Opinião

Dissolução parcial das sociedades

Autor

  • Raul Bergesch

    é advogado na área do Direito Empresarial especialista em proteção patrimonial sócio fundador do escritório Bergesch Martin Advogados membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp) e da Comissão de Direito Falimentar da OAB-RS Subseção de Novo Hamburgo.

21 de junho de 2022, 6h32

Para melhor compreensão do tema em apreço, revela-se primordial conceituar a dissolução total das sociedades para, posteriormente, tratarmos da parcial. Na primeira, o ente societário é definitivamente extinto, ou seja, as atividades são interrompidas e aquela pessoa jurídica não subsistirá em nenhuma configuração. Na segunda, são realizadas mudanças no quadro societário, porém a sociedade em si permanece operando.

Por conseguinte, o prestigiado jurista Marlon Tomazette ensina que o encerramento do tipo societário é processada em três fases: a dissolução stricto sensu, a liquidação e a extinção. Importante anotar que esta divisão não é unânime na doutrina, havendo notáveis especialistas no Direito Empresarial que reconhecem tão somente duas etapas e outros que entendem que existem quatro passos para tanto.

À vista disso, constata-se que na dissolução parcial, também denominada de resolução, jamais haverá a fase da extinção, pois esta é justamente a sua distinção em relação à dissolução total da sociedade. Neste ponto, importante desfazer uma confusão terminológica comum: muitos imaginam que o instituto da dissolução parcial da sociedade é mais grave do que este de fato se apresenta na realidade.

Isto se dá pelo fato do termo "dissolução" provocar o entendimento de que a sociedade será encerrada/fechada/extinta. Porém não é o que ocorre no fenômeno da dissolução parcial da sociedade, tendo em vista que nesta as atividades em si continuam a funcionar, sendo certo que apenas o seu quadro societário é alterado.

O pedido de dissolução parcial da sociedade pode estar alicerçado em quatro objetos que estão expressamente previstos no artigo 599, incisos I, II e III do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15), ipsis litteris:

"Artigo 599. A ação de dissolução parcial de sociedade pode ter por objeto:
I – a resolução da sociedade empresária contratual ou simples em relação ao sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; e
II – a apuração dos haveres do sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; ou
III – somente a resolução ou a apuração de haveres".

Vamos, desta maneira, analisar cada uma das razões que possibilitam o requerimento da ação de dissolução de sociedade, são elas: o falecimento do sócio, a retirada ou recesso do sócio por vontade própria, exclusão do sócio pelos demais membros ou somente a resolução ou apuração de haveres.

Na primeira hipótese, em que ocorre o falecimento do sócio, caso se trate de uma sociedade de caráter intuito pecuniae, em que o aspecto que prevalece é o econômico, não observa-se obstáculos, posto que não há nenhuma repercussão na gestão e funcionamento do negócio. Os herdeiros recebem a cota-parte que couber a cada um e a contar deste momento tornam-se sócios, podendo fazer o que desejarem com o seu patrimônio, por ser uma sociedade de capital.

No que tange às sociedades personalíssimas, deve-se verificar se há disposição de cláusula de continuidade no contrato social e/ou aplicar o artigo 1.028 do Código Civil de 2002 (CC02), tema no qual foi abordado com maior profundidade noutrora. [sugestão: linkar o artigo Definição da cláusula que trata sobre a morte de sócio e o ingresso ou não de sucessores].

No que se refere ao recesso ou retirada, o sócio pode ainda pretender sair do ente societário pelas mais diversas justificativas, que podem perpassar pelo âmbito pessoal e/ou profissional, circunstância na qual este precisa seguir regras estabelecidas na legislação vigente. Antes de nos debruçarmos acerca das motivações legais, imprescindível salientar que os sócios podem prever outras possibilidades de retirada da sociedade por meio do contrato social.

O CC02 prevê em seu artigo 1.029 que, nas hipóteses de sociedade por prazo indeterminado, que se mostram ser a maioria no campo prático, o integrante pode solicitar sua retirada por meio de notificação ao corpo societário com antecedência mínima de 60 dias.

Sendo sociedade por prazo determinado, a qual é mais rara, o sócio deverá necessariamente ajuizar ação judicial para exercer o seu direito de retirada, pois é obrigatória a prova de justa causa para isto. Findo o prazo previamente pactuado no contrato social, este pode retirar-se sem empecilhos.

A seguir, a norma jurídica dispõe sobre a exclusão do sócio, que tem caráter punitivo, sendo certo que a norma prevê em quais situações poderá ocorrer a exclusão de um membro pelos demais. Primeiramente, por iniciativa da maioria dos sócios, poderá ser excluído o sócio remisso ou o que cometer falta grave. Abordamos com cuidado a exclusão de sócio por justa causa no artigo que pode ser acessado aqui [linkar o artigo da exclusão de sócio por justa causa]. Para mais, o diploma legal estabelece que também poderá haver a exclusão de sócio por incapacidade superveniente.

Outrossim, o parágrafo único do supramencionado dispositivo determina que se porventura o sócio seja declarado falido ou que tenha sua cota-parte liquidada na forma do artigo 1.026 do CC02 [1], surge pleno direito aos demais membros para o excluírem. Em todo caso, precisa ser respeitado o princípio constitucional do contraditório e, evidentemente, o direito ao ressarcimento deste.

Por fim, temos o pedido tão somente de resolução (que, como já vimos previamente, é outra designação que se dá à dissolução parcial da sociedade) ou de apuração de haveres. Esse dispositivo abarca, essencialmente, os casos nos quais um dos sócios está enfrentando o fim de uma união estável ou casamento e a sua ex-parceira (o) ou ex-esposo (a) tem direito a parte dos seus bens, o que por óbvio inclui a fração da sociedade que pertence a esta pessoa.

Sendo assim, é necessário apurar o quantum referente àquela sociedade é devido ao cônjuge na ocasião da partilha e, então, há dois caminhos que podem ser perseguidos. De antemão, destaca-se que a ratio será muito semelhante ao que ocorre quando da morte de sócio. Isso porque, nas sociedades de capital será adotada precisamente a mesma lógica, havendo algumas peculiaridades apenas nas sociedades de pessoas pois nesta última circunstância o sócio continua vivo e, portanto, tem direito a subsistir na sociedade, já que a alteração do seu estado civil por si só não afeta este direito.

Paralelamente, os demais integrantes desta sociedade não podem ser compelidos a aceitar esta nova pessoa na sociedade, razão pela qual o sócio que está passando por procedimento de partilha pode optar por intentar adquirir a cota-parte que sua ex-esposa (o) tem direito ou haverá a apuração de haveres, em que o sócio meeiro se manterá na sociedade porém com redução da porcentagem de sua participação, uma vez que esta será descapitalizada no valor das cotas liquidadas em favor deste (a) terceiro (a).

No que tange às sociedades anônimas, conhecidas como S.A., há diversas peculiaridades que passaremos a cuidar adiante. Entretanto, insta ressaltar, desde logo, que não temos a pretensão de esgotar a temática, na medida em que há inúmeros cenários possíveis, necessitando que cada caso concreto seja examinado por especialista para que este, de acordo com as especificidades identificadas, sugira a direção mais acertada, que será aquela em que melhor preservar a continuidade do cumprimento do fim social pelo empreendimento.

Nas sociedades anônimas de capital aberto, que são a grande maioria desta espécie, não é possível falarmos em dissolução parcial uma vez que é de sua própria essência o fluxo das ações. São as famosos ações negociadas na Bolsa de Valores, que vem ganhando cada vez notoriedade nos últimos anos. As alienações de ações ocorrem por meio de corretoras, softwares, etc., e vendedor e comprador sequer tomam conhecimento de quem as comprou ou vendeu.

Portanto, ainda que sejam transacionadas milhares de ações entre milhares de indivíduos diariamente de uma determinada empresa, isto não reverbera na administração e/ou nas atividades empresárias propriamente ditas.

Nesse sentido, em virtude da fluidez das ações e da impessoalidade predominante (caráter intuito pecuniae), durante longo período entendeu-se que não era apropriado dizer que havia dissolução parcial de sociedade anônima. Não obstante, em decisório proferido no ano de 2006 (EREsp 111.294/PR), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que, apesar de as sociedades anônimas serem majoritariamente de capital, pode excepcionalmente adotar a forma de sociedade de pessoas, apenas nos casos em que o capital da empresa for fechado, o que quer dizer que as ações desta não são negociadas na bolsa de valores.

Assim, o que restou assentado no julgamento foi que a quebra da affectio societatis não teria em teoria o condão de, na maior parte das sociedades anônimas, ser motivação suficiente para gerar dissolução societária parcial, através da saída de um ou mais sócios. Todavia, constatou-se, na prática, a existência de sociedades anônimas modeladas com base na pessoalidade.

Como exemplo, podemos citar a sociedade anônima familiar, na qual a partir do momento em que um dos sócios perde a vontade de permanecer associado naquele grupo (o que pode ocorrer por diversas motivações), a continuidade da empresa com a presença daquele membro torna-se impossibilitada e, em consequência, com o fito de preservar a manutenção da empresa, a solução mais adequada é a retirada daquele integrante, o que caracteriza automaticamente o conceito de dissolução parcial da sociedade.

Em suma, no decisório supracitado, o STJ definiu que nos casos de sociedade anônima de capital fechado em que prevaleça o aspecto personalíssimo, é cabível a aplicação do instituto da dissolução parcial da sociedade, posto que não vislumbra-se viabilidade para que o fim social seja alcançado com a cessão das ações para terceiro estranho, sendo evidente que o meio mais efetivo para conservação duradoura desta sociedade é a permanência como membro apenas daqueles que verdadeiramente possuem affectio societatis.

E não paramos por aqui. Em 2016, no exame do REsp 1.321.263/PR, os Ministros entenderam pelo cabimento da dissolução parcial da sociedade em sociedades anônimas de capital fechado que possuem caráter intuito pecuniae. Em outras palavras, naqueles entes em que não é necessária a confiança mútua, a consideração pessoal, a personalidade dos indivíduos, dentre outros elementos para a constituição da empresa.

Firmaram este posicionamento sob o fundamento de que uma vez que a empresa não aufere lucros e tampouco distribui dividendos aos acionistas, há demonstração de que a sociedade anônima não está cumprindo o seu fim, amoldando-se desta maneira na literalidade dos artigos 206, II, b, da Lei nº 6.404/76 e 599, §2º do CPC/15, o que gera o direito de retirada.

Logo, podemos concluir que o Tribunal Superior entendeu que, respeitadas as respectivas singularidades, em qualquer espécie de sociedade anônima de capital fechado é possível a dissolução parcial da sociedade.

 

Referências Bibliográficas
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Dissolução parcial da sociedade anônima que não está gerando lucros. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/9713faa264b94e2bf346a1bb52587fd8>. Acesso em: 08/06/2022
DIAS JÚNIOR, Nélio Silveira. Partilha de Quotas Empresariais: Direito do Ex-Cônjuge não Sócio. Disponível em <https://silveiradias.adv.br/partilha-de-quotas-empresariais-direito-do-ex-conjuge-nao-socio/#:~:text=Com%20a%20vig%C3%AAncia%20do%20novo,600%2C%20par%C3 %A1grafo%20%C3%BAnico)> Acesso em 07/06/2022.
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Teoria geral e direito societário, v. 1, 8. ed. rev. e atual, São Paulo: Atlas, 2017.

[1] CC02, Artigo 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação.

Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do artigo 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação.

Autores

  • é advogado na área do Direito Empresarial, especialista em proteção patrimonial, sócio-fundador do escritório Bergesch Advogados, mentor de advogados e membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp) e da Comissão de Direito Falimentar da OAB-RS, subseção de Novo Hamburgo.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!