Opinião

Franchising e Metaverso: o que esses dois mundos têm em comum?

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26 de junho de 2022, 7h07

O termo Metaverso foi criado por Neal Stephenson, em sua obra "Snow Crash", para designar um mundo fictício, acessado por meio de computadores conectados à rede por fios de fibra óptica, com o auxílio de óculos e fones de ouvido. Nesse universo virtual, as pessoas eram representadas por avatares, permitindo interações nas quais os participantes podiam enxergar as expressões faciais uns dos outros.

Não é muito diferente do que hoje se entende por Metaverso, um universo virtual 3D que permite que as pessoas se encontrem, trabalhem, joguem e socializem [1]. A experiência mais imersiva se dá quando essa interação ocorre com o auxílio de tecnologia de realidade virtual, mediante a utilização de headsets que fazem com que a pessoa tenha a sensação de estar dentro de um ambiente virtual.

Quando "Snow Crash" foi publicado, em 1992, ainda não existia sinal wi-fi, smartphones ou headsets de realidade virtual. Também não haviam surgido algumas das maiores empresas de tecnologia, como Google e Facebook, que recentemente mudou seu nome para "Meta" — reavivando o uso do termo metaverso.

Hoje, a experiência de imersão em uma realidade virtual sai das páginas de ficção científica para integrar as principais discussões sobre os rumos da tecnologia. Com isso, imensas quantias de dinheiro e esforços são injetadas no desenvolvimento de ambientes virtuais, a fim de buscar novas possibilidades de negócio em todos os ramos, incluindo no franchising. Diante desse quadro, busca-se analisar as iniciativas de grandes players do mercado para identificar onde esses dois mundos podem se encontrar e, a partir disso, gerar oportunidades.

Recentemente, o McDonald's protocolou pedido de registro de dez marcas relacionadas ao ambiente virtual, que abrangem desde a venda de produtos virtuais contendo a marca McDonald's, como NFTs (non-fungible tokens), até a realização de pedidos em restaurantes virtuais para entrega de produtos reais na casa dos consumidores [2]. A possibilidade que se vislumbra é que os pedidos para delivery sejam direcionados à franquia mais próxima.

A partir dessa experiência, evidencia-se que os investimentos realizados pelos franqueadores nas novas tecnologias relacionadas à realidade virtual podem ser revertidos em benefício aos franqueados no "mundo real", com objetivo de aumento de vendas de forma direta. Porém, essa não é a única forma pela qual os sistemas de franquia poderiam se beneficiar de iniciativas em ambientes de realidade virtual.

Em 2021, a Havaianas desenvolveu uma ilha no jogo Fortnite para promover o lançamento de uma coleção com a temática do jogo, cujos itens poderiam ser adquiridos de forma física [3], pelo site ou em lojas da rede, o que ajudou a estreitar o relacionamento com o público-alvo da coleção. Já a Vans lançou artigos virtuais para utilização dentro do jogo Roblox, que poderiam ser adquiridos para customizar os avatares dos jogadores [4].

Com isso, verifica-se que os sistemas de franquia também podem beneficiar-se de iniciativas em ambientes de realidade virtual em decorrência do surgimento de novas formas de se relacionar com os clientes, proporcionando experiências que ajudem a estreitar o vínculo com a marca, o que ocasiona um aumento indireto nas vendas da rede, além da possibilidade de explorar um novo segmento de mercado, por meio de itens virtuais.

Embora a utilização de ambientes virtuais para a promoção e comercialização de itens tangíveis seja mais facilmente assimilável, a venda de itens virtuais por si só é um mercado em expansão, como comprova o mercado de games, que deve movimentar mais de US$ 200 bilhões em 2023 [5]. Outra prova são os NFTs, que já movimentaram mais de US$ 30 bilhões [6]. Entretanto, ações desse tipo ainda estão limitadas a um público mais restrito, em sua maioria jovens adeptos aos jogos online ou investidores mais arrojados.

O sucesso dos ambientes virtuais a longo prazo, contudo, depende da capacidade dos desenvolvedores de criarem soluções que facilitem a vida das pessoas e melhorem a forma como elas se relacionam. É com esse objetivo que a rede de franquias de academia inglesa TRIB3, em parceria com a OliveX, está desenvolvendo uma academia no metaverso Sandbox. A ideia é reproduzir o ambiente das academias e oferecer aulas e treinos, proporcionando uma experiência imersiva [7]. Dentre as possibilidades que se abrem estão a realização de treinos em qualquer lugar, contato com treinadores e recompensas pelos treinos, funcionando como uma espécie de jogo. Ainda não está claro se a iniciativa da academia constitui um projeto-piloto que envolverá, no futuro, toda a rede de franquias.

Ademais, os ambientes virtuais também possibilitam o surgimento de redes de franquia totalmente novas e sediadas em ambientes virtuais, a partir de empresas que venham a desenvolver um know-how específico relacionado à nova tecnologia. Nesse caso, surgem questões relativas, por exemplo, ao território da franquia, que deverão ser enfrentadas de forma clara em eventuais contratos a serem celebrados. Os contratos de franquia costumam estabelecer um território específico para atuação de cada franqueado, dentro do qual é assegurado ao franqueado direito de exclusividade ou preferência para abertura de novas operações. Como será definido o território de exclusividade para franquias em ambientes virtuais? Ou, ainda, como será a interação entre essas franquias virtuais e as franquias físicas em termos de território? Essas ainda são perguntas sem resposta clara. É possível levantar algumas hipóteses baseadas em experiências prévias com operações de e-commerce e vendas à distância em redes de franquia. No entanto, somente a experiência prática poderá nos dizer qual será o caminho escolhido por cada rede quando a abertura de franquias nesses ambientes for, de fato, uma realidade.

A rede de franquias de hamburguerias Pickl não descarta a possibilidade de comercializar franquias em metaversos. Por enquanto, a empresa pretende utilizar plataformas de realidade virtual para apresentar a rede para potenciais franqueados [8]. Imagine poder proporcionar aos candidatos a franqueados, localizados em qualquer parte do mundo, uma experiência completa em loja, sem precisar deslocá-los até a sede da franqueadora ou até sua flagship store (loja modelo). Certamente, isso tornaria a etapa de seleção de franqueados muito mais rica e, quem sabe, possibilitaria a expansão mais ágil de algumas redes.

A experiência imersiva também pode ser útil no treinamento dos franqueados e de seus funcionários, podendo minimizar o custo e o tempo empregado no deslocamento físico das pessoas, viabilizando a experiência em mais de um modelo de loja sem que seja necessário o deslocamento físico entre elas, ou, ainda, simulando situações da vida real de forma mais rápida e prática .

Claro que hoje todas essas iniciativas envolvem altos investimentos e um apetite a risco que nem todo franqueador possui no momento. No entanto, com a ampliação e popularização dessas tecnologias, a tendência é que encurtar a distância física entre as pessoas e viabilizar experiências reais em ambiente virtual se torne mais acessível abrangendo inclusive áreas longe dos grandes centros urbanos.

No mundo do franchising, as decisões costumam ser tomadas após grande planejamento, o que é característico de um sistema que busca a padronização entre todas as suas unidades [9] e que se compromete em oferecer aos franqueados um modelo de sucesso já testado. No mundo virtual dos metaversos, pelo contrário, tudo ainda é novo e sujeito a testes e mudanças.

Ainda que haja incerteza sobre o sucesso das iniciativas promovidas nos ambientes de realidade virtual, a presença das empresas em metaversos serve, indubitavelmente, para o fortalecimento da marca, que é um dos principais componentes dos sistemas de franquias. Uma das razões mais comuns pelas quais os empresários buscam abrir uma franquia, inclusive, é a qualidade dos produtos ou serviços e o reconhecimento pelos consumidores que são associados àquela marca.

Em matéria de marcas, também é importante destacar que, havendo interesse em promover e ampliar a comercialização de seus produtos em ambientes de realidade virtual, é necessário que as franqueadoras realizem os depósitos necessários para a proteção da marca, dentro das classes compatíveis com os novos ativos [10].

Em resumo, os ambientes de realidade virtual fornecem oportunidades para ampliar canais de venda, fortalecer a marca e o relacionamento com o cliente e até mesmo explorar novas possibilidades de negócio no ecossistema de franquias. Embora os metaversos possam parecer terreno ainda desconhecido, eles nada mais são do que "uma estrutura ficcional feita de código. E código é somente uma forma de discurso — a forma que os computadores entendem" [11] [12]. Cabe às empresas analisar os novos movimentos da tecnologia e decidir se desejam dialogar com eles.

Especificamente no mundo do franchising, a opção por dialogar com o mundo dos ambientes virtuais pode trazer ganhos que vão desde uma experiência mais interessante do consumidor com a marca até o efetivo aumento das vendas, através de novos canais de venda virtuais. As oportunidades que os ambientes virtuais trazem são inúmeras e ainda vêm acompanhadas de algumas perguntas sobre sua implementação e reflexos, as quais certamente serão resolvidas conforme os ambientes forem se popularizando.

[1] What Is the Metaverse? Binance Academy, 2021. Disponível em: https://academy.binance.com/en/articles/what-is-the-metaverse. Acesso em: 9 jun. 2022.

[2] BISSADA, M. McDonald’s Files Trademark For Metaverse-Based "Virtual Restaurant". Forbes. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/masonbissada/2022/02/09/mcdonalds-files-trademark-for-metaverse-based-virtual-restaurant/. Acesso em: 8 jun. 2022.

[3]Havaianas launched a collaboration with Fortnite. NSS Mag, 2021. Disponível em: https://www.nssmag.com/en/article/26252. Acesso em: 8 jun. 2022.

[4] https://www.roblox.com/vans

[5] PACETE, L. G. 2022 promissor: mercado de games ultrapassará US$ 200 bi até 2023. Forbes Brasil. Disponível em: https://forbes.com.br/forbes-tech/2022/01/com-2022-decisivo-mercado-de-games-ultrapassara-us-200-bi-ate-2023/. Acesso em: 9 jun. 2022.

[6] https://nonfungible.com/market-tracker?days=9007199254740991

[7]PATEL, R. TRIB3 enters into the Metaverse. Global Franchise, 2022. Disponível em: https://www.global-franchise.com/news/trib3-enters-into-the-metaverse. Acesso em: 9 jun. 2022.

[8]CORDER, J. Pickl considers franchising through the Metaverse. Caterer, 2022. Disponível em: https://www.caterermiddleeast.com/business/pickl-metaverse. Acesso em: 8 jun. 2022.

[9]PATEL, R. Will franchise brands embrace the metaverse and is there any space for them? Global Franchise, 2022. Disponível em: https://www.global-franchise.com/insight/will-franchise-brands-embrace-the-metaverse-and-is-there-any-space-for-them. Acesso em: 8 jun. 2022.

[10] LEMOS, Taís Bigarella. SILVA, Carlos Belarmino Aragão. Disputa de Marcas em Ambientes Virtuais: mais essa agora? Baptista Luz Advogados, 2022. Disponível em: https://baptistaluz.com.br/disputa-de-marcas-em-ambientes-virtuais/. Acesso em: 9 jun. 2022.

[11] "The Metaverse is a fictional structure made out of code. And code is just a form of speech—the form that computers understand".

[12] STEPHENSON, Neal. Snow Crash. Bantam Books, 1992. p. 244

Autores

  • é especialista em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), mestre em Direito da Empresa e dos Negócios pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), advogada com atuação em Direito Empresarial e Contratual, com ênfase na estruturação e desenvolvimento de canais de venda para empresas de varejo e tecnologia, coordenadora da unidade do Baptista Luz Advogados em Porto Alegre/RS.

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