributário de IRPJ. Nessa situação, o Fisco terá o prazo decadencial de cinco anos a contar da data de ocorrência do fato gerador para confirmar a regularidade do autolançamento ou para realizar o lançamento tributário de valores eventualmente não lançados pelo contribuinte.

A lógica se aplica integralmente à apuração de créditos de prejuízo fiscal e base negativa, inclusive na parte da constituição de um débito tributário.

O ponto é: ainda que a princípio não haja tributo devido no autolançamento, o fisco tem absoluto interesse de fiscalizar tal apuração e assim constatar se não haveria uma renda/lucro tributável no período, em vez do prejuízo/base negativa apurado pelo contribuinte — ou ao menos um prejuízo menor do que o apurado pela pessoa jurídica.

Não faz sentido impor ao Fisco um prazo máximo para fiscalizar a apuração nos casos de resultado positivo e não fazer o mesmo para o resultado negativo. Em qualquer dos casos, o Fisco deve e tem interesse de confirmar se não está ocorrendo a frustração de créditos tributários devidos.

Sabendo-se que o interesse de fiscalizar existe e, mais do que isso, que a União efetivamente fiscaliza a apuração em cinco anos da ocorrência do fato gerador (ou da sua possível ocorrência, caso o contribuinte tenha noticiado um resultado negativo), é inegável que o prazo decadencial se inicia no mesmo momento para o resultado positivo ou negativo.

Desse modo, a postura do Fisco de fiscalizar os créditos de prejuízo fiscal e base negativa no momento de sua efetiva utilização representa a renovação/"perpetuação" do prazo decadencial. Veja-se.

Se o contribuinte está utilizando créditos de prejuízo e base negativa, é porque eles não sofreram resistência fiscal após fiscalizados no momento da apuração da base tributária. Assim, contam com a chancela do Fisco mediante homologação do lançamento tributário, ainda que tácita.

Se os créditos eram indevidos, por qualquer que seja o motivo (despesas indevidamente excluídas/deduzidas, receitas não adicionadas ou simplesmente desconsideradas etc.), o Fisco deveria ter realizado o lançamento de ofício para glosar os créditos indevidos e cobrar os débitos tributários de IRPJ e CSLL, se a glosa levar a um resultado positivo.

Um fator que poderia ser utilizado para justificar a "perpetuação" do prazo decadencial seria a ausência de prazo para que o contribuinte utilize os créditos. A justificativa não se sustenta.

Um crédito apurado pelo contribuinte em 2005 pode ser utilizado em 2030, se até esse momento não tiver sido integral ou parcialmente consumido.

Na situação narrada acima, a utilização do crédito em 2030 levará o Fisco a fiscalizar a origem desse crédito (de 2005) até o ano de 2035, trinta anos após o fato que ensejou sua apropriação. Na prática, esse tempo pode se alongar muito mais do que o do exemplo acima.

O expediente é inconcebível e absurdo por diversas razões. O primeiro deles é a repetida "perpetuação do prazo decadencial". A esse motivo se somam ao menos mais dois: (1) a ausência de prazo não prejudica o Fisco, que já realizou a fiscalização dos fatos em cinco anos de sua ocorrência; (2) passados trinta anos da ocorrência dos fatos, a própria fiscalização ficaria prejudicada, diante do tempo remoto dos fatos.

Além de tudo, a fiscalização é contraproducente, uma vez que se fiscaliza algo já fiscalizado sem que tenha havido mudança de fatos. E, nesse cenário, alcançar um resultado distinto não seria apenas estranho, mas juridicamente defeso, pois o Fisco não pode adotar posturas contraditórias e a partir daí modificar/revogar a homologação do autolançamento.

Portanto, parece-nos claro que o Fisco não tem o direito de fiscalizar a origem e o fundamento de créditos de prejuízo fiscal e base negativa, senão dentro do prazo decadencial que se inicia no momento de sua apuração.

Por ocasião da utilização dos créditos, poderá analisar a quantificação do crédito, verificar o saldo já consumido de tais créditos para, assim, confirmar se o saldo de prejuízo e base negativa naquele momento é de fato suficiente para quitar os débitos tributários de IRPJ e CSLL. Nada além disso.


[1] Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf. Recurso Especial. Acórdão nº 9303-012.808, cons. redator Luiz Eduardo de Oliveira Santos, 14/2/2022.

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